Acórdão nº 589/20.8T9GRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelJORGE JACOB
Data da Resolução17 de Março de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO: Nos autos de processo comum (tribunal colectivo) supra referenciados, que correram termos pelo Juízo Central Cível e Criminal ... – Juiz ..., após julgamento com documentação da prova produzida em audiência foi proferido acórdão em que se decidiu nos seguintes termos: (...) Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem este Tribunal Coletivo em julgar parcialmente procedente a acusação pública e em consequência decidem: a) – Condenar o arguido AA pela prática de 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 171º, n.ºs 1 e 2 Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Suspender a pena de 2 anos e 6 meses de prisão por igual período, com sujeição a regime de prova, a definir pela equipa da Direção Geral de Reinserção Social e dos Serviços Prisionais.

b)- Condenar o arguido AA, nos termos do art. º 69º-B, nº2 do Código Penal na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores por um período de 5 (cinco) anos; e nos termos do art.º 69º-C, nº2 do Código Penal na pena acessória de proibição de o arguido assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período de 5 (cinco) anos; c)- Absolver o arguido AA pela agravação prevista no art.º 177º, n.º 1, al b), Código Penal.

d)- Absolver o arguido AA pela prática de um crime de coação p. e p. pelo art 154.º, nº1 do Código Penal.

e – Condenar o arguido BB pela prática de 1 (um) crime de coação p. e p. pelo art 154º/1 do C.Penal na pena de 100 (cem) dias de multa à taxa diária de € 5,00 (cinco euros) [por reporte aos factos acima dados como provados em 15-; 30- e 31].

f) – Absolver o arguido BB pela prática de dois crimes de coação p. e p. pelo art 154º/1 do C.Penal.

g)- Condenar o arguido CC: - pela prática de 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 171º, n.ºs 1 e 2 Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão [por reporte aos factos dados como provados de 17 a 20]; - pela prática de 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 171º, n.ºs 1 e 2 Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão [por reporte aos factos dados como provados de 21 a 24]; - operando o cúmulo jurídico, condenar o arguido CC na pena única de 4 (quatro) anos de prisão; - Suspender a pena de 4 anos de prisão na sua execução, por igual período, com sujeição a regime de prova, a definir pela equipa da Direção Geral de Reinserção Social e dos Serviços Prisionais.

h)- Condenar o arguido CC nos termos do art. º 69º-B, nº2 do Código Penal na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores por um período de 5 (cinco) anos; e nos termos do art.º 69º-C, nº2 do Código Penal na pena acessória de proibição de o arguido assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período de 5 (cinco) anos e operando o cúmulo das penas acessórias assim fixadas e lançando mão dos critérios antes convocados para este efeito fixa-se a medida da pena acessória única prevista pelo n.º 2 do artigo 69.º-B do Código Penal em 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses e a pena acessória única prevista pelo n.º 2 do artigo 69.º-C do Código Penal em 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses.

i) Absolver os coarguidos DD, EE da prática, em coautoria material e na forma consumada de dois crimes de favorecimento pessoal, p. e p. pelo art.º 367 n.º 1, do Código Penal.

j) Condenar os arguidos AA, BB e CC, nas custas do processo, incluindo o valor dos encargos a que deu causa, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC (cfr. artigos 513º/1, 2 e 3, 514º/1 e 524º do Código Processo Penal e artigos , , 3º/1, 5º, 8º/9, 16º e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais); k) Determinar que se comunique à equipa da Direção-Geral de Reinserção Social e dos Serviços Prisionais informação, solicitando oportunamente, a elaboração do plano de reinserção social do arguido.

l) Declarar nos termos dos artigos 213º/1-b) e 214º/2, ambos do Código de Processo Penal, extinta de imediato a medida de coação de prisão preventiva e ordenar a restituição imediata do arguido CC à liberdade (a não ser que interesse a sua privação da liberdade à ordem de outro processo), por o arguido ter agora sido condenado em pena de prisão que foi substituída por suspensão da pena na sua execução; m) Determinar que, oportunamente, se proceda à recolha de amostras de células humanas dos condenados para inserção na base de dados de perfis de ADN, solicitando ao Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses que nos indique instituição, dia e hora para recolha das amostras, após o que deve notificar-se o arguido para comparência e colheita – cfr. artigos 1º, 5º/1, 8º/2 e 14º e ss. da Lei n.º 5/2008, de 12/2; n) Determinar que se proceda à recolha das impressões digitais dos arguidos e da sua assinatura, com vista à organização do respetivo ficheiro datiloscópico, e que, oportunamente, com as mesmas, se remeta boletim ao registo criminal – cfr. Lei n.º 37/2015, de 5/5).

