Acórdão nº 232/22 de Tribunal Constitucional (Port, 31 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelCons. José Eduardo Figueiredo Dias
Data da Resolução31 de Março de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 232/2022

Processo n.º 105/2022

2.ª Secção

Relator: Conselheiro José Eduardo Figueiredo Dias

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo Sul, em que é recorrente A., ACE e é recorrida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, a primeira interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, adiante designada LTC), do Acórdão daquele Tribunal, de 15 de dezembro de 2021, que manteve a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, de 16 de fevereiro de 2021, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrente contra o despacho de indeferimento da reclamação graciosa n.º 2259201704000366, que correu termos na Direção de Finanças de Setúbal, contra o ato tributário de autoliquidação da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE), relativa ao ano de 2016.

2. Pela Decisão Sumária n.º 124/2022, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não julgar inconstitucionais as normas ínsitas aos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º do regime jurídico da «Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético», aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, e prorrogado para o ano de 2016 pelo artigo 6.º da Lei n.º 159-C/2015, de 30 de dezembro. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«4. Nos termos do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, quando a questão a decidir for uma questão simples, designadamente por a mesma já ter sido objeto de decisão anterior do Tribunal, o relator profere decisão sumária, a qual poderá consistir em simples remissão para anterior jurisprudência do Tribunal.

A questão de constitucionalidade da CESE foi já apreciada pelo Tribunal Constitucional em diversos arestos (cfr. Acórdãos n.ºs 7/2019, 597/2020, 301/2021, 303/2021, 436/2021, 437/2021, 438/2021, 513/2021, 532/2021, 735/2021, 736/2021, 756/2021, 777/2021 e 856/2021), evidenciando-se a primazia do Acórdão n.º 7/2019, cuja fundamentação foi adotada pelos arestos subsequentes, e foi complementada, quanto à questão de constitucionalidade do artigo 12.º do regime jurídico da CESE, pelo Acórdão n.º 301/2021.

No caso dos autos, tomaremos como principal referência o Acórdão n.º 756/2021, relativo à cobrança da CESE no ano de 2016, o qual teve como fundamentação de referência os Acórdãos n.ºs 7/2019 e 301/2021 e no qual se afirmou e decidiu o seguinte:

«6. Como a própria recorrente reconhece, a questão da constitucionalidade da CESE foi já analisada pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 7/2019. É, pois, da fundamentação então adotada – que, adiante-se desde já, aqui se subscreve e renova – que cabe partir para a análise da questão de constitucionalidade agora colocada, atentas as distinções salientadas pela recorrente.

Afirmou este Tribunal, no Acórdão n.º 7/2019:

«7. Apesar de o legislador lhe ter chamado «Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético» (CESE), argumenta a requerente que o tributo em questão deve ser qualificado como um imposto, nessa qualificação sustentando, em parte, a sua posição de inconstitucionalidade das normas.

Ora, conforme tem vindo a afirmar este Tribunal, designadamente no Acórdão n.º 539/2015 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt, sítio da internet onde também podem ser encontrados os arestos deste Tribunal doravante citados), que analisou a «Taxa de Segurança Alimentar Mais»: «[…] a caracterização de um tributo, quando releve para efeito da determinação das regras aplicáveis de competência legislativa, há de resultar do regime jurídico concreto que se encontre legalmente definido, tornando-se irrelevante o ‘nomen juris’ atribuído pelo legislador ou a qualificação expressa do tributo como constituindo uma contrapartida de uma prestação provocada ou utilizada pelo sujeito passivo».

Também no caso em apreciação, a análise do Tribunal não será condicionada pela designação que o legislador consagrou para este tributo, antes relevando a caracterização que tenha por base o respetivo regime jurídico.

8. Haverá, assim sendo, que começar por distinguir entre os vários tributos – tarefa a que a jurisprudência do Tribunal Constitucional já se dedicou por diversas vezes –, para, depois, neles enquadrar o tributo em causa, já que de tal enquadramento poderá depender a solução da questão de constitucionalidade em apreço.

No citado Acórdão n.º 539/2015 estabeleceu-se sobre esta distinção:

«[…]

É conhecida e tem sido frequentemente sublinhada, mesmo na jurisprudência constitucional, a distinção entre taxa e imposto.

