Acórdão nº 2115/19.2T8STS-E.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelJOSÉ RAINHO
Data da Resolução05 de Abril de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 2115/19.2T8STS-E.P1.S1 Revista Tribunal recorrido: Tribunal da Relação do Porto + Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção): I – RELATÓRIO Tendo sido oportunamente (19 de Agosto de 2019), por sentença do Juízo de Comércio ..., declarada a insolvência de Wise - Investimentos Imobiliários S.A.

, veio, na sequência, a Administradora da Insolvência a juntar ao processo a lista dos créditos reconhecidos e não reconhecidos, constando desta última como não reconhecido o crédito que fora reclamado por AA (doravante designado simplesmente como Credor), no montante de €500.000,00, correspondente ao dobro do sinal prestado em decorrência de alegado incumprimento definitivo pela Insolvente de contrato-promessa de compra e venda.

Apresentou-se então o mencionado Credor a impugnar a lista, pretendendo que fosse verificado o seu crédito e graduado no lugar que lhe competisse.

Alegou para o efeito, em conclusão, que: - Celebrou (como comprador) com a Insolvente (como vendedora) o contrato-promessa de compra e venda a que alude; - Entregou à Insolvente o sinal de €250.000,00; - A Insolvente incumpriu a sua promessa de venda; - Daqui que, visto o disposto no art. 442.º, n.º 2 do CCivil, goza do direito a receber da massa insolvente o montante de €500.000,00.

Não foi apresentada qualquer resposta à impugnação.

A Administradora da Insolvência pronunciou-se no sentido da procedência da impugnação.

Foi depois proferida decisão (14 de abril de 2020), que julgou procedente a impugnação.

Inconformada com o assim decidido, apelou a também credora (e requerente da insolvênci

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Fê-lo sem êxito, pois que a Relação do Porto, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, confirmou a decisão da 1ª instância.

+ Mantendo-se irresignada, pede a mesma credora revista.

Introduziu o seu recurso como revista excecional.

A competente formação admitiu a revista assim interposta.

+ São as seguintes as conclusões que a Recorrente extrai da sua alegação:

  1. A primeira questão de relevância essencial para o direito e sua boa aplicação, centra-se na diferença entre as situações de mora e de incumprimento definitivo, nomeadamente saber se aquele que perde o interesse no contrato, perda de interesse essa que é aceite pela outra parte contratante, pode mais tarde vir exigir o cumprimento desse contrato, convertendo o incumprimento definitivo em mora.

  2. Para o Tribunal a quo, segundo os factos confessados pelo Impugnante, seriam conciliáveis duas realidades: i. um incumprimento definitivo de um contrato promessa, causado por perda de interesse objetivo por parte do Impugnante, ocorrido em 2009, seguido de um acordo com a Insolvente quanto à devolução do sinal em singelo, ii. e uma segunda realidade, relativamente a esse mesmo contrato promessa, que assenta numa mora, seguida por várias interpelações, em 2015 e 2016, para outorga de uma escritura de compra e venda, que pressupõe a manutenção do interesse na compra e venda.

  3. Quando se dá a perda do interesse do credor, deparamo-nos com uma situação de incumprimento definitivo.

  4. O que quer dizer que a prestação não mais poderá ser efetuada, tendo-se tornado para sempre irrealizável (vide Almeida e Costa, in Direito das Obrigações, Almedina, pág. 1034).

  5. Desta forma, extingue-se o vínculo obrigacional.

  6. O incumprimento definitivo autonomiza-se do simples retardamento da prestação – a que se dá o nome de mora. Neste caso, a prestação ainda poderá ser cumprida.

  7. Certo é que o Impugnante também confessou que em 2015 começou a tentar interpelar a Insolvente para a outorga da escritura de compra e venda do imóvel.

  8. O que o Tribunal a quo deu como bom e adequado, por força do efeito cominatório pleno, é que após o credor perder o interesse na prestação poderia vir mais tarde “ressuscitar” esse mesmo contrato, convertendo o incumprimento definitivo numa mera mora.

  9. Isto apesar de estar confessado pelo Impugnante que este teria acordado com a Insolvente na cessação do contrato promessa de compra e venda e na restituição do sinal em singelo.

