Acórdão nº 0139/21.9BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelJOSÉ GOMES CORREIA
Data da Resolução23 de Março de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo1. – Relatório A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) vem, nos termos do n.º 1 do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), aplicável ex vi n.ºs 2 a 4 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributaria — “RJAT”), com a alteração introduzida pela Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro, interpor recurso de uniformização de jurisprudência para o Pleno do Contencioso Tributário do STA, da decisão arbitral proferida no Processo n.º 456/2019–T do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em que é recorrida a Z…………….., S.A.

, melhor sinalizada nos autos, estando em causa saber se a ora Recorrida poderia, no ano em discussão, no seu pro-rata de dedução, considerar no seu cálculo o montante anual da globalidade das rendas de locação financeira e não apenas o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de leasing e ALD, e invocando contradição com o acórdão proferido no Processo n.º 0485/17, emanado pelo STA em 15/11/2017.

Inconformada, formulou a recorrente Autoridade Tributária e Aduaneira, as seguintes conclusões: A. Para que haja oposição de soluções jurídicas, entende a jurisprudência do STA que ambos os acórdãos devem versar sobre situações fácticas substancialmente idênticas.

  1. A oposição de soluções jurídicas pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas, entendida não como uma total identidade dos factos, mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais.

  2. Entre o acórdão recorrido e o Acórdão Fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto, remetendo-se para as alegações a leitura dos factos dados como provados e não provados tanto no âmbito do Acórdão Fundamento como no âmbito da decisão recorrida.

  3. Em ambos os casos, Recorrente e a ora Recorrida têm natureza de sujeito passivo misto em sede de IVA, exercendo atividades sujeitas a IVA e atividades isentas de IVA.

  4. Ambas consubstanciam instituições de crédito abrangidas pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e exercem, entre outras, as atividades de leasing (locação financeira) e ALD (aluguer de longa duração).

  5. Ambas corrigiram valores deduzidos ao longo de um período fiscal, por força do pro rata definitivo determinado para o respectivo ano, dado terem observado as instruções da Autoridade Tributária constantes no Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30-01-2009.

  6. Ambas apuraram um montante a deduzir distinto ao apurado por recurso ao pro rata provisório.

  7. Ambas imputam aos atos de autoliquidação de IVA vícios de violação de lei, por entenderem que nos termos do artigo 23.º, n.º 4 do CIVA, o pro rata de dedução deve considerar no seu cálculo o montante anual da globalidade das rendas de locação financeira e não apenas o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de leasing e ALD.

    I. Além daquela identidade fáctica, para que haja oposição de acórdãos é ainda necessário que as decisões em confronto se pronunciem sobre a mesma questão fundamental de direito, ou seja, importa que as soluções opostas tenham sido perfilhadas relativamente ao mesmo fundamento de direito.

  8. No acórdão fundamento entendeu-se que o decidido pelo TJUE no processo C-183/12, o artigo 23.º, n.º 3 do CIVA constitui a transposição do artigo 17.º, n.º 5, parágrafo 3, c) da Sexta Diretiva e que, sendo assim, os Estados membros podem obrigar uma instituição bancária, que exerce atividades de locação financeira, a incluir no numerador e denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos contratos de locação financeira, correspondente aos juros.

  9. Assim foi decidido no acórdão fundamento porquanto, em sede de factos dados como não provados na sentença da 1.ª instância, fixou-se como não provado o facto de que os custos mistos, comuns à atividade isenta e à atividade sujeita, respeitassem à disponibilização de veículos objeto dos contratos de locação financeira.

    L. A decisão arbitral objeto de recurso entendeu, por oposição ao Acórdão Fundamento, que a solução da ora Recorrida de aplicar o método de imputação específico, escorado no Ofício-Circulado n.º 30108, era incompatível com o disposto nos artigos 173.º e 174.º da Diretiva IVA e, por consequência, com a solução proposta no artigo 23.º, n.º 3 e 4 do CIVA, não podendo a Autoridade Tributária aplicar um método de imposto específico para apurar a percentagem de dedução em sede de IVA.

  10. O Tribunal arbitral, acredita-se que por lapso, equivocou-se quando afirma nesta segunda decisão arbitral, de 2021, que a questão de inconstitucionalidade que tem por objeto o princípio da legalidade constituiu o verdadeiro fundamento da anulação da autoliquidação em que se baseou a primeira decisão arbitral, datada de 2019 e que foi alvo do recurso para uniformização de jurisprudência.

