Acórdão nº 23240/20.1T8LSB.L1-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 06 de Abril de 2022
Magistrado Responsável | LEOPOLDO SOARES |
Data da Resolução | 06 de Abril de 2022 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa AAA, casado, residente na …. Almada intentou acção ,com processo comum , contra BBB.
, com sede na … Lisboa.
Pede que a R. seja condenada a pagar-lhe a quantia de 37.436,38 €, relativa ao somatório da indemnização legalmente prevista no artigo 396º do CT com os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação, acrescida de juros legais desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
Alegou, em suma, que a R. se dedica a actividade de restauração.
Trabalhava para a R., como cozinheiro.
Auferia a retribuição base de 1.150,00 €.
Em 18/07/2020, resolveu o contrato de trabalho, com justa causa, por falta de pagamento pontual da retribuição desde Abril de 2020.
Na data da cessação do contrato, tinha direito a créditos laborais no valor global de 8.290,56 €.
Também tem direito à indemnização pela resolução com justa causa.
Realizou-se audiência de partes.
A R. contestou.
Alega, em síntese, que por força da pandemia COVID-19 viu-se forçada a suspender a sua actividade.
Por falta de clientes, a sua actividade tornou-se de muito difícil execução.
Atenta a sua localização e os encargos da manutenção do estabelecimento aberto, não se justificava a sua actividade para take-away.
Mesmo com o levantamento do confinamento, as enormes restrições continuaram a tornar impossível a abertura do restaurante.
Aderiu ao chamado “lay-off simplificado”.
O primeiro pagamento (de € 55.913,40) recebido a título de “lay-off simplificado” ocorreu em 30/06/2020.
Naquela data encontrava-se sem qualquer fonte de rendimento, por imposição legal, desde 18/03/2020.
O segundo pagamento (de € 34.707,03) só lhe veio a ser pago em 28/07/2020, já o A. tinha resolvido o contrato de trabalho alegando justa causa e saído da empresa.
O terceiro e último pagamento (de € 19.051,35) foi recebido em 28/08/2020.
Aquelas quantias foram utilizadas para pagar as contribuições e quotizações à segurança social e para fazer pagamentos parcelares (1/3) aos trabalhadores da R. e a fornecedores, bem como para fazer face de forma parcial aos compromissos supra indicados.
Tornou-se ainda necessário pedir um financiamento de 676.666,67 €.
O não pagamento pontual das retribuições do A. não se traduziu num comportamento culposo.
Mesmo que assim se não entenda, o A. fundou a resolução do contrato de trabalho no não cumprimento de apenas três meses de retribuição.
O Autor alega que tais rendimentos constituíam uma fonte de subsistência da vida familiar, não lhe sendo possível aguardar mais tempo pelo pagamento dos créditos devidos.
Porém, a situação de confinamento / pandemia prejudicou os restaurantes em Portugal em geral e os detidos pela Ré em especial.
A questão que se coloca, depois do “pesadelo” em que se viu forçada a encerrar os seus restaurantes de 18/03/2020 a 17/05/2020, sendo que depois dessa data se viu impossibilitada de reabrir os restaurantes pois as limitações existentes tornavam inviável financeiramente a sua abertura, é saber que hipóteses tinha de pagar os salários de Abril, Maio e Junho de 2020 ao Autor quando estava impedida de abrir os restaurantes que explorava e com isso obter rendimento.
Entende que o invocado incumprimento, pela sua gravidade e consequências, não tornou praticamente impossível a subsistência do contrato.
O A. tinha um mecanismo alternativo – a suspensão do contrato de trabalho - que não só permitia manter “viva” a relação laboral, como, sobretudo, lhe era mais favorável, pois permitia-lhe receber o subsídio de desemprego de imediato ao abrigo do artigo 25.º da Lei n.º 105/2009, de 14 de Setembro na última redacção dada pela Lei n.º 93/2019, de 4 de Setembro .
A Ré entregou de imediato o Mod. RV 1009/2018 – DGSS.
Dessa forma reiniciaria a obtenção de rendimentos mensais, ainda que num valor menor ao devido pela R.
Sem querer desvalorizar a situação do A., entende que ele não considerou a situação da R.
A sua conduta traduziu-se em manifesta violação da boa fé que deve presidir à relação entre trabalhador e empregador.
Em consequência a resolução em causa consubstancia um abuso de direito.
Assim, solicita a improcedência parcial da acção, com a sua absolvição do pedido, no que tange à resolução do contrato com justa causa e inerentes consequências.
Em 25 de Fevereiro de 2021 , fixou-se o valor da acção em 37.436,38 €.
Dispensou-se a convocação da audiência prévia.
Foi proferido despacho saneador.
Fixou-se o objecto do processo.
Dispensou-se a selecção dos temas de prova.
Realizou-se julgamento.
Em 28 de Dezembro de 2021, foi proferida sentença que logrou o seguinte dispositivo: « Face ao exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência: a) condeno a R. pagar ao A. a quantia global de 9.094,20 €, acrescida dos juros de mora contados, à taxa supletiva legal, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento; a) absolvo a R. dos demais pedidos contra si deduzidos pelo A.
