Acórdão nº 165/20.5GDLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Março de 2022
Magistrado Responsável | MARIA JOS |
Data da Resolução | 17 de Março de 2022 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam em conferência os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra I- Relatório 1.
No Processo Comum Colectivo Nº 165/20.5GDLRA, o MºPº deduziu acusação contra o arguido AA imputando-lhe a prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nº1, alínea a), nº2 alínea a), nº 4 e nº 5 do Código Penal e de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º, 132º, nº1 e nº2, alínea a) do Código Penal, com base nos factos constantes da acusação de fls. 728-742, requerendo, ainda, o arbitramento de indemnização a favor da vítima BB.
* 2.
A assistente BB, acompanhou a acusação pública e deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido/demandado, peticionando a condenação do mesmo no pagamento da quantia global de € 60.000,00, referente a danos de natureza não patrimonial, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.
* 3.
Realizada a audiência de julgamento, com intervenção do Tribunal Coletivo, foi proferido acórdão, em 29.11.2021, no qual se decidiu: - CONDENAR o arguido AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, p. e p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, alínea a), nº 2, alíneas a) e b), nº 4 e nº 5 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão; - CONDENAR o arguido AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado tentado, p. e p. pelos artigos 22º, 23º, 73º, 131º e 132º, nº 1 e nº 2, alínea b) do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão; - Em CÚMULO JURÍDICO das penas aplicadas, CONDENAR o arguido na PENA ÚNICA DE 6 (SEIS) ANOS DE PRISÃO; - CONDENAR ainda o arguido na pena acessória de proibição de contactos, por si ou por interposta pessoa, e por qualquer meio, com BB, pelo período de 4 (quatro) anos (artigo 152º, nºs 4 e 5 do Código Penal); - Não arbitrar a indemnização peticionada pelo Ministério Público, em face do pedido cível formulado pela assistente nos autos; - Julgar parcialmente procedente, por provado, o pedido cível formulado, e, em consequência, CONDENAR o arguido/demandado a pagar à assistente/demandante BB a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros), pelos prejuízos causados, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos contados da notificação para contestar até integral pagamento, ABSOLVENDO o arguido do demais peticionado; (…).
* 2.
Inconformados com o decidido, recorreram o arguido e a assistente, extraindo da motivação dos recursos por si interpostos as conclusões que, na parte com interesse, se transcrevem: 2.1.
Do recurso do arguido: (…) III – A fls. ... dos autos, resulta que o computador pessoal do arguido, objecto de perícia, foi apreendido, a 14 de Abril de 2021, no quarto em que este habitava sem que, para o efeito tenha sido ordenada por autoridade judiciária ou validada pelo Mmº JIC, busca domiciliária nos termos do Art. os 177º nos 3 e 4 CPP.
IV – O arguido também não prestou consentimento, documentado nos autos, para tal – Art.º 174º nº 5 b) CPP, nem tampouco a dita perícia foi realizada em contexto de flagrante delito – Artº 174º nº 6 CPP.
V – Como melhor decorre do auto de apreensão do aludido computador, a fls. ..., “Os objectos acima mencionados foram apreendidos após deslocação dos elementos deste núcleo à residência sita em Rua ... – ... – ... ..., onde se encontrava hospedado o arguido, AA, para efeitos de recebimento de todos os bens ali existentes.
..” (sublinhado e negrito nossos).
VI – Os elementos do OPC, a 14 de Abril de 2021, apenas se deslocaram àquela residência uma vez que o arguido fora sujeito à medida de coacção de prisão preventiva a partir do dia 08 de Abril de 2021 e não ter havido nenhum familiar ou conhecido deste que dali recolhesse os seus bens (de notar que o arguido é cidadão estrangeiro, não tendo, em Portugal, quaisquer amigos ou familiares para além de mulher – a Assistente – e filhos).
VII – A pedido do arguido, e como também decorre do Termo de Entrega a fls. ..., os seus pertences ali existentes foram entregues – à excepção do referido computador – ao seu filho CC..
VIII – Deste modo, aquela apreensão é nula porque consequência directa de uma busca domiciliária também ela contrária aos preceitos acima enunciados, vício que desde já se argui para todos os efeitos legais.
IX – De facto, nos termos do Art. 126º nos 2 a) e 3 CPP e do Art.º 32º nº 8 da CRP, a busca domiciliária e consequente apreensão constituem um método proibido de prova e, como tal, não deveria ter sido valorado pelo D. Tribunal recorrido.
X – Neste sentido, vide Ac. STJ de 27.08.2021, relatado por Nuno Gonçalves, assim sumariado: IX. Quando os dados ou documentos apreendidos tenham conteúdo suscetível de revelar dados pessoais ou íntimos, que possam pôr em causa a privacidade dotitular oude terceirosão, sobpena de nulidade, apresentados ao juiz, que ponderará da junção aos autos tendo em conta os interesses do caso – Art. 16º n.º 3. da citada Lei.
