Acórdão nº 1247/13.5TYVNG-A.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelLUIS ESPÍRITO SANTO
Data da Resolução05 de Abril de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Revista nº 1247/13.5TYVNG-A.P1.S1.

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção).

I - RELATÓRIO.

Requereu sociedade Dorocais, S.A., incidente de qualificação de insolvência de Provas do Cais Restauração, V.N. de Gaia, pugnando no sentido de serem julgados como afectados os ... da insolvente Provas do Cais Restauração, Lda, V.N. de Gaia, AA e BB.

Nos termos do art.185º e ss. do CIRE, veio o Administrador de Insolvência apresentar o Parecer a que alude o art. 191º, nº 1, a), alegando factualidade que a seu ver justifica a qualificação da presente insolvência como culposa.

O Ministério Público pugnou em idêntico sentido, sendo dado cumprimento ao estatuído no artigo 188º, nº 6, do CIRE.

Os requeridos AA e BB vieram apresentar articulado de oposição, pugnando pela total improcedência deste incidente no que a ambos concerne.

Foi proferida sentença que qualificou a insolvência da sociedade Prova do Cais, Lda., de natureza culposa, sendo afectados por tal qualificação os seus ..., BB e AA, determinando-se, nos termos dos artigos 191º, nº 1, alínea c), e n º 2 e 189º nº 2 do CIRE, a inibição dos mesmos para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa pelo período de 2 (dois) anos; a condenação de BB e AA a indemnizarem os credores da insolvente no montante dos créditos incluídos na lista de credores reconhecidos apresentada pelo Exmo.AI., não satisfeitos no âmbito dos presentes autos e até à força do seu património.

O ...

AA recorreu para o Tribunal da Relação do Porto que, no seu acórdão de 22 de Junho de 2021, julgou improcedente a apelação, confirmando assim a sentença recorrida.

Interpôs, então, AA recurso de revista que veio a ser oficiosamente convolada em revista excepcional nos termos do artigo 672º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil.

Para o efeito de verificação da contradição de julgados prevista no artigo 672º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil, apresentou o recorrente AA as seguintes conclusões: «[270.] Aqui chegados, e dando cumprimento ao disposto no artigo 14.°, n.° 1 do CIRE, aqui expressamente se afirma que o acórdão aqui recorrido está em oposição, entre outros, com o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10.02.2011, proferido, por unanimidade, no âmbito do Processo N.°1283/07.0TJPRT-AG.P1, em que é Relator o Juiz Desembargador Evaristo José Freitas Vieira, e adjuntos os Juízes Desembargadores José da Cruz Pereira e Manuel Lopes Madeira Pinto (http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/) no sumário do qual pode ler-se, e transcrevemo-lo: "A mera alegação de alguma das situações descritas nos n.°s 2 e 3 do art.° 186.° do CIRE não é suficiente para a qualificação da insolvência como culposa, exigindo-se, ainda, a alegação e prova do nexo de causalidade entre a actuação ali presumida e a situação da insolvência nos termos previstos no n.° 1 do mesmo artigo. " 271.

Do confronto deste sumário, e de todo o acórdão que o mesmo sintetiza, e para o qual remetemos, com o que sobre esta questão foi consignado no acórdão recorrido - e que, em suma, assenta no entendimento de que verificada a factualidade prevista na previsão das alínea h) do n.° 2 do artigo 186. ° do CIRE, é desde logo qualificada como a insolvência como culposa, funcionando tal previsão como uma presunção inilidível, poupada ao crivo do n.° 1 do mesmo artigo - ressalta evidente, à vista desarmada diríamos, que nos dois arestos é decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito, sem que, ao que saibamos, tenha sido fixada pelo STJ, nos termos dos artigos 732.°-A e 732.°-B, ambos do CPC, jurisprudência com ele conforme. Prossigamos, 272.

É inaplicável ao caso dos autos o disposto na alínea e) do n.° 2 do artigo 189.° do CIRE, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, a qual entrou em vigor em 20 de Maio de 2012.

Vejamos, 273.

O processo de insolvência teve início em 25 de Outubro de 2013.

274.

O termo inicial do período de três anos a que alude no nº 1 do artigo 186.° do CIRE deve, assim, fixar-se no dia 26 de Outubro de 2010, pelo que nenhum dos factos ocorridos anteriormente a esta data, bem como nenhum dos factos ocorridos até 20 de Maio de 2012, podem ser atendidos para efeitos do presente incidente de qualificação da insolvência: no primeiro caso por força da previsão daquele preceito legal, no segundo caso em razão do disposto na primeira parte, do n.° 1 do artigo 12º do Código Civil.

275.

Pelo que, presente que seja que o aqui recorrente renunciou à gerência da insolvente em 31 de Janeiro de 2013, apenas os factos ocorridos entre os dias 21 de Maio de 2012 e o dia 30 de Janeiro de 2013 poderiam ser atendidos pelo tribunal para efeitos da aplicação das medidas previstas na alínea e) do n.° 2 do artigo 189.° do CIRE.

276. Como resulta dos autos, no ano de 2011, o saldo de caixa existente era aproximadamente de €134.000,00, sendo que todos os factos que deram azo a tal saldo de caixa foram necessariamente praticados antes de 20 de Maio de 2012, data da entrada em vigor da Lei 16/2012 de 20 de Abril.