O imposto constitui uma prestação pecuniária, coativa e unilateral, exigida com o propósito de angariação de receitas que se destinam à satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas, e que, por isso, tem apenas a contrapartida genérica do funcionamento dos serviços estaduais. O que permite compreender que os impostos assentem essencialmente na capacidade contributiva dos sujeitos passivos, revelada através do rendimento ou da sua utilização e do património (artigo 4.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária). A taxa constitui uma prestação pecuniária e coativa, exigida por uma entidade pública, em contrapartida de prestação administrativa efetivamente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo, assumindo uma natureza sinalagmática. A taxa pressupõe a realização de uma contraprestação específica resultante de uma relação concreta entre o contribuinte e a Administração e que poderá traduzir-se na prestação de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares (artigo 4.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária).

A taxa tem igualmente a finalidade de angariação de receita. Mas enquanto que nos impostos esse propósito fiscal está dissociado de qualquer prestação pública, na medida em que as receitas se destinam a prover indistintamente às necessidades financeiras da comunidade, em cumprimento de um dever geral de solidariedade, nas taxas surge relacionado com a compensação de um custo ou valor das prestações de que o sujeito passivo é causador ou beneficiário. Assim, ‘a bilateralidade das taxas não passa apenas pelo seu pressuposto, constituído por dada prestação administrativa, mas também pela sua finalidade, que consiste na compensação dessa mesma prestação. Se a taxa constitui um tributo comutativo não é simplesmente porque seja exigida pela ocasião de uma prestação pública mas porque é exigida em função dessa prestação, dando corpo a uma relação de troca com o contribuinte’ (Sérgio Vasques, em ‘Manual de Direito Fiscal’, pág. 207, ed. de 2011, Almedina).

Entretanto, a revisão constitucional de 1997 introduziu, a propósito da delimitação da reserva parlamentar, a categoria tributária das contribuições financeiras a favor das entidades públicas, dando cobertura constitucional a um conjunto de tributos parafiscais que se situam num ponto intermédio entre a taxa e o imposto (artigo 165.º, n.º 1, alínea i)). As contribuições financeiras constituem um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que compartilham em parte da natureza dos impostos (porque não têm necessariamente uma contrapartida individualizada para cada contribuinte) e em parte da natureza das taxas (porque visam retribuir o serviço prestado por uma instituição pública a certo círculo ou certa categoria de pessoas ou entidades que beneficiam coletivamente de um atividade administrativa) (Gomes Canotilho/Vital Moreira, em ‘Constituição da República Portuguesa Anotada’, I vol., pág. 1095, 4.ª ed., Coimbra Editora).

As contribuições distinguem-se especialmente das taxas porque não se dirigem à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica. Preenchem esse requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa atividade se pretendem atingir (sobre estes aspetos, Sérgio Vasques, ob. cit., pág. 221, e Suzana Tavares da Silva, em ‘As taxas e a coerência do sistema tributário’, pág. 89-91, 2.ª edição, Coimbra Editora).

[…]».

Em especial, sobre as contribuições financeiras, afirmou o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 80/2014, estando, então, em causa uma «penalização» por emissões excedentárias:

«[…]

No caso, sendo de reconhecer algumas dificuldades na qualificação deste tributo, não se podendo falar da existência de uma verdadeira relação comutativa, a não ser de forma difusa, afigura-se-nos que o mesmo não é reconduzível, atento o seu regime, quer à categoria unilateral do imposto, quer à categoria bilateral da taxa, aproximando-se antes de outras figuras acima referidas, designadas genericamente no texto constitucional por “demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas” (sobre a natureza jurídica das receitas arrecadadas pelo Estado pela atribuição de licenças de emissão, cfr. Carlos Costa Pina, em “Mercado de Direitos de Emissão de CO2”, in “Estudos Jurídicos e Económicos em Homenagem ao Prof. Doutor António de Sousa Franco”, Vol. I, pp. 493-502) .

Segundo Sérgio Vasques estes tributos situam-se no terreno intermédio que vai das taxas aos impostos, incluindo-se nesta categoria «não apenas as taxas de...

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