Acórdão nº 2411/19.9T9VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelJ
Data da Resolução21 de Março de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães I – Relatório - No processo comum singular n.º 2411/19.9T9VCT, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo – Juízo Local Criminal J1, foi proferida acusação particular pela assistente “X – Worldwide, S.A.”, na qual imputa a D. O.

a prática de um crime de ofensa a organismo ou pessoa coletiva, p. e p. pelo art. 187º do CP, agravado por força do art. 183º do mesmo diploma legal.

- Essa acusação particular mereceu acompanhamento por parte do Ministério Público – art. 285º, nº 4, do CPP.

- Recebidos os autos no tribunal, para julgamento do arguido D. O.

, em processo comum singular, foi o processo remetido à distribuição.

- Proferido o despacho de saneamento a que alude o art. 311º, do CPP, foi a acusação particular rejeitada, ao abrigo do disposto no artigo 311.º, nº 2 alínea a) e 3 alínea d) C P Penal, por a factualidade na mesma alegada não constituir crime.

*- Inconformada com o assim decidido, interpôs recurso a assistente, pedindo a revogação de tal despacho e a sua substituição por outro que receba a acusação pública deduzida, sustentando conclusões que se passam a transcrever: “(…) II - CONCLUSÕES a. A assistente, X – Worldwide, S.A, ora recorrente, deduziu acusação particular e pedido de indemnização civil contra o arguido, D. O., na qualidade de Presidente da Associação Angolana dos Direitos do Consumidor, imputando-lhe a prática de um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, p. e p. pelo art.° 187. ° do Código Penal (doravante CP), agravado por força do art.º 183º do CP.

  1. A referida acusação foi acompanhada pelo Ministério Público.

  2. Acontece, porém, que o tribunal a quo, de forma inesperada e sem mais, decidiu rejeitar a acusação deduzida e pedido de indemnização civil pela recorrente por manifestamente infundada de harmonia com as disposições conjugadas do art.º 311º, n.º 2, al. a) e al. d) do CPP.

  3. Com efeito, salvo o devido respeito por opinião contrária, a recorrente não concorda com o teor do despacho, designadamente as apreciações jurídicas que do mesmo constam, notoriamente erradas, pelo que o presente recurso tem como objecto toda a matéria de direito e de facto, nos termos do art.º 410.º do CPP.

  4. O tribunal a quo entendeu que, no que toca ao tipo legal de crime enquadrável na factualidade carreada aos autos face ao teor da acusação em causa, “(…) verifica-se que, salvo o sempre devido respeito por opinião diversa, os factos na mesma alegados não configuram a prática de crime.” f. A recorrente discorda da apreciação incorreta e desproporcionalidade levada a cabo pelo tribunal a quo que, além de notoriamente errada, foi formada sem possibilitar à recorrente, designadamente o exercício dos princípios do contraditório e do acusatório, que se traduz num pré-julgamento, na medida em que, ignorando a prova oferecida pela recorrente, se exime à observação e discussão da mesma em audiência de julgamento.

  5. Ao contrário do que dita o despacho ora em crise, a acusação particular deduzida pela recorrente possui factos demonstrativos de uma conduta tipificadora do crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, p. e p. pelo artigo 187.º, agravado por força do art.º 183.º do Código Penal, não podendo o tribunal a quo extrapolar as suas funções e considerar a acusação manifestamente infundada, fazendo juízos de valor sobre os factos ali descritos.

  6. A não se fazer a subsunção legal dos factos in casu à lei consignada no art. 183º do CP, sempre se dirá que esta disposição legal configura afinal “lei morta”.

  7. E como tal, deveria tribunal recorrido ter recebido a acusação particular, que obteve o acompanhamento pelo Ministério Público e ter designado hora e data da audiência de discussão e julgamento.

  8. Não o tendo feito, a decisão ora recorrida violou expressamente os artigos 187.º e 183.º do CP, o art.º 32.º n.º 5 da CRP e o art.º 311.º do CPP.

  9. Aliás, como afirma o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25-11-2009 “A acusação só deve ser considerada manifestamente infundada, e consequentemente rejeitada, com base na al. d) do n.º 3 do art.º 311.º do CPP, quando resultar evidente, que os factos nela descritos, mesmo que porventura viessem a ser provados, não preenchem qualquer tipo legal de crime.” (negrito e sublinhado nosso).

  10. Apesar de, ao sanear o processo (cfr. art.º 311.º do CPP) os poderes do juiz permitirem-lhe pronunciar-se sobre nulidades e sobre questões prévias ou incidentais que obstam à apreciação do mérito da causa, a rejeição da acusação, por manifestamente infundada (n.s 2 e 3 daquele preceito), no caso de se entender pela inexistência do crime, só deve ocorrer em casos limite e claramente inequívocos e incontroversos.