X. A nulidade resultante da não apresentação ao juiz de instrução dos dados e documentos apreendidos em suporte ou sistema informático, que tenham aquele conteúdo particular, consubstancia a proibição de obtenção de prova, estatuída nos Arts. 32º n.º 8 da Constituição da República e 126º do CPP.
XI. As provas obtidas com intromissão na vida privada, na correspondência e nas telecomunicações não são nulas se o seu titular nisso consentir, livre e esclarecidamente - art.º 126º n.º 3 do CPP – porque não são obtidas por método proibido, não advindo ao processo por “abusiva intromissão” naqueles direitos fundamentais.
XI – Apesar de autorizada pela Digna Mag.ª MP, nos termos do Art.º 16º nº 1 da Lei do Cibercrime (L. 109/2009 15.09), a perícia ao computador foi-o no pressuposto, errado, s.m.e, de que as formalidades para obtenção do sistema informático em causa haviam sido respeitadas, o que, na realidade, não aconteceu como exposto supra.
XII – Daí que, nos termos do Artº 122º nº 1 CPP, a dita perícia, imediatamente subsequente a uma apreensão nula, consubstanciadora de prova proibida, se encontra também ferida de nulidade, em obediência à Teoria do Frutos da Árvore envenenada.
XIII – Ainda que assim não fosse – o que só por mera hipótese académica se concede – sempre o conteúdo procurado e susceptível de ser encontrado através da mencionada perícia poderia lesar a intimidade do arguido e/ou da vítima, levando a que se tivesse dado cumprimento aos comandos dos Art.o 16º nº 3 LCC, o que, compulsados os autos, comprovadamente, também não aconteceu.
XIV – Razão por que, mais uma vez, a apreensão dos dados informáticos contidos no computador do arguido constitui proibição de prova nos termos do Artº 126º nº 3 CPP.
XV – Assim, não deveria o D. Tribunal Colectivo a quo ter dado por provado o facto 86, nem argumentar/concluir que, o arguido “detinha tais vídeos íntimos, não merecendo credibilidade o referido pelo arguido quanto à perda da pen que continha tais vídeos e sendo o arguido o único com conhecimento do nome da assistente (note-se que dos vídeos consta expressamente o nome e a nacionalidade da assistente) e com interesse nessa divulgação, a que acresce o fato de o arguido ser consumidor de conteúdos pornográficos (cfr. assumido pelo mesmo em audiência e corroborado pela perícia efetuada ao seu computador, não obstante a formatação do disco),resulta evidente ao Tribunal que foi o arguido quem publicou, nos sites descritos na listagem de fls. 515 e 516, vídeos íntimos do casal (embora não saibamos em concreto quantos, uma vez que a assistente não conseguiu precisar e tal não decorre igualmente do depoimento do filho CC), sem a autorização ou consentimento da assistente.” XVI – Até porque do ponto de vista das regras da experiência, a inferência lógica (?) plasmada na fundamentação do D. acórdão recorrido - segundo a qual o arguido é “consumidor de conteúdos pornográficos” e, por isso, o único penalmente responsável pela difusão de vídeos íntimos da Assistente sem o consentimento desta - não parece ter muito sentido.
XVII – Por outro lado, das declarações do arguido, não resulta, como afirmado no D. Acórdão recorrido, que o mesmo tenha assumido ser consumidor de conteúdos pornográficos – audite ficheiro MP3 20210916095416_4047060_2870943, 1:14:30 até 1:17:07, nem a testemunha CC, do arguido e da Assistente, soube dizer quem tenha sido o autor da divulgação dos aludidos vídeos. Senão vejamos: Mm.ª Juiz Presidente – E quem é que publicou? Sabe? Test. CC – Nós não sabemos.
Ficheiro MP3 20210916155527_4047060_2870943, 39:05 até 39:07 XVIII – Deste modo, e pelo que vem de se dizer, nomeadamente porque assente em prova proibida, deveria o arguido ter sido absolvido da prática de um crime de violência doméstica, p.p. Artº 152º nº 2 b) CP deverá ser revogada.
(…) XXX – No entanto, e quando assim se não entenda, sempre o Art.º 152º nº 1, parte final, prevê que “...é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.”, tendo o legislador introduzido aqui uma cláusula de subsidiariedade expressa relativamente a outros tipos de crime.
XXXI – Neste sentido, vide Ac. Rel. Porto de 16.02.2021, relatado por José Adriano, in www.dgsi.pt: “Perante a expressão que consta da parte final do n.º 1 do artigo 152.º do CP, em que, a seguir à pena aplicável, se refere «se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal», entendeu o tribunal recorrido que há um concurso aparente (subsidiariedade expressa) entre o crime de violência doméstica e o crime de violação agravada, punindo-se o arguido com a pena deste último, por ser a mais grave. Tal acontecerá sempre que com o de violência doméstica concorrerem outros crimes puníveis com pena superior a 5 anos de prisão, o que fará com que a punição por algum destes crimes afaste a punição pelo crime de violência doméstica, posição que tem sido amplamente defendida, quer na doutrina, quer na nossa...
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