Acórdão nº 215/20.5T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelRAQUEL BAPTISTA TAVARES
Data da Resolução10 de Março de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório M. P. – RENT A CAR, S.A., com sede na Rua …, na Figueira da Foz, intentou contra X SEGUROS, S.A., com sede na Avenida …, em Lisboa a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de €77.847,95, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento (calculados: sobre €50.000,00 desde 23 de Março de 2019, mostrando-se vencidos até 14 de Janeiro de 2020 €2.847,95 e vincendos até efetivo e integral pagamento; e sobre €25.500,00 a contar da data da citação para os termos da presente ação e até efetivo e integral pagamento).

Alegou, para tanto, ter celebrado com a Ré um contrato de seguro, titulado pela Apólice nº ....21, com início em 11/04/2017, que foi sucessivamente renovado, o qual cobria o furto ou roubo do veículo automóvel marca Mercedes –Benz, modelo E 250 Bluetec, com a matrícula PL.

Mais alegou que alugou tal veículo a R. J., residente nesta cidade de Guimarães e que o mesmo lhe comunicou que, entre as 20.00 horas do dia 17 de dezembro de 2018 e as 12.00 horas do dia seguinte tal veículo terá sido retirado do local onde aquele o estacionara, ou seja, na Rua ...

, em Guimarães, pelo que, nesse mesmo dia 18, apresentou no Comando Distrital de Braga da Policia de Segurança Publica, Divisão Policial de Guimarães, denúncia por furto.

Prosseguiu dizendo que a Ré se recusa a proceder ao capital seguro de €50.000,00, mais invocando prejuízos de €25.000,00 por privação da faculdade de alugar tal viatura.

Regularmente citada, a Ré não deixou de contestar impugnando a factualidade alegada e dizendo que tomou conhecimento de várias circunstâncias que fazem duvidar da ocorrência do alegado furto participado, das quais avultam as seguintes, que impediram que esta regularizasse o sinistro: - o veículo encontrava-se alugado desde o dia 2 de Janeiro de 2018 e devia ser entregue, por termo do contrato, no dia 18 de Janeiro de 2018, ou seja no próprio dia ou no dia seguinte àquele em que ocorreu o alegado furto; - foram recolhidas duas chaves do veículo, estando uma partida e sem funcionar, sendo que a segunda chave (que estaria na posse do locatário) não era da marca e não correspondia ao veículo pretensamente furtado, o que fez com que a Ré se questionasse sobre o paradeiro da chave que fazia o motor funcionar.

Por fim, excecionou o facto de o contrato de seguro em causa excluir expressamente o ressarcimento de indemnizações por lucros cessantes, de tudo o que concluiu pela improcedência da causa.

A Autora não apresentou resposta.

Foi dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador e despacho destinado à identificação do objecto do litígio e a enunciar os temas da prova.

Veio a efectivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva: “Nestes termos e face ao exposto, julgo totalmente improcedente a ação e, em consequência, absolvo a Ré “X Seguros, S.A.” de todo o pedido contra ela formulado.

*Custas pela Autora – art.º 446.º, do Código de Processo Civil.

Notifique e registe.” Inconformada, apelou Autora da sentença, concluindo as suas alegações da seguinte forma: “I.

A Autora, ora Apelante, não podendo conformar-se com a douta decisão, vem da mesma apresentar Recurso de Apelação, entendendo que a mesma faz incorreto julgamento de matéria de facto e de direito, violando, designadamente o disposto nos artigos 9.º, 334.º 342.º, 343.º 344.º, 345.º, 405.º, 798.º e 799.º, 805.º e 806.º do Código Civil, 102.º e 128.º da Lei do Contrato de Seguro, 11.º Lei das Cláusulas Contratuais Gerais e 615.º, n.º 1 c) do Código do Processo Civil.

II.

Conclui-se pela circunstância de dever constar dos factos provados: Facto 49: No dia 18 de dezembro de 2018 o veículo Mercedes Benz, com a matrícula PL, em virtude de ilícito criminal, desapareceu; III.

A mera aplicação do direito, bem como as contradições insanáveis presentes na douta Sentença, maxime na sua fundamentação, na fundamentação da matéria de facto dada como provada, no percurso de formação da convicção do douto Tribunal a quo, não permitem outra conclusão, sob pena de insanável contradição e nulidade que fere a sentença, cf. artigo 615.º, n.º 1 c).

IV.

No caso sub judice a Apelante/Autora trouxe ao Tribunal a sua pretensão indemnizatória, fundada no incumprimento pela Apelada/Ré de prestações/obrigações, emergentes do contrato de seguro.

Para que o Tribunal pudesse apurar daquele incumprimento teria de convencer-se do direito da Autora a ser indemnizada, ou melhor dizendo porque a pretensão não é facto, teria de reconhecer o direito da Autora a ser indemnizada, no âmbito do Contrato de Seguro com o número ....21, o que aqui se propugna, com a douta Revogação da Sentença e a sua substituição por Acórdão que reconheça aquele direito e consequentemente condene a Apelada no Pedido.

V.