  11. A este propósito, recordemos o que decide o acórdão da Relação de Lisboa, de 15-09-2011, proc. 3769/08.0TASNT.L1, 9ª Secção: “Mas se o juiz faz uma interpretação jurídica dos factos, divergente de quem deduziu a acusação seguindo uma das seguidas na jurisprudência, e rejeita a acusação, por entender não existir o crime (cfr. art.º 348º do CP), está a violar aquele princípio do acusatório. (…)” (sublinhado e negrito nosso) E continua: “ Ao rejeitar a acusação neste quadro, fazendo uma opção jurídico-substantiva, o juiz está a formular um pré-juízo ao julgamento sobre o objecto e mérito da causa. Em suma, naquela fase de saneamento, o juiz não pode fazer uma opção jurisprudencial na apreciação que faz dos factos vertidos na acusação.” (sublinhado e negrito nosso). Também no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 09-02-2011, proc. n.º 329/09.2PBAGH.L1, 3ª Secção, e a propósito dos Poderes do juiz do julgamento – cfr. artº 311º do CPP.

  12. De notar que in casu, nos termos do disposto no art.º 285.º, n.º 4 do CPP, a 11-05-2020 o Ministério Público, proferiu despacho (ref.ª citius 45320154), no qual considerou que “Os factos em causa nos presentes autos são passíveis de consubstanciar, para além do mais, a prática pelo arguido D. O., na qualidade de Presidente da Associação Angolana dos Direitos do Consumidor de um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, p. e p. pelo art.º 187.º, n.º 1 e 183., ambos do Código Penal.” (negrito nosso).

  13. No identificado despacho o Ministério Público “(…) entende que foram recolhidos indícios suficientes da verificação do crime e do seu agente.” (negrito nosso). A reforçar a verificação de indícios suficientes, por despacho, com conclusão datada de 22-05-2020, com ref. citius 45358737, o Ministério Público “(…) acompanha a douta acusação particular deduzida pela assistente X Worldwide SA (…) a qual dá aqui por integralmente reproduzida.” (negrito nosso).

  14. Atento o exposto, não podia a Meritíssima Juíza, na oportunidade processual contemplada no art.º 311.º do CPP, formular um juízo inverso e, em consequência, afirmar a nulidade do processo por considerar que o que é imputado ao arguido não configura crime.

  15. Desde logo, porque os factos descritos na acusação particular, ao contrário do decidido no despacho recorrido, sustentam e corporizam o preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, p. e p. pelo art.º 187º do CPP.

  16. In casu, o comunicado do arguido extravasa claramente o carácter informativo que lhe devia ser ínsito, com o intuito de, através do mesmo, tornar a pessoa da recorrente passível de descrédito na opinião pública, conformando, por isso, o seu conteúdo, uma ofensa à credibilidade e consideração da recorrente prevista e punível pelo artigo 187.º do CPP.

  17. A informação prestada pelo arguido não se conteve dentro dos limites da necessidade de informar, bem como dos fins éticos-sociais do direito de informar. Até porque o conteúdo do comunicado, sendo falso, tem um carácter (des)informativo no sentido do perjúrio.

  18. O comportamento ofensivo perpetrado pelo arguido consubstanciado no teor do comunicado, tal como foi concretizado e difundido (porque bem sabia o arguido que o estava a divulgar perante a comunicação social, meio veloz para a propagação da informação), não teve por base a realização de interesses legítimos.

  19. O arguido não poderia (nem pode) fazer prova da verdade das especulações/insinuações constantes do comunicado que fez, nem tinha fundamento sério para, em boa fé, as reputar por verdadeiras.

  20. Porém, o direito ao bom nome e reputação é um direito fundamental de idêntico valor e tal como a liberdade de expressão está previsto na nossa Constituição, no art.º 26.º, bem como no art.º 70.º do Código Civil.

  21. Atento a entidade que emitiu o comunicado, Presidente de uma Associação dos Direitos do Consumidor, que supostamente labora em prol e nome da defesa dos mesmos, jamais se poderá considerar tal comunicado como um conjunto de opiniões, de juízos de valor ou formulação de meros juízos, alicerçado na liberdade de expressão, desde logo, porque este tipo de Associações detêm um peso absolutamente relevante na sociedade, tendo os seus comunicados e publicações suma importância nas escolhas dos consumidores. Pelo que, os consumidores acreditam na veracidade desses comunicados, levando-os a adquirir ou não adquirir determinados produtos, a creditar as empresas, produtos e marcas defendidos por essas instituições.

  22. In casu, as informações difundidas, os factos levados a público pelo arguido são falsos e ferem o bom nome comercial da recorrente, os seus produtos, a sua marca.

  23. Além do mais, a “opinião informativa” do arguido destaca-se de um comum cidadão quer pelo cargo que ocupa, quer por, no uso do mesmo, ter sido dito junto da imprensa, num comunicado oficial e sem qualquer base probatória.

  24. Pelo que, esta “opinião informativa” necessariamente tem um impacto negativo junto do alegado corrupto e não pode ser considerado pela justiça como mera opinião, porquanto e com a projeção em causa, estaríamos a permitir que a liberdade de expressão justificasse tudo. Mas, a liberdade de expressão não pode...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT