Acórdão nº 0614/07.8BEVIS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Abril de 2022
Magistrado Responsável | FRANCISCO ROTHES |
Data da Resolução | 07 de Abril de 2022 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 614/07.8BEVIS Recorrente: “A…………, Lda.” Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) 1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade acima identificada, inconformada com o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte em 14 de Outubro de 2021 (Disponível em http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/-/7d44db78b04f03cb8025877900330881.) – que negou provimento ao recurso da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida contra as liquidações adicionais de IVA que lhe foram efectuadas com referência ao ano de 2002 –, dele interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no art. 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), apresentando as alegações de recurso, com conclusões do seguinte teor: «
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O presente recurso afigura-se necessário para uma melhor aplicação do direito e vem do Acórdão, proferido em 14/10/2021, nos autos do processo em epígrafe, que negou provimento ao recurso interposto pela ora Recorrente e que, em consequência, manteve a Sentença, proferida em 30/05/2017, pela Unidade Orgânica 2 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro.
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No recurso que apresentou da referida Sentença, proferida em 30/05/2017, pela Unidade Orgânica 2 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, a ora Recorrente, no que aqui interessa, alegou que, contrariamente ao que ali tinha sido decidido, a AT, estando convencida da impossibilidade de “comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável” da ora Recorrente, não podia ter optado (como efectivamente optou) por efectuar meras “correcções aritméticas” à referida matéria tributável, única e exclusivamente por causa do receio de uma alegada “caducidade do direito de liquidar os tributos”.
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Não obstante essa alegação, no Acórdão recorrido, depois de se citar o teor da acima mencionada Sentença, proferida em 30/05/2017, pela Unidade Orgânica 2 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, vieram a ser desatendidas as razões invocadas pela ora Recorrente, invocando-se, para tanto, a circunstância de a AT poder optar pelo método de tributação a aplicar sem que daí tenha resultado prejuízo para “os direitos de defesa da Recorrente”, bem como a circunstância de a AT ter evitado “a prática de um ato inútil, respeitando o princípio da boa administração, consagrado no artigo 5.º do CPA, aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea c), da LGT, segundo o qual a sua actuação deve pautar-se por critérios de eficiência e economicidade”.
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No Acórdão recorrido foi, pois, decidido que a AT, mesmo quando conclua que, num caso concreto (como o dos autos), se verificam os pressupostos de facto descritos na previsão das normas que determinam o recurso à avaliação da indirecta da matéria tributável dos sujeitos passivos, pode “abster-se de aplicar métodos indirectos em face da proximidade do prazo de caducidade do direito à liquidação, aplicando apenas correcções técnicas”.
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Ao decidir desta forma, o Acórdão objecto do presente recurso enferma de erro crasso na aplicação do direito, por violação do princípio da legalidade constitucionalmente e legalmente consagrado (cfr. arts. 266.º-2 da CRP, 55.º da LGT e 3.º do CPA, aplicável ex vi da norma do art. 2.º/c da LGT, e 8.º-2 da LGT), carecendo de todo e qualquer fundamento a postergação desse princípio da legalidade em prol do que, nesse mesmo Acórdão, se alega ser dever da AT pautar a sua actuação “por critérios de eficiência e economicidade”, sendo certo que, na verdade, esses próprios critérios são, eles próprios, violados quando a AT não actua em conformidade com aquele princípio da legalidade.
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Mesmo não relevando o facto de a norma do art. 5.º do CPA que o Acórdão recorrido aplica (contendo o “princípio da boa administração”) apenas entrou em vigor em 08/04/2015, ou seja, cerca de 9 anos depois de, em 2006, terem sido efectuadas as liquidações impugnadas (pelo que a mesma não podia ser aplicada), por se poder considerar que, antes de o princípio da boa administração ter sido positivado nessa norma do art. 5.º do CPA, ele já pertencia ao elenco dos princípios materiais que regiam a actividade da administração, em concretização, desde logo, do princípio da eficiência consagrado no art. 267.º-5 da CRP, que pressupõe uma racionalização dos meios a utilizar pelos serviços, a verdade é que o Acórdão recorrido não podia ter deixado de considerar que, actuando administração no âmbito de poderes vinculados e em obediência ao princípio da legalidade (cfr. art. 266.º-2 da CRP, 55.º da LGT e 3.º do CPA), do qual decorre que os actos da administração são inválidos se e na medida em que forem contrários à lei (primado ou preeminência da lei), e que todo o acto da administração deve ter na lei o seu pressuposto e fundamento (reserva de lei), no caso sub judice a AT não dispunha sequer de qualquer discricionariedade (enquanto possibilidade deixada pelo legislador ao órgão de aplicação do direito para este poder escolher, de entre várias soluções, todas elas equivalentes, a que melhor se adequa ao caso concreto) ou de qualquer margem de livre apreciação (enquanto possibilidade deixada pelo legislador ao órgão de aplicação do direito para que determine a única solução querida pela lei, ou seja, a única solução justa e correcta) para, depois de concluir ser “impossível a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável”, determinar o recurso à avaliação directa da matéria tributável, e muito menos de quaisquer poderes arbitrários no uso dos quais possa fazer tal opção.
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A única decisão que, perante a lei, se afigurava válida, era a de a AT proceder à determinação da matéria tributável da ora Recorrente através do recurso a métodos indirectos; ou, se, como refere, considerava que, recorrendo a esses métodos indirectos, já não conseguiria efectuar as liquidações impugnadas antes de ter caducado o direito à liquidação, abster-se de fazer essas mesmas liquidações, em cumprimento dos critérios de eficiência e economicidade que devem reger a sua actividade.
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Fazendo uso de uma inadmissível arbitrariedade quanto à opção dos métodos a aplicar para determinação da matéria tributável da Recorrente e única e exclusivamente por causa do receio de uma alegada “caducidade do direito de liquidar os tributos”, a AT decidiu proceder à avaliação da matéria tributável da ora Recorrente através do que qualificou (ainda que de forma incorrecta) como “correcções meramente aritméticas”.
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Está em causa, pois, uma clara e evidente violação do referido princípio da legalidade constitucionalmente e legalmente consagrado, designadamente, nos arts. 266.º-2 da CRP, 55.º da LGT e 3.º do CPA, este último aplicável ex vi da norma do art. 2.º/c da LGT.
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Tal actuação consubstanciou uma intolerável diminuição das garantias procedimentais da ora Recorrente, desde logo, a de poder pedir a revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos e de, no procedimento previsto nos arts. 91.º e ss. da LGT, o perito nela por ela nomeado poder debater com o perito da administração tributária, com ou sem a participação de perito independente (conforme a respectiva nomeação fosse ou não pedida pela Recorrente ou pela AT), as respectivas correcções quantitativas, que eram as únicas que a mesma AT poderia legalmente ter efectuado, se, em cumprimento do princípio da legalidade a que está vinculada toda a sua actuação, tivesse submetido a matéria de facto por ela alegadamente apurada no acto inspectivo às normas legais respectivas.
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Ao assim ter decidido, o Acórdão recorrido, à semelhança do que já havia ocorrido com a Sentença, proferida em 30/05/2017, pela Unidade Orgânica 2 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, incorreu numa clara e evidente violação do princípio da legalidade tributária constitucionalmente e legalmente consagrado, designadamente, nos arts. 266.º-2...
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