Acórdão nº 074/21.0BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Março de 2022
Magistrado Responsável | ISABEL MARQUES DA SILVA |
Data da Resolução | 23 de Março de 2022 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: - Relatório - 1 – A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) vem, nos termos dos nºs 2, 3 e 4 do artigo 25.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), interpor recurso para este Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida a 23 de abril de 2021 no processo arbitral n.º 780/2019-T, por alegada contradição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com o decidido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido a 15 de Novembro de 2017 no processo n.º 0485/17, transitado em julgado, e, acessoriamente, no processo n.º 052/19, de 4 de março de 2020, igualmente transitado em julgado.
A Recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: A. O Recurso Para Uniformização de Jurisprudência previsto e regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo o STA, no caso concreto, proceder à anulação da decisão arbitral e realizar nova apreciação da questão em litígio quando suscitada e demonstrada tal contradição pela parte vencida.
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Ora, desde logo, quanto ao estabelecido pelas regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, resulta que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário que i) as situações de facto sejam substancialmente idênticas; ii) haja identidade na questão fundamental de direito; iii) se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta; e iv) a oposição decorra de decisões expressas e não apenas implícitas.
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No que concerne ao requisito das situações de facto substancialmente idênticas, temos, subjacente ao acórdão recorrido, a factualidade melhor descrita nas alegações, para cuja leitura se remete.
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Por seu turno, subjacente ao Acórdão Fundamento, encontrava-se factualidade também descrita nas alegações, e para cuja leitura igualmente se remete.
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Aqui chegados, e considerando a factualidade supra aludida, fica, desde logo, demonstrado que entre o acórdão recorrido e o Acórdão fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto.
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Estava em causa em ambos os processos aferir da determinação da percentagem do IVA dedutível, resultante dos custos suportados pelo sujeito passivo com serviços de utilização mista, afectos tanto a operações tributadas como a operações isentas.
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no Acórdão Fundamento entendeu-se que o decidido pelo TJUE no processo C-183/12, o artigo 23.º, n.º 3 do CIVA constitui a transposição do artigo 17.º, n.º 5 parágrafo 3, c) da Sexta Directiva e que, sendo assim, os Estados-Membros podem obrigar uma instituição bancária, que exerce actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, correspondente aos juros.
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Foi decidido no acórdão fundamento porquanto, em sede de factos dados como não provados na sentença da 1.ª instância, fixou-se como não provado o facto de que os custos mistos, comuns à actividade isenta e à actividade sujeita, respeitassem à disponibilização de veículos objecto dos contratos de locação financeira.
I. A decisão arbitral entendeu, por referência a diversas decisões arbitrais, de que se destaca a proferida no processo 498/2018-T, que a solução da ora Recorrida de aplicar o método de imputação específico, escorado no Ofício-Circulado n.º 30108, era incompatível com o disposto nos artigos 173.º e 174.º da Directiva IVA e, por consequência, com a solução proposta no artigo 23.º, n.º 3 e 4 do CIVA, não podendo a Autoridade Tributária aplicar um método de imposto específico para apurar a percentagem de dedução em sede de IVA.
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Em oposição, o Acórdão fundamento (0485/17) entendeu que o artigo 17°, n° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388/CEE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-membro, em circunstâncias como a do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos.
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Quanto à quanto à possibilidade de aplicação do método de imputação específica, patente no Ofício-Circulado 31308, entendeu o acórdão recorrido que o artigo 23.º do Código do IVA não licencia a aplicação de um coeficiente de imputação específico que tenha por base a dedução do montante anual correspondente aos juros associados à actividade de locação financeira, excluindo dessa mesma base a dedução das amortizações de capital.
L. Sob esta precisa matéria, entendeu o Acórdão desse STA, proferido no âmbito do processo n.º 052/19 que do artº 23º nº 2 do CIVA, ao permitir que Administração tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA – artº 17º, nº 5, terceiro parágrafo, al. c) da sexta directiva, quando ali se estabelece que, «todavia, os Estados-membros podem: autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços»”.
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Ainda no acórdão recorrido, entendeu-se que, pretendendo a AT aplicar o disposto no n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA, conforme o próprio STA reconhece, nos termos do n.º 3, alínea b) do mesmo artigo, e sendo aquela uma norma que impõe obrigações adicionais ao contribuinte, é àquela Autoridade que cabe o ónus de prova da verificação dos requisitos legais da sua actuação.
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Já o acórdão fundamento 0485/17 decidiu que, de acordo com o princípio geral, no âmbito do procedimento e do processo tributário o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da AT e dos contribuintes recai sobre quem os invoque (nº 1 do art. 342° do CCivil e nº 1 do art. 74° da LGT), pelo que, no concreto caso dos autos, a aplicação deste regime legal determina que o ónus da prova dos factos constitutivos do direito à dedução do imposto recaia sobre o sujeito passivo, que beneficiará da existência desse facto, favorável à sua pretensão: aumento da percentagem do imposto dedutível, por via da alteração da forma do pro rata, em consequência da demonstração do aumento do montante anual das operações que dêem lugar a dedução (no caso concreto a celebração dos contratos de locação mobiliária que permitam a disponibilização dos veículos aos clientes) - art. 23° n.ºs 1 al. b) e 4 do CIVA.
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Na esteira deste entendimento, o Supremo Tribunal Administrativo veio, num recente Acórdão acerca da mesma matéria – processo n.º 0101/19 – reforçar a tese de o ónus de prova recair sobre quem o direito aproveite.
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No âmbito do acórdão recorrido, o A………. não produziu prova nem no sentido de que os custos foram sobretudo consumidos pelos actos de disponibilização de veículo, nem no sentido de que não foram sobretudo consumidos pela gestão e pelo financiamento dos contratos de locação financeira.
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O que resulta dos factos provados e não provados do acórdão arbitral é que o Tribunal não conseguiu apurar a exacta medida em que esses mesmos custos são consumidos, desconhecendo nesta medida quais os actos que mais os absorveram.
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Existe uma presunção judicial, assumida tanto pelo TJUE, no seu Acórdão Banco Mais, como nos Acórdãos do STA - que tem por base as lições de experiência em que se deduz de certo facto conhecido um facto desconhecido - de que, e passa-se a citar o Acórdão TJUE 183/13, «embora a realização, por um Banco, de operações de locação financeira para o setor automóvel, como as que estão em causa no processo principal, possa implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de electricidade ou certos serviços transversais, na maioria dos casos esta utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização de veículos.» S. Atendendo a que se trata de uma presunção juris tantum, cabia, ao A……….., em fase de reclamação graciosa, afastar a dita presunção, o que não fez.
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Face ao que, perante idêntica factualidade, verifica-se, entre Acórdão Fundamento e acórdão recorrido, uma manifesta contradição de soluções jurídicas, as quais devem ser uniformizadas de acordo com a mais recente Jurisprudência produzida pelo Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito dos Acórdãos n.º 101/19, 84/19; 87/20; 32/20; 63/20 e o 113/20.
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Em suma, entre a decisão recorrida e o Acórdão fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre as mesmas questões fundamentais de direito que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por novo acórdão que decida definitivamente a questão controvertida acolhendo o decidido no acórdão Fundamento.
V. Termos em que é de concluir dever esse Tribunal Superior acolher o entendimento perfilhado no Acórdão Fundamento.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas. deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência: - ser admitido, por verificados os respectivos pressupostos; E - ser julgado procedente, nos termos e com os fundamentos acima indicados e, consequentemente, revogada a decisão arbitral recorrida, sendo substituída por outra consentânea com o quadro jurídico vigente, como é de Direito e...
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