  10. Com o devido respeito, cremos essencial a intervenção deste Supremo Tribunal de Justiça para melhor aplicação do direito, mormente do art. 131º, nº 3 do CIRE e ainda dos arts. 405º, 406º, nº 1, 801º, 805º e 808º do Código Civil.

  11. É que não é possível que um contrato promessa de compra e venda já extinto, por acordo entre as partes, conforme confessado pelo Impugnante – confissão aceite pelo Tribunal a quo – possa servir mais tarde como fundamento para interpelações para celebração do contrato definitivo, como se tal contrato se mantivesse na ordem jurídica e como se uma situação de incumprimento definitivo fosse passível de conversão em mora.

  12. São suas realidades inconciliáveis mas que foram ambas confessadas e aceites em simultâneo pelo Tribunal a quo, sem qualquer exame crítico.

  13. Pelo exposto, o Tribunal a quo violou o disposto nos arts. 351º, 356º, nº 1, 358º, nº 1 e 354º, al. c), todos do Código Civil aquando da apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa.

  14. A segunda questão relevante está relacionada com as regras, os limites e os efeitos da atuação contrária às regras da boa-fé e prende-se, ainda, com a renúncia dos direitos disponíveis, em particular a indemnização assente na restituição do sinal em dobro.

  15. Consiste em saber se após a cessação de um contrato promessa de compra e venda, tendo as partes acordado a restituição do sinal em singelo, pode o promitente comprador, anos mais tarde, por não ter ainda recebido tal quantia, vir exigir o sinal em dobro.

  16. Ora, o Impugnante confessou que em 2009 perdeu o interesse na manutenção do contrato promessa e que terá acordado com a Insolvente a restituição do sinal em singelo.

  17. Tal acordo bem poderá ser um acordo de revogação do contrato promessa, através do qual as partes terão acordado extinguir o contrato promessa, tendo a Insolvente se obrigado a restituir ao Impugnante o valor do sinal em singelo.

  18. Um tal acordo seria perfeitamente válido do ponto de vista formal (cfr. art. 221º, nº 2 do Código Civil), não carecendo de ser reduzido a escrito.

  19. De qualquer forma, sempre tal facto (acordo para restituição do sinal em singelo) estaria confessado pelo Impugnante.

  20. Mas também poderemos estar perante uma renúncia ou remissão por parte do Impugnante.

  21. Em sentido jurídico, a remissão significa essencialmente a renúncia voluntária ou a liberação graciosa de um direito de crédito ou outro, renunciando-se a exigi-lo, implicante da extinção da correspondente obrigação.

  22. Assim, a remissão de uma obrigação de pagamento lato sensu deriva de contrato entre o devedor e o credor, podendo o respetivo consentimento ser manifestado por forma expressa ou tácita (artigo 217º, nº 1, do Código Civil).

  23. Por força do referido acordo, o Impugnante desistiu, renunciou, remitiu a Insolvente o pagamento da indemnização do sinal em dobro.

  24. E se assim foi, nunca poderia vir agora reclamar um direito que manifestamente não o tem.

  25. Em qualquer das hipóteses que se venha a adotar, o resultado será sempre o mesmo: o único direito de crédito que o Impugnante poderia ter reclamado era o direito resultante de tal acordo, isto é, o direito à restituição do sinal em singelo.

  26. Mas não foi essa a causa de pedir nem o fundamento invocado com a sua Impugnação.

    A

  27. Na verdade, a causa de pedir fundou-se no contrato promessa de compra e venda – o mesmo contrato que já estará extinto desde 2009, por acordo entre as partes! BB) Tudo isto foi ignorado pelo Tribunal a quo porquanto limitou-se a aplicar o efeito cominatório pleno, negando justiça! CC) Por aqui se vê que não é, de todo, indiferente, como alega o Tribunal a quo, que seja aplicado o efeito cominatório pleno ou semipleno.

    DD) Tal como não é indiferente que seja feita uma correta apreciação das provas, um rigoroso exame crítico das provas.

    EE) Deverá ainda ser admitida a revista excecional, nos termos do art. 672º, nº 1, al. c) do CPC, pelo facto do douto acórdão da Relação do Porto estar em contradição com outro proferido pela Relação de Lisboa –...

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