São constitutivos da pretensão indemnizatória da Autora: - a ocorrência de um ilícito ; - culposo; - a verificação de um dano; - o estabelecimento de um nexo causal entre o ilícito culposo e o dano sofrido.

VI.

A douta Sentença, salvo o devido respeito que muito é (e nunca a discordância e dialética de pensar e colocar em crise decisões judiciais pode ser vista como um desrespeito ou desvalorização do trabalho probo de quem julga), incorre em errada aplicação das regras do ónus da prova, cuja enunciação se encontra nos artigos 342.º, 343.º, 344.º e 345.º do CC. Normativos que adoptam um critério funcional do ónus da prova.

  1. O artigo 342.º do CC, inolvidavelmente, estatui a regra de repartição do ónus probandi, que, em moldes simplistas determina a oneração da parte que pretenda ver reconhecido um direito ou pretensão com a prova dos factos constitutivos desse direito.

  2. Dispõe o artigo 344.º do CC sobre a inversão do ónus da prova.

  3. E no artigo 343.º do CC estatui o legislador regras sobre o ónus da prova em casos especiais, que é o mesmo que dizer, da simples leitura daquele normativo, casos em que a regra geral da repartição do ónus da prova, pela dificuldade que colocaria na parte onerada com o facto constitutivo, conduziria à inviabilização de pretensão justa ou (dito de outro modo) impossibilidade de realização de justiça.

  4. O artigo 345.º do mesmo diploma legal, por seu turno, estabelece regras e limites sobre as convenções de prova. De onde se extrai, perdoe-se o silogismo, que é possível que as partes convencionem regras sobre a repartição do ónus da prova.

    VII.

    O alfa e o ômega do processo sub judice encontra-se exatamente na existência ou não do sinistro, bem como e sobretudo no ónus da prova.

    Considerou a douta Sentença que a existência do furto ou roubo, enquanto facto constitutivo do direito da Apelante, que é, fica submetido à regra geral de repartição do ónus probatório, i. é, onera a Autora/Apelante.

    Mais considera que a Autora/Apelante não provou o facto constitutivo ou sinistro, pelo que assim improcede, necessariamente, todo o petitório, premissa e conclusão de que discordamos frontalmente.

    Mesmo aceitando que a prova daquele facto onerasse a Apelante, ou à mesma incumbisse, o que não é líquido, sempre teremos de analisar o limite de exigência de prova do indício (mais do que prova), sob pena de a tornar impossível, VIII.

    Socorremo-nos das palavras de Joana Beirão, ob cit. (remetemos para melhor identificação da citação em alegações), para melhor encontrar os limites ao ónus da prova do que invoca um direito, sob pena de tornar tal prova impossível: «(…)tendo por base o regime legal, aquele que invoca um direito não tem de provar todos os factos, positivos e negativos, necessários à boa decisão da causa, porquanto tal apresentar-se-ia como irrazoavelmente difícil, ou até mesmo, impossível. Antes, verificámos que o legislador, sobretudo no artigo 343.º do CC procurou atribuir o ónus à parte que se encontra em melhor situação para a produzir - o que, como veremos, nem sempre sucederá, nem chegará para acautelar o fim do processo.» IX.

    Pelo que, nos casos em que se verifique uma efetiva dificuldade de prova do facto constitutivo, o espírito da lei, determinaria por si só que o ónus recaísse sobre a parte contrária.

    Contudo, e quando assim não seja, sempre terá de haver um limite razoável para a exigência de prova, a exigência de indícios probatórios, não podendo a mesma ser de tal ordem que inviabilize que, na prática, um facto se torne impossível de provar.

    Pelo que é legítimo perguntar que prova tem a Apelante de oferecer ao Tribunal para provar a existência de um furto.

    O douto Tribunal a quo diz-nos que não basta uma participação criminal por furto para convencer o Tribunal de que o furto aconteceu.

    X.

    A Apelante não se limitou a carrear ao processo uma mera informação da participação criminal por furto, o douto Tribunal teve também prova de que a viatura era propriedade da Autora, prova da colaboração imediata e completa da Apelante com a Apelada, facultando-lhe todos os elementos solicitados em curto espaço de tempo, anuindo imediatamente à peritagem das chaves da viatura no fabricante na Alemanha, bem como teve o doutro Tribunal acesso à informação certificada pelo DIAP de que não se lograra encontrar o veículo, certidão também entregue, em tempo adequado, à Apelada.

    Pelo que, teria o Tribunal de concluir, como terá de concluir este Venerando Tribunal, que a Autora fez prova do sinistro.

    XI.

    In casu consimili decidiu o douto Tribunal da Relação de Lisboa, em Acórdão de 22 de Novembro de 2018, no âmbito do processo 18262/17.2T8LSB.L1-2, cujo Relator foi o Venerando Desembargador Pedro Martins «I- O segurado tem o ónus da prova de que o veículo foi furtado, mas para tal basta a existência de uma participação às autoridades policiais, feita em circunstâncias tais que não ponham em causa a seriedade da mesma, ou seja, que apontem para a sua verosimilhança. É depois à seguradora que cabe a prova de...

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