  11. O Tribunal arbitral não decidiu com base em inconstitucionalidade alguma, mas sim com base em ilegalidade, por vício de violação de lei, por ofensa do princípio da legalidade, patente nos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55º da LGT e explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, sendo que a única referência às questões constitucionais é efetuada a título subsidiário, conforme transcrição efetuada nas alegações, para cuja leitura se remete e bem assim foi decidido pelo Tribunal Constitucional.

  12. O Tribunal arbitral, na sua primeira decisão, resolve a questão com base em ilegalidade («não tendo suporte legal a utilização do método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108, de 30.01.2009, é ilegal a imposição da sua utilização pela Requerente»), e depois, a título subsidiário, e sem que isso concorresse para o desfecho decisório, apresentou argumentos adicionais, onde fez incluir uma breve apreciação constitucional («mesmo que o método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado assegurasse mais eficazmente os referidos princípios, a falta da sua previsão em diploma de natureza legislativo nacional, em matéria em que não é directamente aplicável qualquer norma de direito da União Europeia, sempre seria um obstáculo intransponível à sua aplicação, por força do princípio da legalidade, em que se insere o da hierarquia das fontes de direito, à face do qual não é constitucionalmente admissível que seja reconhecido a actos de natureza não legislativa «o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos.») P. A questão de constitucionalidade é vincadamente acessória/subsidiária (“mesmo que […] sempre seria”) face à verdadeira e derradeira argumentação em que assentou a prolação daquela decisão, que se baseou em exclusivo na ilegalidade, por vício de violação de lei, por ofensa do princípio da legalidade, patente nos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55º da LGT e explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo.

  13. Ora, o Tribunal arbitral, nesta segunda decisão arbitral, ainda que o não diga expressamente, acaba por manter na íntegra o entendimento de que a atuação da Autoridade Tributária, através da imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico» indicado no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108, enferma de vício de violação de lei, por ofensa do princípio da legalidade, uma vez que a imposição do dito método não conhece suporte legal, em particular na redação do artigo 23.º do CIVA.

  14. Acolhe uma vez mais o entendimento da primeira decisão arbitral.

  15. O Tribunal manteve o aludido entendimento nas entrelinhas do que é possível depreender da redacção do seu texto, para, depois, em seguida, e não obstante a manutenção do que decidira em sede de primeira decisão arbitral, dar concretização ao ordenado pelo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do processo n.º 07/19, isto é, apurar, por recurso a provas, se os custos mistos são utilizados sobretudo pelo financiamento e gestão de contratos de locação financeira, se antes na disponibilização de veículos.

  16. Se é verdade que a fundamentação de base entre Acórdão Fundamento e acórdão arbitral são díspares, não é menos verdade que a fatualidade de ambos os acórdãos é convergente.

  17. Em bom rigor, não existe diferença de substância entre o que, por um lado, foi dado como não provado no Acórdão Fundamento e o que, por outro lado, foi dado como provado e, em paralelo, como não provado no acórdão recorrido.

    V. Em boa verdade, o acórdão de que se recorre não inova face à primeira decisão arbitral, onde não foi produzida qualquer prova relativa ao consumo dos custos mistos.

  18. Em nenhum dos Acórdãos se provou que os custos mistos eram sobretudos consumidos pelos atos de disponibilização de viaturas.

    X. Da leitura dos factos provados, mormente os acima assinalados (JJ, KK, QQ), e do ponto 2.3.1 dos factos dados como não provados, infere-se que a ora Recorrida não logrou provar o facto que lhe competia e que justificaria o reconhecimento do direito de que se arroga, nomeadamente que a afetação dos custos mistos era sobretudo dominada pela disponibilização de veículos no âmbito dos contratos de locação financeira.

  19. Da ampliação da matéria de facto, resulta que o Tribunal arbitral não conseguiu destrinçar «as exactas percentagens da utilização de recursos de utilização mista pela Requerente relacionada com as operações de locação financeira, designadamente, em 2016, em que medida essa utilização foi determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes ou pela disponibilização dos veículos.», o que, em bom rigor, foi o que justificou que o Supremo Tribunal Administrativo tivesse anulado a primeira decisão arbitral e tivesse ordenado a baixa do processo à primeira instância para...

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