Acórdão nº 0506/21.8BEVIS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelJOSÉ GOMES CORREIA
Data da Resolução23 de Março de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. – Relatório Vem interposto recurso jurisdicional por A…………, melhor sinalizada nos autos, visando a revogação da sentença de 20-12-2021, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que julgou improcedente a reclamação que intentara de decisão do órgão da execução fiscal, pedindo a anulação da decisão da Chefe do Serviço de Finanças de Castro Daire que lhe indeferiu o requerimento que apresentou de reconhecimento da prescrição das dívidas que se encontram a ser exigidas no âmbito dos processos de execução fiscal.

Inconformada, A………… apresentou alegações que rematou com o seguinte quadro conclusivo: I.

O presente recurso tem por objecto a sentença proferida em 20 de Dezembro de 2021 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, na qual julgou improcedente a reclamação apresentada pela ora recorrente com fundamento no facto de que com a citação da reclamante no âmbito do processo de execução fiscal, e nos termos do art.º 49º, n.º 1 da LGT conjugado com art.º 326º, n.º 1 do Cód. Civil, o prazo de prescrição teria sido interrompido com aquela, não tendo ainda voltado a correr o prazo de prescrição por força da aplicação do art.º 327º, n.º 1 do Cód. Civil; II.

Naquela reclamação, a ora recorrente, solicitava o reconhecimento da prescrição das dívidas sobre as quais incidiam os processos de execução fiscal n.º 2526201000100116, n.º 2526200901007319 e n.º 2526200901009869 e apenso n.º 2526200901010085; III.

O fundamento invocado para julgar improcedente a reclamação apresentada pelo tribunal a quo centra-se exclusivamente numa interpretação normativa ilegal por violar claramente, entre outros, o art.º 9º do Cód. Civil e art.º 2º, 8.º e 49º da LGT; IV.

O art.º 49º da LGT determina as situações em que se verifica a interrupção e a suspensão dos prazos de prescrição das dívidas fiscais, conferindo efeitos prolongados no tempo à suspensão, definindo as circunstâncias em que a mesma ocorre e por quanto tempo opera; V.

Verifica-se claramente que o legislador pretendeu evitar com a suspensão do prazo de prescrição que o contribuinte devedor utilizasse os meios de defesa – nomeadamente, a reclamação, impugnação, recurso ou oposição quando associados à suspensão do processo executivo - como meios dilatórios, com o objectivo de alcançar a prescrição das quantias em dívida; VI.

A LGT apenas determina quais os efeitos da suspensão relativamente ao prazo de prescrição, não resultando de forma expressa da letra do art.º 49º quais os efeitos da interrupção do prazo de prescrição – não obstante tal resulte claro da evolução histórica e da interpretação do próprio artigo - pelo que, há a necessidade de recorrer, nos termos do art.º 2º da LGT à legislação subsidiária, neste caso, ao Cód. Civil; VII.

O Cód. Civil determina no seu art.º 326º que a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, pelo que a interrupção do prazo de prescrição previsto no n.º 1 do art.º 49º da LGT apenas pode determinar este efeito; VIII.

Prevendo o art.º 49º, n.º 4 da LGT as circunstâncias em que o prazo de prescrição deve ficar parado no tempo, através da sua suspensão, não há que recorrer à determinação constante no art.º 327º, n.º 1 do Cód. Civil; IX.

Tal apenas seria possível à luz do art.º 2º da LGT se este diploma legal fosse omisso quanto aos efeitos duradouros no tempo da paragem do prazo de prescrição, o que não se verifica; X.

Não sendo o legislador conhecido por querer fazer “chover no molhado”, não se encontra qualquer justificação lógica ou legal para que aquele quisesse conferir o mesmíssimo efeito jurídico à suspensão e à interrupção do prazo, nas mesmíssimas circunstâncias, rompendo assim a unidade do ordenamento jurídico que se pretende e que o art.º 9º, n.º 1 e n.º 3 do Cód. Civil impõem ao legislador e ao intérprete da lei; XI.

