Acórdão nº 2440/19.2T8BRR.L1-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 06 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelALBERTINA PEREIRA
Data da Resolução06 de Abril de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa 1. Relatório 1. 1.AAA interpôs a presente ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento contra BBB e CCC.

As Rés apresentaram articulado motivador de despedimento. Alegram, em síntese, que a entidade empregadora do Autor é a 2.ª Ré, tendo esta ratificado o procedimento disciplinar movido ao Autor pela 1.ª Ré. O Autor faltou propositadamente ao trabalho num dia em que estava escalado para realização de serviços mínimos, na sequência de uma greve decretada pelo XXX. A sua conduta causou prejuízos organizacionais à entidade empregadora. Concluíram, requerendo se determine que a entidade empregadora do Autor era a CCC e que independentemente do referido, seja declarado válido e lícito o despedimento do Autor.

O Autor contestou a ação, pugnando se declare a ilicitude do despedimento de que foi alvo. Pediu que a Ré empregadora seja condenada a reintegrá-lo ao serviço, sem prejuízo da sua categoria e das funções exercidas à data do despedimento, até ao trânsito em julgado da sentença, assim como a pagar-lhe as férias em falta, os subsídios de férias e de natal desde 2014, os bónus de produtividade relativos ao ano de 2019 e o valor referente à formação dos últimos 3 anos. Pediu ainda a condenação da Ré a pagar-lhe os juros de mora à taxa legal de 4%, desde a data de vencimento de cada uma das referidas prestações, até efetivo e integral pagamento, bem como a indemnizá-lo, a título de danos não patrimoniais na quantia de € 10.000. Alegou, em resumo, que o processo disciplinar foi conduzido e o despedimento aplicado por entidade que não era a sua entidade empregadora, o que implica a sua nulidade. O Autor não estava escalado para qualquer serviço de acordo com a lista de trabalhadores emitida pela entidade com legitimidade para o fazer, sendo que todos os serviços mínimos foram assegurados; não tem quaisquer sanções disciplinares averbadas, pelo que a sanção aplicada é desproporcional e abusiva, consubstanciando o presente disciplinar uma prática de assédio por o Autor ter feito greve. Com o despedimento viu-se privado da sua remuneração, situação que lhe causou danos não patrimoniais.

A 2.ª Ré respondeu, pugnando pela improcedência da contestação do Autor e do pedido reconvencional.

Procedeu-se ao saneamento dos autos, tendo sido admitida reconvenção deduzida pelo Autor.

Identificou-se o objeto do litígio e dispensou-se a enunciação dos temas da prova.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento.

Proferida sentença nela se finalizou com o seguinte dispositivo: “Pelos fundamentos de facto e de direito supra expostos, o tribunal julga a ação totalmente procedente porque totalmente provada e, em consequência, decide:

  1. Declarar ilícito o despedimento promovido pela 2.ª Ré contra o Autor; b) Consequentemente, condenar a 2.ª Ré na reintegração do Autor no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade; c) Condenar a 2.ª Ré no pagamento ao Autor – em sede de liquidação - das retribuições que este deixou de auferir desde 26.09.2019 até trânsito em julgado da presente decisão, deduzidas as seguintes quantias, a liquidar em incidente próprio: a. Quantias que o Autor tenha auferido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento; b. Subsídio de desemprego eventualmente atribuído ao Autor no período referido em c), devendo a Ré entregar essa quantia à segurança social.

  2. Condenar a 2.ª Ré a entregar à Segurança Social todos os montantes auferidos pelo Autora a título de subsídio de desemprego, em sede de liquidação.

  3. Condenar a 2.ª Ré no pagamento ao Autor dos subsídios de férias e de Natal desde a data em que este passou a exercer funções na base de Lisboa até trânsito em julgado da presente decisão, a liquidar em incidente próprio.

  4. Condenar a 2.ª Ré no pagamento ao Autor da quantia de € 8000 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros moratórios à taxa supletiva legal desde a data da citação até efetivo e integral pagamento”.

    1.2. Inconformada com esta decisão dela recorre a 2.ª Ré, formulando as seguintes conclusões: (…) 1.3. O Autor contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida.

    1.4. O recurso foi admitido na espécie, efeito e regime de subida adequados.

    1.5. Remetidos os autos a esta Relação foi ordenada vista, tendo o Exmo. Senhor Procurador-Geral-Adjunto emitido parecer no sentido da confirmação da sentença e não provimento do recurso.

    1.6. A esse parecer respondeu a 2ª Ré, ora Recorrente, mantendo os seus pontos de vista.

    1.7. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.

    Cumpre apreciar e decidir 2. Objeto do recurso O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º s 3 e 4, 639.º, n.º 1, 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), que não tenham sido apreciadas com trânsito em julgado. Assim, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal consistem na impugnação da matéria de facto; em aquilatar se a Ré, ora Recorrente, despediu o Autor e, nesse caso, se o despedimento é lícito, bem como se não são devidos ao Autor os montantes referentes aos subsídios de férias e de Natal e ao bónus de produtividade do ano de 2019.