277.Pelo que apenas a diferença de €33.000,00 daquele valor para o valor do saldo de caixa existente em Dezembro de 2012 (€167.000,00) poderia hipoteticamente ser tida em conta para efeitos de aplicação da alínea e) do referido n.° 2 do artigo 189.° do CIRE, pois que tal alínea, bem como o n.°4 do referido artigo 189.° do CIRE foram ex novo introduzidos pela Lei n.° 16/2012, sendo que esta lei só dispõe para o futuro.

278. No entanto, e como é simples de compreender, caberia ao MP, ao A.I. e à Dourocais a prova de que os factos que deram origem a tal diferença ocorreram entre o dia 30 de Maio de 2012 e o dia 31 de Dezembro do mesmo ano, ónus que manifestamente não cumpriram.

279. Idêntico raciocínio se deverá a este propósito fazer quanto ao afectado BB.

280. Razão pela qual, mesmo que viessem os a ser contemplados com o cunho de culpados da insolvência, ainda assim a nenhum deles poderia vir a ser imposto nenhum dos efeitos cominados na alínea e) do nº 2 do artigo 189º do CIRE.

281. Dando de novo cumprimento ao disposto no artigo 14.°, n.°l do CIRE, aqui expressamente se afirma que o acórdão aqui recorrido está em oposição, entre outros, com o acórdão da Relação de Coimbra de 10 de Fevereiro de 2011, proferido , por unanimidade, no âmbito do Processo N.°617/10.5TBMMV-A.Cl,emque é Relator o Juiz Desembargador Jorge Arcanjo, e adjuntos os Juízes DesembargadoresTeles Pereira e Manuel Capelo, e no sumário do qual pode ler-se, e transcrevemo-lo em parte (http:-//www.

dgsi.pt/jtrc. nsff): "II - A Lei n° 16/2012 de 20/4 (com entrada em vigor em 21/5/2012), que alterou o CIRE, aditou ao art.1890, n° 2, alínea e), com o que criou um novo efeito da qualificação da insolvência ao estabelecer os pressupostos para a constituição do direito de indemnização a favor dos credores. Tratando-se de uma lei sobre o modo de constituição do direito de indemnização (alterando e ampliando a fattispecie constitutiva), não se aplica aos factos anteriores." 282. Conforme foi ali doutamente expendido, e de novo parcialmente passamos a transcrever: "A qualificação da insolvência como culposa produz um conjunto de efeitos de natureza civil na esfera jurídica das pessoas afectadas (por ex. a inibição para o exercício do comércio, perda de créditos), e o legislador (2012), ao elenco já previsto acrescentou a indemnização aos credores, criando uma autónoma e nova fonte de obrigação, tratando-se de uma causa de responsabilidade civil delitual, com pendor sancionatório. Relativamente às normas de natureza substantiva, das quais fazem parte as que regulam os efeitos da qualificação da insolvência, não se prevendo regime transitório especial, impõe-se a regra do art. 12º do CC. O princípio geral do art. 12º do CC é o da aplicação prospectiva da lei - "a lei só dispõe para o futuro " (n° 1). Daqui resulta que a lei só se aplica a factos futuros, ou seja, os factos que se produzirem após a entrada da lei nova. Quanto às relações jurídicas duradouras, a lei nova aplica-se não só às relações jurídicas constituídas na sua vigência, mas também às relações que constituídas antes protelem a sua vida para além do momento da entrada em vigor da nova regra.

O princípio da aplicação prospectiva da lei assume duas faces distintas, mas complementares: salvo disposição em contrário, a lei aplica-se a factos futuros, mas quanto à relações jurídicas duradouras, a lei nova aplica-se não só às relações constituídas na sua vigência, como às constituídas antes que se mantenham na vigência da lei nova (cf, Antunes Varela, RLJ, ano 120, pág.151).

A Lei n° 16/2012 criou um novo efeito da qualificação da insolvência ao estabelecer os pressupostos para a constituição do direito de indemnização a favor dos credores. Trata-se, assim, de uma lei sobre o modo de constituição do direito de indemnização (alterando e ampliando a fattispecie constitutiva), e não de uma lei sobre o modo de exercício desse direito. Ora, se o modo de exercício do direito surgido sob a lei anterior pode ser atingido pela lei nova, já o mesmo não sucede em relação ao modo de constituição, porque a lei nova que dispõe sobre os próprios pressupostos constitutivos não se aplica aos factos anteriores (cf, neste sentido, Baptista Machado, Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil, pág.128).

2.6.- Síntese conclusiva i) (...) ii) A Lei n° 16/2012 de 20/4 (com entrada em vigor em 21/5/2012), que alterou o CIRE, aditou ao art.189, n° 2, a alínea e), criando um novo efeito da qualificação da insolvência ao estabelecer os pressupostos para a constituição do direito de indemnização a favor dos credores. Tratando-se de uma lei sobre o modo de constituição do direito de indemnização (alterando e ampliando a fattispecie constitutiva), não se aplica aos factos anteriores.

283.

Do confronto destes...

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