Acórdão nº 03478/14.1BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelCRISTINA SANTOS
Data da Resolução07 de Abril de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

O A…………, IPSS com os sinais nos autos, inconformada com o acórdão de 22.01.2021 proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte dele vem recorrer, concluindo como segue: 1. Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, que negou provimento ao recurso e manteve a decisão recorrida.

  1. Com o devido e merecido respeito, não partilhamos do mesmo entendimento, não se conformando a Recorrente com a decisão do Tribunal a quo.

  2. A questão essencial do presente recurso prende-se com a correcta interpretação e aplicação dos artigos 89º, 90º, 91º, 107º, 108º do RJUE, 3º, 66º, 100º, 132º, 133º, 135º, 151º, 152º, 157º do CPA e 268º da CRP.

  3. Entende a Recorrente que se encontram preenchidos os pressupostos previstos no nº 1 do artigo 150.º do CPTA, porquanto estamos perante a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica e social - estado de necessidade administrativa - se reveste de importância fundamental, sendo a admissão do recurso claramente necessária para uma melhor aplicação do direito sobre a situação de estado de necessidade e os seus pressupostos.

  4. Defendeu o Acórdão ora posto em crise que face às circunstâncias do caso, os pressupostos de uma situação de estado de necessidade administrativa verificaram-se, o que justificou e legitimou a actuação do Município Recorrido, com as medidas materiais adoptadas.

  5. Decorre do Acórdão Recorrido que se encontra legitimada a actuação que o Município do Porto, no caso em apreço, levou a cabo a coberto do invocado estado de necessidade administrativa, sendo que as despesas com os trabalhos executados nos dias 4,5,6,7,8,11,25 e 26 de Março e 4 de Abril de 2013, devem ser suportadas pela Recorrente.

  6. Não pode a Recorrente conformar-se com tal entendimento, isto porque, a coberto desse estado de necessidade o Tribunal a quo considerou válidos os despachos de 22/05/2013 e 03/01/2014, atinentes às obras levadas a cabo pelo Município Recorrido no prédio urbano de que é proprietária a Recorrente.

  7. A Recorrente continua e entender que tais despachos se encontram inquinados com vícios que se consubstanciam no seguinte: i) ineficácia do despacho proferido pelo Vereador do Pelouro da Protecção Civil, Fiscalização e Juventude, por falta de notificação; ii) por vício de forma por preterição da audiência dos interessados e violação do princípio do contraditório; iii) vício de violação de lei e preterição de formalidades legais; iv) vício de violação do conteúdo de um direito fundamental; v) vício de falta de competência absoluta; vi) vício de forma por falta de fundamentação dos actos impugnados, que foram julgados inverificados.

  8. A Recorrente foi proprietária do imóvel em apreço, apresenta-se como uma Instituição Particular de Solidariedade Social conhecida na cidade do Porto, em plena actividade e com longa história na cidade Invicta, sendo fácil a sua identificação pelo Município do Porto, pelo que se não aceita a omissão na sua notificação da ocorrência do incêndio no dia 28/02/2013 e a falta de notificação da necessidade de obras que, apesar de facilmente poder ser identificada através do cadastro urbano/proprietários das bases de dados da Câmara Municipal do Porto, tal não foi efectuado, ultrapassando e atropelando de forma inaceitável os direitos e interesses legalmente protegidos da Recorrente.

  9. Com a presente acção visa-se a anulação do ato administrativo que manteve o despacho de cobrança praticado pelo chefe de Divisão Municipal da Receita em 03-01-2014, e comunicado à Recorrente pelo ofício com a seguinte referência “1/225378/13/CMP' de acordo com o qual a Câmara Municipal do Porto através de carta registada notificou a Recorrente, nos termos do artigo 108° do RGEU para que esta procedesse ao pagamento do montante de 18 070,93 € (dezoito mil e setenta euros e noventa e três cêntimos) no prazo de 20 dias contados partir da recepção daquela notificação.

  10. Bem como aqueles que o precederam, designadamente, o despacho proferido pelo Sr. Vereador do Pelouro da Protecção Civil, Fiscalização e Juventude praticado a 22/05/2013, no uso de competência delegada pelo Sr. Presidente da Câmara Municipal do Porto, o despacho proferido pelo Director do Departamento Municipal de Protecção Civil, a 4/04/2013 e o despacho proferido pelo Sr. Comandante a 08/04/2013.

  11. Nos termos do disposto no artº 89°, nº 2, do RJUE - como, aliás, sucedia ao abrigo do disposto no artº 10° do RGEU - as câmaras municipais devem ordenar a execução das obras necessárias para corrigir as más condições de segurança ou salubridade, com a faculdade de se substituírem aos proprietários, a expensas destes, e sem recurso aos tribunais, em caso de incumprimento das intimações (artº 91°). Isto, de resto, em sintonia com a genérica prerrogativa de substituição coactiva para cumprimento das obrigações que resultem do ato administrativo (artº 179°, nº 2, do Código do Procedimento Administrativo).

  12. A obrigação de executar as obras de conservação necessárias à reposição da segurança e salubridade do imóvel, ordenadas pela Administração Municipal ao abrigo do artigo 89º, nº 2 do RJUE são da responsabilidade do proprietário, por se tratar de uma obrigação propter rem ou ob rem.