    1. Fundamentação de facto 3. 1. Encontram-se provados os seguintes factos: A. O Autor nunca desempenhou funções sob a autoridade, direção e fiscalização da 1.ª Ré.

    1. O Autor foi admitido ao serviço da 2.ª Ré em 25 de março de 2012.

    2. Foi na estrutura desta sociedade que o Autor esteve integrado até à data da cessação do contrato de trabalho.

    3. Era a 2.ª Ré que emitia ordens e instruções ao Autor atinentes à organização e disciplina do trabalho, nomeadamente no que respeita aos voos concretos a assegurar e operar pelo Autor, às funções por si a desempenhar, ao horário de trabalho a cumprir, ao agendamento do período de férias.

    4. Era à 2.ª Ré a quem o Autor tinha de justificar as faltas ao trabalho e apresentar os respetivos documentos justificativos.

    5. O Autor estava também inscrito na Segurança Social como trabalhador da 2.ª Ré.

    6. Era esta sociedade que pagava mensalmente a retribuição do Autor.

    7. Era também esta sociedade que mensalmente procedia aos descontos legais relativos às contribuições e quotizações para a Segurança Social.

      I. À relação laboral entre o Autor e a 2.ª Ré aplicou-se desde o início a legislação laboral irlandesa.

    8. Em novembro de 2018, a 2.ª Ré e o XXX alcançaram um acordo que previa a transição e futura aplicação da legislação laboral portuguesa às relações laborais entre aquela empresa e os seus trabalhadores a desempenhar funções em Portugal, como era o caso do Autor, nos seguintes termos: “Artigo 1: Âmbito O presente acordo é aplicável a todos os Tripulantes de Cabine diretamente contratados pela CCC cuja base de afetação é localizada em território Português. Artigo 2: Lei aplicável em termos de legislação laboral As partes acordam que, na data limite de 31 de janeiro de 2019, os contratos de trabalho dos Tripulantes de Cabine diretamente contratados pela CCC referidos no artigo 1 serão regidos pela legislação laboral portuguesa. (…) Artigo 4: Nenhum impacto em litígios pendentes O acordado nos artigos 2 e 3 não produzem impacto nas diferenças de entendimento da CCC e do XXX relativamente à jurisdição e lei aplicável em relação a litígios pendentes perante tribunais portugueses.” K. Neste contexto, em 31 de janeiro de 2019 a 2.ª Ré comunicou aos seus trabalhadores, incluindo ao Autor, que a partir de 1 de fevereiro de 2019 iria passar a aplicar-se à relação laboral entre as partes a legislação laboral portuguesa.

      L. Foi ainda comunicado que por força de uma futura transmissão de estabelecimento (concretamente, do contrato de prestação de serviços celebrado entre a 2.ª Ré e a YYY igualmente sociedade de Direito irlandês) os contratos de trabalho viriam futuramente a ser transmitidos ope legis para uma empresa de trabalho temporário portuguesa.

    9. Sucede que o licenciamento para a atividade de trabalho temporário relativamente à 1.ª Ré não se encontra, à data da apresentação da contestação, finalizado.

    10. O Autor foi despedido pela 1.ª Ré na sequência de um procedimento disciplinar com intenção de despedimento com justa causa que culminou na aplicação da referida sanção disciplinar com efeitos a 26 de setembro de 2019.

    11. Em 28.08.2019 o Autor foi notificado da abertura do procedimento disciplinar e da respetiva nota de culpa através da plataforma denominada … e por email.

    12. Em 29 de agosto de 2019 o autor foi notificado da nota de culpa, desta vez via postal registada com aviso de receção.

    13. O Autor apresentou via email a resposta à nota de culpa subscrita pela Dra. …, Advogada, com poderes para o efeito.

    14. Na resposta à nota de culpa o Autor requereu a inquirição de três testemunhas: (…), (…) e (…).

    15. A testemunha (…) foi inquirida, tendo a inquirição das duas restantes testemunhas sido dispensada pelo Autor.

    16. Juntamente com a resposta à nota de culpa o Autor juntou cinco documentos.

    17. A 2.ª Ré é uma sociedade comercial que se dedica essencialmente à prestação de serviços para os seus clientes, incluindo a YYY, que se dedica à prestação de serviços de transporte aéreo.

      V. O Autor detém a categoria profissional de Customer Service Agent.

    18. No dia 01.08.2019 foi entregue um pré-aviso de greve do pessoal tripulante de cabine pelo XXX para os dias 21 a 25 de agosto de 2019.

      X. Em virtude do referido pré-aviso de greve, foi convocada uma reunião pela Direção Geral do Emprego e das Relações de Trabalho, entre a 2.ª Ré e o XXX, que teve lugar no dia 06.08.2019.

    19. Uma vez que na aludida reunião não foi alcançado um acordo entre as partes sobre a definição de serviços mínimos, em 16.08.2019 foi emitido o Despacho n.º 65/2019 pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e das Infraestruturas e Habitação.

    20. Neste Despacho foram...

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