Acórdão nº 215/20.5T8MNC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 24 de Março de 2022
Magistrado Responsável | RAQUEL BAPTISTA TAVARES |
Data da Resolução | 24 de Março de 2022 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório J. T.
, na qualidade de administrador da Massa Insolvente de M. P., residente na Rua …, veio instaurar o presente processo de inventário por óbito da mãe da insolvente, I. C., falecida no dia -/09/2008, na freguesia de …, concelho do Porto, no estado de viúva, residente que foi no Lugar …, Monção.
Foi nomeado cabeça-de-casal A. B., o qual veio apresentar a relação de bens.
A Massa Insolvente de M. P. veio apresentar reclamação à relação de bens e o cabeça-de-casal veio suscitar a questão da ilegitimidade da Massa Insolvente para instaurar o processo de inventário, tendo por fundamento o teor do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24/09/2020, relatado pelo Desembargador Borges Carneiro, no Processo n.º 31/20.4T8MTA.L1-2, e requerendo a absolvição da instância.
Pelo tribunal a quo foi julgada procedente a exceção dilatória de ilegitimidade ativa da requerente, conforme invocada pelo cabeça-de-casal, e absolvidos o cabeça-de-casal e demais requeridos da instância.
Inconformado, veio o Administrador da Massa Insolvente de M. P., apelar, concluindo as suas alegações da seguinte forma: “I. De acordo com os efeitos previstos na lei insolvencial – efeitos da declaração de insolvência sobre o devedor - , o administrador, quando exerce direitos do âmbito patrimonial do insolvente, age como seu representante legal – artº 81 nº 4 CIRE; II. Agindo como representante legal do insolvente, a sua atuação exerce-se em nome daquele, embora os efeitos patrimoniais do exercício possam recair em benefício dos credores, na medida em que foi primeiramente a pensar nestes que o legislador atribuiu ao administrador de insolvência o direito de representação.
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O administrador de insolvência só age como substituto processual do insolvente nos casos determinados pela lei insolvencial (artº 85 nº 3 CIRE), ou seja, nos casos em que a lei associa determinados efeitos processuais à declaração de insolvência, segundo os quais procura dar solução às ações em curso, prevendo na verdade a substituição processual do insolvente pelo administrador.
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Uma e outra situação legal não podem ser confundidas, que é o que salvo todo o respeito subjaz à decisão recorrida.
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Sendo apreendido o quinhão hereditário da insolvente, por óbito da mãe desta, e não tendo qualquer herdeiro tomado a iniciativa da partilha judicial, não deve ser negada ao administrador legitimidade para em nome da insolvente, e ao abrigo do direito de representação promover a instauração do processo de inventário – artº 81 nº 4 CIRE e artº 1085 CPC.
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Tanto à insolvente como à massa insolvente deve ainda reconhecer-se o direito de ver concretizado em bens o quinhão hereditário (concretização do direito de partilha – (artº 2101 CC), sob pena de a apreensão dos bens da insolvente não cumprir a sua finalidade que é contribuir para o benefício máximo dos credores e da própria insolvente.
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Tal direito de concretização só pode ser exercido, requerendo e sendo admitido processo de inventário, sob pena de em seu impedimento a massa insolvente e a insolvente só poderem contar com um direito que pouco ou nada valerá, por falta de referências para uma avaliação.
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Daqui resultando benefício injustificado para os demais interessados da herança, que é o que a justa partilha procura evitar, e prejuízo para os credores e própria insolvente.
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Concluindo mais especificamente, a douta decisão recorrida não deve ser acolhida, por, na modesta opinião do recorrente, violar a lei ao retirar ao administrador a principal qualidade que a lei lhe dá – Representante legal da insolvente – , para agir segundo os interesses outorgados pela lei.
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O administrador da massa insolvente é nas ações de carácter patrimonial, respeitantes ao insolvente, e que interessem à insolvência, como o inventário, o seu representante legal e não substituto (processual) do insolvente.
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Assim sendo, o administrador de insolvência, nesta ação de partilha, nunca é parte, mas o representante da parte (Castro Mendes, Direito Processual Civil vol II, pg.186), traduzindo-se a sua intervenção no suprimento da incapacidade de exercício da insolvente (Castro Mendes, Teoria Geral do Direito, vol I, 175) XII. Tal legitimidade da insolvente, suprida pelo administrador de insolvência, é a que está perfeitamente plasmada no ac. de 15-04-2010, TRP nº 144/09.3TBPNF.P1, disponível na NET.
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Nele se sumaria que “Estando os bens que integram o património a partilhar em processo de inventário incluídos na massa falida, tem o respetivo administrador legitimidade, enquanto representante do interessado falido, para requerer processo de inventário”; é também a mesma doutrina que decorre do ac. de 21-09-2006 TRP, P. 0634600, disponível na NET.
