Acórdão nº 568/19.8T8PFR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Março de 2022
Magistrado Responsável | JOAQUIM BOAVIDA |
Data da Resolução | 10 de Março de 2022 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães (1): I – Relatório 1.1. X – Mobiliário Internacional, SA, intentou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Y – Transportes Nacionais e Internacionais, SA, pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 10.061,55, com fundamento no incumprimento de um contrato de transporte de mercadorias.
*A Ré apresentou contestação e requereu a intervenção acessória provocada de W – Transporte … International, Lda.
, e de K – Companhia de Seguros, SA.
Admitido o chamamento, as intervenientes K e W contestaram, tendo esta última requerido a intervenção acessória provocada de T. (Portugal), Transitários, Transportes e Serviços Complementares, Unipessoal, Lda.
Na sequência da admissão deste último chamamento, a T. também apresentou contestação.
*1.2.
Depois da audiência prévia, proferiu-se despacho-saneador, definiu-se o objecto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente e a condenar a Ré Y no pagamento à Autora do valor de € 2.441,55, acrescido de juros de mora até efectivo e integral pagamento desde a data da sentença.
*1.3.
Inconformada, a Autora interpôs recurso de apelação da sentença, formulando as seguintes conclusões: «I. O presente recurso vem interposto da decisão do Tribunal a quo que julgou, de acordo com o Artigo 23º da convenção CMR, a indemnização dos danos da Recorrente dados como provados no montante de €6.277,55 limitados ao valor de € 2441,55, julgando a presente acção apenas parcialmente procedente para a aqui Recorrente; II. Na aludida sentença (ref. nº 175238827), o Tribunal a quo fundamentou a sua decisão no facto de “No caso dos autos provou-se que existiu um incumprimento contratual porquanto a ré Y não entregou a mercadoria no prazo contratado e mesmo quando a mercadoria foi encontrada estava totalmente danificada. Por outro lado, não se provou que tivesse existido dolo ou qualquer acto voluntário do transportador que tenha sido a origem ou a causa do incumprimento contratual. Teremos portanto, face aos factos provados, que aplicar o disposto no artigo 23º da Convenção.”; III. Entendeu assim o Tribunal recorrido que “de acordo com o estipulado no artigo 23º da Convenção a autora terá direito a receber (…) uma indemnização limitada ao valor de € 2.441,55.”; IV. A Recorrente nunca poderia conformar-se com tal decisão porquanto resulta claro da factualidade provada e não provada, não só o incumprimento contratual por parte da ora Recorrida e os danos sofridos pela aqui Recorrente, mas também a conduta negligente e grosseiramente temerária da Recorrida; V. Resulta da factualidade dada como assente pelo digníssimo tribunal a quo, que a Recorrente celebrou com a Recorrida, em 21 de Maio de 2018, um contrato de transporte de mercadorias.
VI. A Recorrida obrigava-se a transportar a mercadoria da Recorrente, que consistia em mobiliário, de Portugal para França, mediante pagamento do preço; VII. Ficou estipulado que o serviço de entrega dessa mercadoria seria em regime de “entrega expresso”; VIII. A mercadoria teria que ser entregue impreterivelmente no dia 24 de Maio de 2018; IX. A Recorrida não só não procedeu à entrega da mercadoria na data expressa e imperativamente acordada; X. Como perdeu completamente o rasto à mercadoria que lhe havia sido entregue para transportar; XI. E não se bastou pela perda absolutamente negligente do rasto da mercadoria; XII. A partir da data em que não entregou a mercadoria como se havia obrigado, nunca indagou junto de quem quer que fosse sobre o sucedido, bem como nunca tentou localizar a mesma; XIII. Interpelada sistematicamente pela Recorrente a Recorrida nunca prestou quaisquer informações à mesma; XIV. A Recorrente nunca assumiu qualquer postura diligente ou activa no sentido de insistir junto da sua subcontratada (ou quaisquer outras) por informações ou explicações acerca da mercadoria transportada; XV. O contrato descrito nos autos respeita a um contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada, regulado pela Convenção