Acórdão nº 23397/17.9T8SNT-I.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelLUIS ESPÍRITO SANTO
Data da Resolução05 de Abril de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Revista nº 23397/17.9T8SNT-I.L1.S1.

Acordam, em Conferência, os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Sessão).

Apresentado o presente recurso de revista ao relator para apreciação liminar, foi por este proferida decisão singular nos seguintes termos: “Interpôs Banco BPI, S.A., recurso de apelação contra a decisão do Juízo do Comércio ..., datada de 19 de Março de 2020, que indeferiu a reclamação por si apresentada contra o mapa de rateio na insolvência de AA.

Foi proferido o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 23 de Novembro de 2021, que julgou improcedente a apelação.

Veio Banco BPI, S.A, interpor recurso de revista (que apelidou de “revista excepcional”), apresentando as seguintes conclusões: 1. Vem o presente recurso interposto do douto acórdão de 23.11.2021 que, confirmando decisão da primeira instância, indeferiu reclamação apresentada pelo Banco recorrente sobre o mapa de rateio apresentado nos autos pelo Exmo. Administrador de Insolvência – julgando esse mapa conforme com o decidido na douta sentença de verificação e graduação de créditos na insolvência de AA.

  1. É redobrado o inconformismo do recorrente perante essas decisões das instâncias – visto que as mesmas incorrem em flagrante erro de julgamento, fazendo errada aplicação e integração, para além do mais, do disposto nos arts. arts. 631º, nº 1, 686º, n.º 1, 693º, e 696º do Código Civil, e arts. 129º e 48º, al.b), do C.I.R.E., com o enquadramento melhor exposto no contexto destas alegações.

  2. Com efeito, o Banco BPI, S.A., veio, nos termos do art.º 128º do CIRE e na qualidade de credor com garantia real, reclamar, nestes autos de insolvência, um crédito no valor de € 2.970.115,07, garantido por duas hipotecas, concedido ao Insolvente AA – garantias reais devidamente registadas a seu favor sobre o prédio urbano, composto por Moradia de cave, rés-do-chão e primeiro andar com logradouro, denominado Lote nº...7, sito em Lugar ..., Quinta ..., Av. ..., ..., freguesia ... e concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...29, e inscrito na matriz sob o artigo ...84, mediante as inscrições Ap. ...49 de 2010/06/18 e Ap. ...45 de 2013/10/11, conforme certidão predial de ónus e encargos relativa ao imóvel, junta aos autos pelo Insolvente na petição inicial.

  3. Tendo a primeira hipoteca, como montante máximo assegurado, a quantia de € 3.288.922,00, correspondendo a um capital de € 2.600.000,00, e a segunda hipoteca, como montante máximo assegurado, a quantia de € 383.880,96 correspondendo a um capital de € 316.728,24.

  4. O crédito em causa foi reclamado, (sendo que já havia sido objeto de execução judicial, em curso à data da insolvência) mediante actualização do seu montante por referência à data da declaração de insolvência – data em que assumia a referida expressão pecuniária de € 2.970.115,07, como referido na reclamação de créditos, com indicação da taxa de juro aplicável, e petição de juros vincendos.

  5. O Exmo. Administrador da Insolvência, em cumprimento do disposto no art. 129º do CIRE, juntou aos autos a lista de credores reconhecidos, tendo classificado aquele crédito do Banco apelante como garantido pelas aludidas hipotecas – declarando, na referida lista, a inexistência de créditos não reconhecidos.

  6. Na douta sentença de verificação e graduação de créditos, de 19.03.2020, foram julgados verificados todos os créditos reconhecidos pelo Sr. Administrador da Insolvência, relativamente aos quais não foi deduzida impugnação, e proferida sentença de verificação e graduação dos créditos ali descritos.

  7. Essa douta de Sentença de graduação de créditos graduou o crédito do Banco BPI, como garantido, nos seguintes termos e com os seguintes fundamentos (reproduzem-se as passagens que para aqui relevam, com sublinhados nossos): “Os créditos garantidos e privilegiados são pagos até ao valor da garantia respetiva, ou ao valor do bem objeto do privilégio, com respeito pela prioridade que caiba a cada um desses créditos, sendo que os que não fiquem integralmente pagos, passam a ter a natureza de créditos comuns – arts. 174º, n.ºs 1 e 2, e 175º, n.º 2, do CIRE.” (sublinhado nosso) “B) Julga verificados os seguintes créditos: Como créditos com natureza garantida: c. Banco BPI, SA: €2.970.115,07, referente a mútuos garantidos por hipotecas constituídas sobre o imóvel apreendido nos autos (já que se trata de garantias reais - art.ºs 686º, n.º 1, e 696º do Código Civil); (…) C) Gradua os créditos, atenta a natureza dos bens apreendidos, nos seguintes termos: a. Pelo produto da venda do prédio urbano denominado “Lote ...7”, sito na Avenida ..., ..., Quinta... (Lugar ...), freguesia ..., concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...98 da referida freguesia e inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo ...84, da referida freguesia: b. - em segundo lugar haverá que dar pagamento ao credor hipotecário – Banco BPI, SA -, até ao limite das garantias (já que se trata de garantias reais e confere ao credor o direito de ser pago pelo valor do imóvel sobre que incide com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo -art.ºs 686º, n.º 1, e 696º do Código Civil);” (sublinhado nosso).