O art.º 49º da LGT confere um equilíbrio de forças entre a administração tributária e o contribuinte, conferindo àquela uma margem mais do que razoável de tempo para que possa exercer os vastos meios que tem à sua disposição para cobrar o que lhe é devido – através da interrupção que tem um efeito instantâneo que determina a eliminação, por uma só vez, da totalidade do tempo de contagem decorrido até ao momento em que esta opera – e a este, impedindo-o de alcançar a prescrição das suas dívidas com recurso a meios de defesa de forma dilatória; XII.

Equilíbrio que a administração tributária – em causa própria - e os tribunais – embora com cada vez maiores reservas e votos de vencido por parte dos ex.mos juízes – têm vindo a destruir em clara violação das mais elementares regras de interpretação jurídica, legalmente previstas no art.º 9º do Cód. Civil; XIII.

A interpretação normativa vertida na sentença recorrida cria uma clara fissura na unidade do sistema jurídico ao violar o princípio da legalidade e da igualdade de armas, conferindo uma total inconsequência jurídica ao desleixo e inoperância da administração tributária à custa de princípios jurídicos e direitos do contribuinte; XIV.

Efectivamente, o ordenamento jurídico prevê sanções para a falta de impulso processual, seja nos processos em que se discute a existência do direito, seja nos processos executivos e até nos processos administrativos; XV.

Da interpretação vertida na sentença recorrida resulta que a administração tributária e o tribunal a quo – entre outros – criam um estado de excepção relativamente a todo o restante ordenamento jurídico, permitindo no caso vertente, como em muitos outros, que a execução fiscal se prolongue indefinidamente no tempo, com o consequente vencimento constante de juros, por mera inércia da administração fiscal, a qual dispõe dos meios para executar o património da recorrente, apenas não o fazendo por incúria, desleixo ou incompetência; XVI.

A interpretação normativa do art.º 49º da LGT a que adere o tribunal a quo encontra-se assim ferida ilegalidade por violação dos artigos 49º, 2.º e da LGT, art.º 9º do Cód. Civil, padecendo ainda de inconstitucionalidade material por violar os princípios constitucionais do Estado Direito, igualdade e legalidade constantes dos artigos 1.º, 2.º, 13º, 17º, 18º e 103º, n.º 2 e 3 e 165º, n.º 1, alínea i) da CRP; NOS TERMOS EXPOSTOS E NOS MAIS DE DIREITO APLICÁVEL, DEVE O PRESENTE RECURSO TER PLENO PROVIMENTO E EM CONSEQUÊNCIA REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA, JULGANDO-SE PROCEDENTE A RECLAMAÇÃO APRESENTADA NOS TERMOS E AO ABRIGO DO ART.º 277º DO CPPT.

O Ministério Público, junto do TAF de VISEU, veio formular a sua resposta, nos seguintes termos: A presente reclamação tem por objeto o douto despacho proferido pelo Tribunal “a quo”, que julgou improcedente a reclamação apresentada, tendo fundamentado a sua decisão no facto de com a citação da reclamante no âmbito do processo de execução fiscal, e nos termos do art.º 49º, n.º 1 da LGT conjugado com art.º 326º, n.º 1 do Cód. Civil, o prazo de prescrição teria sido interrompido com aquela, não tendo ainda voltado a correr o prazo de prescrição por força da aplicação do art.º 327º, n.º 1 do cód. Civil.

A LGT, enunciando os factos interruptivos da prescrição no n.º 1 do art. 49.º da LGT, não prevê diretamente os efeitos da interrupção da prescrição, antes apenas os aspetos que, atenta a natureza tributária da dívida, merecem nomeação especial em face do direito comum, a saber, em especial, o respetivo prazo, o termo inicial da sua contagem, os factos interruptivos e suspensivos do prazo, o conhecimento oficioso da prescrição.

Não contém a lei tributária uma definição de prescrição, como nada diz quanto aos efeitos dos factos interruptivos e suspensivos do respetivo prazo, porquanto tal matéria pressupõe a aplicação do direito comum, atenta a unidade do sistema jurídico.

Quanto aos efeitos da citação enquanto facto interruptivo previsto no n.º 1 do art. 49.º da LGT, por falta de regulamentação dos respetivos efeitos na LGT, há que aplicar as normas contidas no CC, designadamente o n.º 1 do art. 326.º, que estabelece que “ a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sem prejuízo do disposto...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT