Acórdão nº 1612/17.9T8LRA.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Março de 2022
Magistrado Responsável | NUNO PINTO OLIVEIRA |
Data da Resolução | 31 de Março de 2022 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. — RELATÓRIO 1.
CC intentou contra AA e BB a presente acção declarativa de condenação, pedindo que os Réus fossem condenado a pagar-lhe: I. — 37.242,00 euros, relativos ao remanescente do preço de venda da nua propriedade de um imóvel; II. — 20.000,00 euros, a título de danos não patrimoniais.
2.
Os Réus contestaram e deduziram reconvenção, pedindo que o Autor seja condenado a pagar-lhe: I. — 39.985,00 euros, a título de reembolso de quantia mutuada; II. — 12.500,00 de indemnização, a título de indemnização por litigância de má-fé.
3.
Foi admitida a ampliação do pedido reconvencional, no sentido de ser fixado um prazo de 30 dias para o pagamento da quantia mutuada.
4.
O Autor replicou, pugnando pela improcedência da reconvenção, e pediu a condenação dos Réus em multa e indemnização por litigância de má fé.
5.
O Tribunal de 1.ª instância julgou a acção improcedente, absolvendo os Réus dos pedidos.
6.
O Autor CC interpôs recurso de apelação.
7.
Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões: 1. O autor iniciou os presentes autos contra os réus para peticionar o cumprimento do mandato sem representação que lhes havia conferido.
2. Para o efeito, alegou que, de comum acordo com os réus; a irmã e o seu falecido pai, tinha sido decidido que os réus surgiriam como proprietários em representação dos verdadeiros, ou seja, o autor e a sua irmã.
3. A título subsidiário, pedia ainda o autor a condenação dos mesmos réus no pagamento do mesmo valor, por aplicação das regras jurídicas que impedem o abuso de direito e as que sancionam o enriquecimento sem causa.
4. O autor deduziu finalmente contra os réus um pedido de condenação no valor de € 20.000,00 para minimamente compensar os danos não patrimoniais suportados pelo autor.
5. Todos os pedidos foram julgados totalmente improcedentes, sendo dessa decisão que se apresenta o presente recurso.
6. O recorrente considera a sentença recorrida nula por aplicação do disposto do artigo 615.º, n.º 1, alíneas c), d) e e).
7. O tribunal recorrido admite e certifica como sendo verdade que o imóvel identificado nos autos era, de facto, propriedade do autor (juntamente com a sua irmã), por vontade do seu pai, já falecido, e que foi quem, na verdade, pagou o seu preço na totalidade.
8. Para que a decisão final fosse coerente com os factos provados e a versão demonstrada no processo, teriam os réus que ter sido condenados na entrega do remanescente do preço que, sem dúvida, é devido ao real proprietário do imóvel transacionado.
9. O autor pediu ainda a condenação dos réus no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais causados: porém, nada se lê na sentença recorrida quanto a esse pedido, sendo nula nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d).
10. Igualmente será nula, com o mesmo fundamento legal, por não ter analisado nem qualificado o contrato de venda do imóvel (apenas se tendo debruçado quanto ao contrato de compra).
11. A questão colocada ao tribunal pelo autor não fica, portanto, resolvida, se se seguir o raciocínio do tribunal recorrido: a compra do imóvel foi um negócio simulado; a venda não se sabe o que foi.
12. O raciocínio do tribunal conduz à nulidade da sentença, também por violação do artigo 615.º, n.º 1, alínea e): ao invés de apreciar esta questão, o tribunal recorrido analisa exclusivamente (e fá-lo mal, ainda para mais) o negócio pelo qual os réus compraram o imóvel (que veio a ser vendido).
13. O negócio de compra (separado da venda em mais de 35 anos) não tem influência no negócio da venda. Nem o tribunal recorrido invoca qualquer vício do negócio de compra do imóvel para ter consequência no negócio da venda: não é porque a compra do imóvel foi julgada (mal) como simulada que o pedido do autor é improcedente.
14. A sentença é ainda nula, com o mesmo fundamento, por ter invocado e julgado aplicável ao caso concreto direito que não foi discutido pelas partes: não foi alegado por nenhuma das partes e, querendo o tribunal aplicar o instituto da simulação, não permitiu que cada uma das partes previamente se pronunciasse sobre essa solução.
15. O tribunal julgou mal os factos identificados na sentença com os números 33 a 39 e 43 dos factos não provados, impondo-se decisão diversa em face da prova produzida.
16. Aliás, a conclusão quanto aos factos identificados com os números 33 e 34 decorrem do demais que o tribunal considerou provado: o imóvel era, de facto, do autor (e da sua irmã), a venda foi promovida e tratada pelo autor, por sua iniciativa, e não recebeu o valor que lhe seria devido pela venda. Foi a sua família que assim o traiu: os seus sobrinhos.
17. Esses os demais devem, de todo o modo, ser considerados como provados, por confronto com a prova testemunhal produzida em particular pela testemunha DD (na sessão do dia 20 de abril de 2021, a iniciar em 38’14’’ e a terminar em 41’51’’) e da testemunha EE (na sessão do dia 20 de abril de 2021, a iniciar em 6’33’’ e a terminar em 7’54’’).
18. A partir de tal prova, os factos não provados com os números 33 a 39 e 43 teriam que ser sido considerados como provados, com as consequências legais devidas: a condenação dos réus no pagamento de uma indemnização ao autor a título de danos não patrimoniais no valor de € 20.000,00, nos termos do artigo 496.º do Código Civil.