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Importa por último afirmar que a interpretação das normas nunca pode descurar a harmonia dos vários diplomas legais que interferem com o caso em discussão. Trata-se de um princípio elementar de interpretação.
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E assim têm que ser compatíveis as normas referenciadas do código civil, código de insolvência e código processual, quanto à questão da legitimidade para requerer inventário, na medida em que a interpretação acolhida no acórdão do TRL, e na decisão recorrida, para acriticamente qualificar a massa insolvente ou o administrador como parte, substituto processual (em lugar da insolvente e do administrador como seu representante legal), ignora o disposto no código civil sobre o direito potestativo de qualquer herdeiro poder requerer a partilha dos bens, o direito de representação para suprir a incapacidade de exercício, bem como a qualificação do administrador de insolvência como representante legal do insolvente, para efeitos dos negócios em que é parte o insolvente. O resultado da interpretação do direito processual há-de conjugar-se, não pode desligar-se, da interpretação daqueles outros diplomas.” Pugna o Recorrente pela integral procedência do recurso, com a consequente revogação da decisão recorrida, e sua substituição por outra que reconheça ao administrador da massa insolvente legitimidade para requerer, como requereu, a instauração do inventário.
O cabeça-de-casal apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
***II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do CPC).
A única questão a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelo Recorrente, é a de saber se a massa insolvente e o administrador da insolvência têm legitimidade para requerer a abertura de processo de inventário por óbito da mãe da insolvente.
***III. FUNDAMENTAÇÃO O Recorrente veio interpor o presente recurso por não se conformar com o despacho proferido pelo tribunal a quo que, julgando integralmente procedente a exceção dilatória de ilegitimidade ativa, conforme invocada pelo cabeça-de-casal, decidiu absolver o cabeça-de-casal e demais requeridos da instância.
Vejamos se lhe assiste razão.
Relembra-se aqui o teor do despacho recorrido: “Da ilegitimidade ativa da requerente – Massa Insolvente de M. P.
O cabeça de casal veio suscitar questão prévia relativa à ilegitimidade ativa da requerente para a instauração de processo de inventário nestes autos.
Invoca, para o efeito, o decidido no Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Lisboa de 24.09.2020, relatado pelo Juiz Desembargador BORGES CARNEIRO, no Proc.º nº 31/20.4T8MTA.L1-2, pugnando pela absolvição da instância dos demais interessados. Disse, em suma: a) a massa insolvente não é interessada direta na partilha por óbito da mãe da insolvente; b) na massa insolvente apenas está integrado o quinhão hereditário que a insolvente possuí na herança; interessada direta na partilha seria a própria insolvente, na qualidade de herdeira; c) a interessada M. P. perdeu os poderes de disposição e administração do quinhão hereditário, nos termos do art. 81.º do CIRE; d) o administrador de insolvência não tem legitimidade para requerer inventário na qualidade de substituto processual da insolvente, não tendo direitos de representação quanto ao preenchimento do quinhão hereditário.
Concluiu, peticionando o conhecimento de exceção dilatória e absolvição da instância do cabeça-de-casal e demais interessados.
O requerente de inventário (J. T., na qualidade e administrador da massa insolvente de M. P.) veio responder por escrito a tal exceção, dizendo, em suma, que: a) o administrador age como representante legal do insolvente – art. 81.º, n.º 4 do CIRE; b) o entendimento propugnado pelo cabeça de casal constitui uma violação do disposto no art. 2101.º, do Código Civil, que não excetua o direito do herdeiro à partilha, seja este ou não insolvente; c) seguindo o entendimento do cabeça-de-casal, estaria em posição mais desfavorável o herdeiro insolvente que o incapaz ou interdito, mediante o suprimento da sua capacidade de exercício (art. 2053.º do Código Civil); d) o entendimento propugnado gera uma injustiça, privando a insolvente herdeiro de um conjunto de direitos; deve prevalecer a justiça material sobre o direito adjetivo – art. 1085.º do Código de Processo Civil; e) nos termos do art. 81.º, n.º 4 do CIRE, o administrador de insolvência tem legitimidade para intervir no processo de inventário; o administrador age como representante legal da parte legítima (interessada direta), e não como seu substituto processual.
Cumpre apreciar e decidir da suscitada exceção dilatória.
Antes de mais, convém notar que o despacho liminar proferido com a ref. n.º 45545253: “A requerente tem legitimidade para requerer que se proceda a inventário – artigo 1085º, n.º 1, al. a) do NCPC”, consubstancia despacho meramente tabelar, não traduzindo qualquer apreciação jurisdicional casuística sobre a questão ora suscitada, pelo que...
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