  13. A nossa legislação não diz expressamente o que deve entender-se por "ruína" apenas fornecendo em legislação avulsa a definição de "estado limite da estrutura” (artigo 4.1 do Regulamento de Segurança e Acções para estruturas de edifícios e pontes, aprovado pelo Decreto-Lei nº 235/83 de 31 de Maio), nos seguintes termos: "entende-se por estado limite um estado a partir do qual se considera a estrutura fica prejudicada total ou parcialmente na sua capacidade para desempenhar as funções que lhe são atribuídas." 15. Naturalmente como decorre do nº 4 do artº 89º do RJUE apenas após a notificação ao particular dos actos emanados ao abrigo dos nºs.2 e 3 do artº 89º do RJUE que definam um prazo razoável para o seu cumprimento é que se poderá afirmar a oponibilidade destes ao particular – neste sentido vide, RJUE Comentado, Paula Oliveira, Fernanda, Editora Almedina, 3a Edição, páginas 604 e 605.

  14. Determina o artigo 91°, nº 1 do RJUE que, "Quando o proprietário não iniciar as obras que lhe sejam determinadas nos termos do artigo 89° ou não as concluir dentro dos prazos que para o efeito lhe forem fixados, pode a câmara municipal tomar posse administrativa do imóvel para lhes dar execução imediata." 17. Prescrevendo o nº 2 daquele normativo que, “À execução coerciva das obras referidas no número anterior aplica-se, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos 107º e 108º.” 18. Por sua vez o artigo 108°, nº 1 do RJUE determina que, “As quantias relativas às despesas realizadas nos termos do artigo anterior, incluindo quaisquer indemnizações ou sanções pecuniárias que a Administração tenha de suportar para o efeito, são de conta do infractor.” 19. Ora face aos pontos 11° e 12° do probatório extrai-se que o despacho proferido pelo Sr. Vereador do Pelouro da Protecção Civil, Fiscalização e Juventude praticado a 22/05/2013, no uso de competência delegada pelo Sr. Presidente da Câmara Municipal do Porto, que entendeu, ratificar “(...) os actos praticados com fundamento no estado de necessidade nas condições da informação que antecede, pelos factos e fundamentos expressos.", nunca foi notificado à Recorrente.

  15. Assim, como não foi notificado à Recorrente o despacho proferido pelo Director do Departamento Municipal de Protecção Civil, a 4/04/2013, como não foi notificado à Recorrente o despacho proferido pelo Sr. Comandante a 08/04/2013, assim, como não foi notificada a Recorrente do teor da informação com a referência 1/55825/13/CMP, prestada no âmbito do processo registada com o NUD 1/41479/13/CMP.

  16. O ónus da prova da efectiva comunicação, bem como da respectiva data, recai sobre a Administração.

  17. Dos pontos 11º e 12° da matéria de facto dada como provada resulta cristalino que a Câmara Municipal não notificou a Recorrente de qualquer acto administrativo, designadamente, de qualquer despacho a ordenar a execução de obras de conservação extraordinárias ou de demolição.

  18. Foi, sim, emitido pela Direcção Municipal de Finanças e Património, Departamento Municipal de Finanças, Divisão Municipal de Receita, ofício com o nº 1/225378/13/CMP, em 03/01/2014, dirigido à aqui Recorrente e recepcionado em 07/01/2014, a notificar a mesma da conta referente às obras levadas ordenadas pela Câmara Municipal e cujo destinatário foi a empresa municipal DomusSocial E.M.

  19. A Câmara Municipal não pode fazer obras de conservação ou de demolição e enviar a conta ao particular sem lhe dar a possibilidade de por ele e de forma menos dispendiosa (não se sujeitando ao agravamento de 25% sobre o valor despendido em mão-de-obra e materiais aplicadas pelo Município do Porto) realizar tais obras.

  20. Existe claramente um vício de violação de lei, relativamente, tanto ao despacho proferido pelo Sr. Vereador do Pelouro da Protecção Civil, Fiscalização e Juventude praticado a 22/05/2013 como em relação ao ato administrativo que manteve o despacho de cobrança praticado pelo chefe de Divisão Municipal da Receita em 03/01/2014, por violação dos artigos 91° e 108° do RJUE, isto porque, uma vez que a Recorrente nunca foi notificada para realizar quaisquer obras, não pode o Município vir dizer que levou a cabo obras coercivas, pretendendo cobrança nos termos do 108° do RJUE, 26. A Recorrente não é infractora.

  21. A Recorrente não teve atempado conhecimento do incêndio e da necessidade de realização de obras, pois nada lhe foi comunicado e poderia e deveria ter sido efetuada essa comunicação.

  22. As obras foram levadas a cabo pelo Município Recorrido em 4, 5, 6, 7, 8,11, 25, 26 de Março e 4 de Abril de 2013, e só em 20 de Junho de 2013, foi emitido ofício com o nº 1/111365/13/CMP, do Departamento Municipal de Protecção Civil do ora Recorrido, dirigido à aqui Recorrente, por carta simples, que nunca chegou ao...

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