Custas da acção a cargo do A. e da R., na proporção do respectivo decaimento, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido ao A.
Notifique e registe.
» - fim de transcrição.
As notificações da sentença foram expedidas em 29 de Dezembro de 2021, sendo certo que o MºPº também foi notificado nessa data.
Em 27 de Janeiro de 2022, o Autor recorreu.
Concluiu que: (…).
Em 8 de Fevereiro de 2022, foram apresentadas contra alegações que lograram as seguintes conclusões: (…).
(…) Em 11-02-2022, o recurso foi admitido nos seguintes moldes: « Alegações de recurso de 27-01-2022.
Notificados da Sentença proferida a 28-12-2021, recorre da mesma o autor AAA Uma vez que ao recorrente assiste legitimidade e que a referida Sentença é recorrível, admito o referido recurso (artigos 80.º, 81.º, 82.º, n.º 1 do CPT).
O recurso interposto é de apelação, sobe de imediato, nos presentes autos e com efeito devolutivo (artigos 79.º, alínea a), 79.º-A, n.º 1, alínea a), 83.º, n.º 1, 83.º-A, n.º 2 do CPT).
Por que legal e tempestiva, admito a resposta ao recurso apresentada a 8-2-2022 pela ré BBB Uma vez que nada obsta, suba ao Tribunal da Relação de Lisboa, para Superior Decisão.
Notifique.» - fim de transcrição.
A Exmª Procuradora Geral Adjunta lavrou parecer nos seguintes termos: « A questão suscitada no presente recurso, apresentado pelo Autor, ora Apelante, AAA da sentença que declarou parcialmente improcedente os seus pedidos, nomeadamente o de indemnização devida pela Ré BBB., reconduz-se à de saber se se verificou a invocada justa causa do trabalhador para a resolução do contrato de trabalho, nos termos do art. 394º, nºs 1, 2 a) e 5 do C. do Trabalho.
Com efeito, embora o recurso verse também a matéria de facto, crê-se que a mesma não influenciaria de forma relevante a solução a encontrar, face aos factos objectivos assentes e indiscutíveis, a saber: - a suspensão da actividade da R. com o encerramento dos estabelecimentos, na sequência das medidas adoptadas para combater a pandemia da doença COVID-19, em Março de 2020; - o recurso da R. ao regime de lay-off simplificado, enquadrado pelo DL 10-G/2020, de 16-03; - a falta de pagamento ao ora recorrente das quantias devidas, relativas aos meses de Abril (vencida a 30-04-2020), Maio (vencida a 31-05-2020) e Junho (vencida a 30-06-2020); - a transferência da Segurança Social para a R. da primeira tranche do apoio, no valor de €55 914.13, a 30-06-2020; - a expedição pelo A. à R. de carta mediante a qual resolvia o seu contrato de trabalho com justa causa, invocando a falta de pagamento das retribuições relativas aos meses de Abril, Maio e Junho, carta essa que foi recebida a 17-07-2020, dia seguinte ao da expedição; - a ausência de pagamento de qualquer quantia pela R. ao A. entre 30-06-2020 e 16-07-2020.
Salvo o devido respeito pela sentença recorrida, considera-se que esta se foca quase exclusivamente na perspectiva – compreensível – da entidade empregadora, em detrimento da perspectiva – não menos compreensível – do A.
Ou seja, se as dificuldades económicas da empresa, decorrentes da crise pandémica, são evidenciadas repetidamente ao longo do texto, raras são as referências às dificuldades económicas que o trabalhador/recorrente enfrentou pelo facto de se ter visto completa e inopinadamente privado da sua fonte de rendimento, no mesmo contexto (a não ser para concluir que não as provou).
Ora, a retribuição é um valor central da relação laboral, tal como tutelada pelo direito. Não só, e eminentemente, para o trabalhador, mas para a própria economia. Trata-se de um valor económico em si, que permite a concretização de transacções relacionadas com o consumo, factor de dinamização da actividade económica global.
As «remunerações» a que alude o art. 5º, nº 1 do D-L nº 10-G/2020, de 16-03, representam o mesmo valor.
De resto, foi este o propósito que presidiu ao diploma que estruturou o lay-off simplificado (acima referido) – o da manutenção dos postos de trabalho (e da consequente remuneração, ainda que reduzida a 2/3), mediante o apoio ao empregador afectado pela crise pandémica, não se tratando, pois, de um apoio financeiro tout court, antes subordinado a essa finalidade.
Como se lê na respectiva introdução, o DL acima citado Estabelece uma medida excepcional e temporária de protecção dos postos de trabalho, no âmbito da pandemia COVID-19.
E, adiante: De forma a tornar claro que os apoios financeiros previstos no presente decreto-lei têm em vista a manutenção dos contratos de trabalho e evitar despedimentos por razões económicas nesta fase crítica que o País está a viver, o presente decreto-lei prevê ainda que, durante o período de redução ou suspensão, bem como nos 60 dias seguintes à aplicação das medidas de apoio extraordinário à manutenção do contrato de trabalho persista, o empregador não pode fazer cessar contratos de trabalho ao abrigo das modalidades de despedimento ou despedimento por extinção do posto de trabalho, previstos nos arts. 359º e 367º do Código do Trabalho...
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