  8. Preceitua o art. 693º do Código Civil que “A hipoteca assegura os acessórios do crédito que constem do registo”, sendo que “Tratando-se de juros, a hipoteca nunca abrange, não obstante convenção em contrário, mais do que os relativos a três anos” (nºs. 1 e 2 do citado preceito legal).

  9. Ora, em 26.06.2020, o Banco Apelante recebeu, da conta da Massa Insolvente, o valor de € 2.970.115,07 – correspondente ao montante do crédito reclamado, com a expressão pecuniária que atrás se evidenciou, ou seja, com os juros calculados sobre o capital em dívida até à data da declaração de insolvência dos autos principais – mas, posteriormente, o Exmo. Administrador da insolvência veio apresentar proposta de distribuição e de rateio final, nesse atribuindo ao Banco apenas aquele valor de € 2.970.115,07, desconsiderando assim o valor adicionalmente devido ao recorrente – qual seja o dos juros vencidos entre a data da declaração de insolvência, e a data da venda do imóvel sobre que incidiam as garantias reais do crédito reconhecido ao Banco BPI, 11. Juros esses que, com o imposto de selo sobre eles incidente, e calculados entre 21.12.2017 e 04.10.2019, somam € 310.700,34.

  10. O presente recurso vem precisamente do indeferimento, pelas instâncias, de reclamação apresentada pelo recorrente quanto ao mapa de rateio final, requerendo a sua rectificação, por forma a que fosse contemplado o pagamento de todo o seu crédito garantido, no valor de € 3.280.800,41, 13. Em 1ª instância, o Tribunal indeferiu tal reclamação, afirmando que “(…) o mapa de rateio apresentado mostra-se elaborado em conformidade com a sentença de verificação e graduação de créditos proferida (…).” – o que motivou o recurso de apelação, tendo o douto Acordão aqui recorrido confirmado aquela decisão.

  11. Sendo redobrado o inconformismo do recorrente perante a decisão substantiva que está em causa – vem pela presente revista renovar o entendimento de que aquelas decisões das instâncias, violam a lei aplicável, e não são conformes – ao contrário do que nelas vem a ser sustentado e decidido – com a sentença de verificação e graduação dos créditos de 19.03.2020, em que pretendem louvar-se.

  12. Na verdade, a douta sentença de graduação de créditos, de 19/03/2020, graduou o crédito do Banco recorrente referindo expressa e literalmente que, pelo produto da venda do prédio hipotecado a seu favor, e “- … em segundo lugar haverá que dar pagamento ao credor hipotecário – Banco BPI, SA -, até ao limite das garantias (já que se trata de garantias reais e confere ao credor o direito de ser pago pelo valor do imóvel sobre que incide com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo - arts. 686º, n.º 1, e 696º do Código Civil);”. (sublinhado e negrito nosso).

  13. Ou seja, a motivação e fundamentação da referida sentença, na sua parte dispositiva, é expressa e literal ao referir que o Banco seria pago até ao limite das garantias reais de que goza o seu crédito – 17. e, ao contrário do entendimento contrário vertido no douto Acordão recorrido, o seu “segmento dispositivo ou conclusivo” não é passível de interpretação diversa daquela que conduz à conclusão de que o crédito do Banco foi reconhecido e graduado de acordo com o reclamado, estendendo-se o reconhecimento à máxima amplitude das suas garantias reais registadas.

  14. Como se evidenciou nas instâncias e está documentado no processo, pelo registo das hipotecas em causa encontra-se assegurado o montante máximo de € 3.288.922,00 – valor esse inferior ao montante do crédito reclamado, acrescido dos juros vencidos e imposto de selo até á data da escritura e compra e venda do imóvel apreendido (o que tudo perfaz € 3.280.800,41).

  15. Assim, a sentença de verificação e graduação de créditos está correcta, e é cristalina no seu sentido e alcance - pelo que não havia (antes configuraria, um absurdo e uma impossibilidade jurídica) qualquer necessidade,ou possibilidade, de apresentação de recurso, ou reclamação, quanto à sentença de graduação proferida, 20. pois uma sentença que gradua o crédito do credor que vê o seu crédito reconhecido e graduado, tal como reclamado, até ao limite das garantias reais de que goza o seu crédito, não é passível de recurso por esse credor – art. 631º, nº 1, do C.P.C..

  16. De resto, é patente que já antes não havia fundamento para impugnar a lista elaborada pelo Sr. Administrador de Insolvência, já que o crédito do Banco foi reconhecido como “garantido” e pelo valor reclamado – tendo o Exmo. Administrador de Insolvência exarado nos autos afirmação sobre a inexistência de créditos não reconhecidos.

  17. Em contradita do entendimento vertido nas doutas decisões das instâncias, evidencia-se que não faria...

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