(…) Inconformado com o acórdão do tribunal colectivo recorre o Ministério Público, retirando da motivação do recurso as seguintes conclusões: 1º - Os factos praticados pelos arguidos AA e CC integram a prática do crime de abuso sexual agravado, p. e p. pelo art. 171.º n.º 1 e 2 e 177.º n.º 1 al. b) do C. Penal, pelo qual deveriam ter sido condenados, e o que se terá que reflectir na medida da pena a aplicar aos arguidos.

  1. - Com efeito, os arguidos AA, CC e a vítima FF residiam todos na instituição Instituto de (…), sita na (…), onde coabitavam, tendo praticados os factos com aproveitamento desta relação de coabitação.

  2. - Consideramos que o tipo agravado prevê apenas um requisito complementar, comparativamente ao tipo base, relativo à ilicitude, quando entre o agente e a vítima interceda uma relação familiar, uma relação de tutela ou curatela ou uma relação de coabitação, sendo o requisito complementar referente à culpa (o agente pratique o facto com aproveitamento dessa relação) apenas exigível quando em causa esteja uma relação de dependência económica, hierárquica ou de trabalho.

  3. Desde logo porque a introdução do critério da coabitação como factor de agravação da pena visou transpor para a ordem jurídica portuguesa a previsão do art. 9.º al. b) da Diretiva 2011/93/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, segundo o qual “(…) os Estados-Membros tomam as medidas necessárias para garantir que as mesmas possam, (…) ser consideradas circunstâncias agravantes dos crimes referidos nos artigos 3.º a 7.º: b) O crime foi cometido por um membro da família da criança, por uma pessoa que coabita com a criança ou por uma pessoa que abusou de posição manifesta de confiança ou de autoridade”.

  4. - O legislador Português, ao efectuar a transposição da citada norma da Directiva, mantendo o trecho já constante da anterior redacção do art. 177.º al. b) do C. Penal (“que a vítima se encontre numa relação de dependência hierárquica, económica ou de trabalho com o agente e o crime seja praticado com aproveitamento desta relação”) passou a incluir na alínea b) do art. 177.º “a relação familiar, de coabitação, de tutela ou curatela que separou do anterior excerto da norma com uma vírgula e pela conjunção “ou”, pelo que, da análise meramente gramatical e histórica da norma em apreço, afigura-se-nos desde logo que a exigência de que “o crime seja praticado com aproveitamento desta relação” se reporta exclusivamente “à relação de dependência hierárquica, económica ou de trabalho” e já não à relação familiar, de coabitação, de tutela ou curatela.

  5. - Do mesmo modo, efectuando a interpretação lógica, teleológica e axiológica do art. 177.º n.º 1 al. b) do C. Penal, temos que concluir que a exigência de que “o crime seja praticado com aproveitamento desta relação” se reporta apenas à dependência hierárquica, económica ou de trabalho”, sendo certo que o legislador comunitário estabeleceu que os Estados Membros deveriam punir de forma agravada as condutas praticadas por membro da família da criança ou por uma pessoa que coabita com a criança, sem que a isso associe qualquer outro critério ao nível da culpa ou da ilicitude, de que dependa a punição agravada.

  6. - O sentido da agravação reside na própria relação familiar ou na proximidade resultante da vivência em comum, sendo os factos praticados nestas circunstâncias merecedores de uma censura penal agravada, que consubstancia, só por si, um aproveitamento da relação existente entre o agente e a vítima para a prática dos factos.

  7. - No entanto, ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que a conduta dos arguidos resultante dos factos dados como provados de 1 a 29, constitui não só uma relação de coabitação, mas também que os factos foram praticados com aproveitamento dessa relação de coabitação.

  8. - Com efeito, os factos dados como provados em 1, 5, 17, 18 e 21 são reveladores de que os arguidos actuaram com a consciência – e vontade – de se aproveitar do menor, com quem coabitavam por força de todos integrarem a mesma instituição de acolhimento, abusando da sua superioridade resultante da idade e do poder de influência que detinham sobre os mais novos (cfr. factos dados como provados em 7, 9, 12, 22, 24), mas sobretudo da facilidade com que permaneciam nos espaços daquela instituição (ginásio e camaratas) sozinhos com o menor ofendido, sem qualquer vigilância dos responsáveis daquela instituição.

  9. - Não fora a circunstância dos arguidos coabitarem com o menor FF, e de essa coabitação permitir que todos permanecessem nos mesmos espaços desacompanhados, inclusivamente nas...

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