Relativa ao Contrato Internacional de Mercadorias por Estrada (CMR); XVI. O transportador é efectivamente responsável pela perda total ou parcial da mercadoria transportada; XVII. É apanágio do nosso ordenamento jurídico que o responsável pelo dano está obrigado a reparar integralmente o dano sofrido pelo lesado; XVIII. No âmbito da CMR está efectivamente previsto um regime especial de indemnização, limitando o seu valor; XIX. Essa limitação da indemnização não ocorre se o dano provier de dolo do transportador ou de falta que lhe seja imputável e que, nomeadamente segundo a lei portuguesa, seja considerada equivalente ao dolo; XX. Quando houver dolo do transportador ou falta equivalente, a indemnização deve reparar integralmente os danos verificados; XXI. A jurisprudência dos tribunais superiores tem entendido, para os efeitos do artigo 29º da CMR, como falta equivalente ao dolo, a negligência ou mera culpa que, conjuntamente com o dolo, faz parte da culpa lato sensu; XXII. No regime jurídico português, que equipara o dolo e a mera culpa, para efeitos de responsabilidade civil contratual, o transportador, com um comportamento meramente negligente, não beneficia da exclusão ou limitação da sua responsabilidade civil prevista na CMR; XXIII. Dúvidas não persistem de que a Recorrida deve indemnizar a Recorrente pela totalidade dos danos dados como provados em sede de audiência de julgamento decorrentes do incumprimento do contrato em crise nos autos; XXIV. Incumbia à Recorrida ser diligente e zelar pela conservação da mercadoria enquanto a mesma se encontrasse sobre a sua posse, evitando que se perdesse sem paradeiro e se deteriorasse ao ponto em que posteriormente foi encontrada; XXV. A Recorrida teve um comportamento totalmente inesperado, irresponsável, negligente e totalmente desfasado da actuação do homem médio; XXVI. Incumpriu com o prazo de entrega “EXPRESSO” contratualmente estipulado; XXVII. E perdeu absolutamente o rasto a uma mercadoria com 210kg, prestando em cada uma das sucessivas interpelações ao longo de vários dias seguintes, informações inócuas à Recorrente quanto à sua localização; XXVIII. Acabando por ser esta a responsável pela localização da mercadoria que, por sua vez, se encontrava totalmente destruída; XXIX. A Recorrida encontrava-se no dever de custódia da mercadoria, velando pela sua guarda e rastreando o seu paradeiro, tal como o faria um bonus pater famílias, o que manifestamente não fez; XXX. Por tal, deve a Recorrente ser indemnizada pela totalidade dos danos e prejuízos dados como provados em sede de audiência de julgamento decorrentes da actuação grosseiramente negligente da Recorrente.
XXXI. Desta feita, nunca poderia a Recorrente conformar-se com a sentença recorrida uma vez que faz uma apreciação errada dos factos e do direito que justificam a exclusão da limitação da responsabilidade da Recorrida nos termos do artigo 29º da CMR; XXXII. Assim devem vossas excelências, em conformidade com o exposto, revogar a sentença recorrida, condenando em definitivo a Recorrida a pagar à Recorrente o montante de danos dados como provados pelo tribunal a quo; XXXIII. No montante de €1.181,55 (mil cento e oitenta e um euros e cinquenta e cinco cêntimos) relativo ao prejuízo com a mercadoria que apareceu totalmente destruída e mercadoria de substituição que teve de enviar, bem como €5.096,00 (cinco mil e noventa e seis euros) respeitante ao prejuízo com os seus colaboradores, nomeadamente com alimentação e estadia; XXXIV. Danos num total global de €6.277,55 (seis mil euros, duzentos e setenta e sete euros e cinquenta e cinco cêntimos).
Termos em que, revogando a decisão ora em crise e condenando a Recorrida no pagamento integral dos danos dados como provados pelo tribunal a quo no valor global de €6.277,55 (seis mil euros, duzentos e setenta e sete euros e cinquenta e cinco cêntimos), farão V. Exas. a devida e costumeira justiça.».
*A Interveniente K apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência da apelação da Autora.
1.4.
A Ré Y apresentou igualmente contra-alegações, pugnando pela improcedência da apelação da Autora, e requereu a ampliação do...
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