19. O que aconteceu, à data da compra do imóvel identificado nos autos, é que estes réus intervieram no negócio em representação do ora autor e da irmã deste (e mãe dos réus), que eram, para todos os efeitos, os donatários do negócio que o falecido CC quis fazer e fez. Aliás, tal prova resultou feita nos autos que deram origem à sentença de que se recorre.
20. Não tendo ficado provado (porque não houve) qualquer conluio entre as partes no processo (aí se incluindo o falecido CC) e o vendedor do imóvel em 1979 nem com o comprador, em 2016, não pode considerar-se ter havido simulação, porque não há o elemento essencial que é o acordo simulatório.
21. O acordo que existia estava feito apenas entre o falecido CC, o autor e sua irmã e os ora réus. Esse acordo era o de que os réus seriam os proprietários formais do imóvel, mas os reais seriam o autor e sua irmã (e mãe dos réus).
22. Desde o momento da compra do imóvel que os réus têm vindo a atuar por conta e no interesse de outros – o autor e a irmã – e nunca em nome próprio.
23. Os réus aparecem na escritura de compra do imóvel em representação do autor e da sua irmã, a pedido e por acordo com o falecido CC (e com o conhecimento do autor e sua irmã, naturalmente); não tendo nunca atuado como proprietários (como ficou provado e como, de facto, não eram), aparecem na escritura de venda do mesmo imóvel, novamente em representação dos verdadeiros proprietários.
24. O tribunal recorrido parece ter entendido que, havendo mandato sem representação, o pedido teria que ser feito em favor da herança e herdeiros do falecido CC.
25. O processo não tem qualquer elemento que lhe permita concluir que os herdeiros do falecido CC ou alguns deles ficaram ou não prejudicados. Essa não é uma questão a apreciar pelo tribunal recorrido.
26. Mesmo que tivessem ficado, quem poderia invocar e pretender aplicar o instituto da colação seria o herdeiro afetado na sua herança, apenas esse herdeiro prejudicado tendo legitimidade para, querendo, exigir a restituição à massa dos bens a partilhar.
27. A consideração dos negócios de compra e de venda do imóvel como simulações, significaria, na prática, impedir que o autor pudesse exercer o seu direito. É que, entre simuladores (e seus herdeiros, que lhe sucedem na mesma posição) e quando está em causa um documento autêntico, como seria o caso, não seria admissível outra prova que não fosse a confissão de um dos simuladores.
28. Sem prejuízo do que ficou dito, estava o julgador vinculado a julgar o pedido apresentado pelo autor em conformidade, mesmo que pretendesse aplicar o instituto da simulação em vez do mandato sem representação.
29. O tribunal não está vinculado à solução de direito que as partes lhe apresentam, nos termos do artigo 5.º, n.º 3 do Código do Processo Civil e em respeito pelo artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
30. Se o tribunal recorrido conclui que o comportamento das partes é, na verdade, concretizador de uma simulação e não de um contrato de mandato sem representação, que o declare. Não pode, no entanto, deixar de conhecer o pedido que lhe foi apresentado, à luz desse novo enquadramento jurídico, que lhe parece mais ajustado.
31. O facto jurídico invocado pelo autor é a venda feita pelos réus de um imóvel que, de acordo com a sua tese, era, na verdade, seu e da sua irmã. Estes são os factos: a causa de pedir (que se não confunde com o direito aplicável, como parece fazer o tribunal recorrido). Com estes factos, de resto, o tribunal recorrido está de acordo e julgou-os provados.
32. Impõe-se a conclusão de que o tribunal recorrido não estava vinculado a aplicar o direito que o autor julgou ser o mais adequado mas estava vinculado a aplicar algum direito para resolver o litígio que lhe foi apresentado a julgamento.
33. Aplicando o instituto da simulação, o resultado seria o mesmo: o negócio que foi feito pelo falecido CC não teria sido uma compra de usufruto apenas, mas uma compra da nua propriedade e da posse, tendo ficado com a posse para si próprio e para a sua companheira e tendo doado a nua propriedade a seus dois filhos, sendo um deles o autor. A doação era, portanto, o negócio dissimulado, e o autor o verdadeiro proprietário (de metade) do imóvel.
34. Nos termos do artigo 241.º, n.º 1 do Código Civil, a doação não ficaria prejudicada pela declaração de nulidade que o tribunal recorrido decretasse quanto à alegada compra da nua propriedade pelos réus.
35. A consequência teria, ainda assim, que ser a procedência do pedido do autor (com fundamento de direito diferente daquele que tinha invocado): se o imóvel vendido em 2016 era propriedade do autor (e da sua irmã) desde 1979...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO-
Acórdão nº 815/20.3T8BGC-B.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Novembro de 2022
...4406/19.3T8BRG.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt[1]). Neste sentido, vejam-se, entre outros, os acórdãos do STJ de 31-03-2022 (proc. n.º 1612/17.9T8LRA.C1.S1), de 04-05-2021 (proc. n.º 327/14.4T8CSC.L1.S1), de 21-10-2020 (proc. n.º 22277/17.2T8LSB.L1.S1), disponíveis em Resulta, assim, da re......
-
Acórdão nº 815/20.3T8BGC-B.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Novembro de 2022
...4406/19.3T8BRG.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt[1]). Neste sentido, vejam-se, entre outros, os acórdãos do STJ de 31-03-2022 (proc. n.º 1612/17.9T8LRA.C1.S1), de 04-05-2021 (proc. n.º 327/14.4T8CSC.L1.S1), de 21-10-2020 (proc. n.º 22277/17.2T8LSB.L1.S1), disponíveis em Resulta, assim, da re......