Acórdão nº 1490/11.1BELRA de Tribunal Central Administrativo Sul, 10 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelLUÍSA SOARES
Data da Resolução10 de Março de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I – RELATÓRIO Vem o Representante da Fazenda Pública, interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…..

contra o indeferimento do recurso hierárquico que tem por objecto a liquidação adicional de IRS do ano de 2007 no montante de € 7.739,50.

O Recorrente, nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos: “a. No caso sub judice, importa reafirmar que a liquidação adicional agora colocada em crise, resultou numa primeira instância da apresentação de elementos por parte do ora impugnante.

  1. As declarações dos contribuintes gozam da presunção de verdade, resultando desta presunção, a vinculação da Administração Tributária à realização da liquidação com base na declaração do contribuinte, sem prejuízo do controlo “a posteriori” dos factos por ele declarados, nos termos dos n°s 1 e 2 do art° 75° da LGT.

  2. O imperativo da fundamentação do ato tributário, como ato administrativo, apresenta uma complexidade funcional que se não reduz apenas à vertente da garantia de proteção dos administrados, antes exige também a satisfação de outros interesses, como o da racionalidade da própria decisão e o da transparência da atuação administrativa, de maneira a ficar claro porque se decide num sentido e não noutro.

  3. Neste sentido, concretiza o Prof. Marcelo Caetano, no seu Manual, pág. 477, "a fundamentação consiste em deduzir expressamente a resolução tomada das premissas em que assenta, ou em exprimir os motivos pôr que se resolve de certa maneira, e não de outra".

  4. Para que um ato cumpra o dever de fundamentação formal, não basta que contenha uma declaração fundamentada, antes deve conter um esclarecimento concreto, suficientemente apto para sustentar a decisão, não podendo assentar em meros juízos conclusivos ou em factos que os não suportam, sob pena de ficar prejudicada a compreensão da sua motivação.

  5. A fundamentação do ato administrativo tem como escopo fundamental evitar tratamento discriminatório e a permissão do administrado do uso correto de todos os meios processuais de defesa em relação à administração, defesa essa que só é suscetível de ser bem sucedida se àquele for dada a conhecer a razão de ser do procedimento tomado e que ao caso se ajuste.

  6. De realçar que apesar de arguir pela insuficiência de fundamentação da liquidação, do mesmo facto não resultou qualquer limitação para o impugnante, não o impedindo de recorrer aos meios de defesa que legalmente se encontravam ao seu dispor.

  7. A jurisprudência tem consagrado o entendimento de que um ato se encontra suficientemente fundamentado quando dele é possível extrair o percurso cognoscitivo seguido pelo agente para a sua prática, por conseguinte deve a fundamentação responder às necessidades de esclarecimento do sujeito passivo, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática.

  8. As correções efetuadas no âmbito do procedimento inspetivo à atividade do sujeito passivo relativo aos anos de 2002, 2003, 2004 e 2005, foram devidamente notificadas; j. Como resulta da informação elaborada pelo Serviço de Inspeção - DIT 1, no âmbito do processo de Reclamação Graciosa (pág. 36 a 41 da RG) cujo teor se transcreve "Desses actos inspectivos, em sede de IRS, resultaram correcções aos rendimentos declarados pelo Sujeito passivo, umas favoráveis outras desfavoráveis, que lhes foram devidamente notificadas, por meio de ofício. Assim, notificaram-se as correcções aos anos de 2002 e 2003, pelo ofício nº 3.049, de 13/03/2006, as correcções do ano de 2004, pelo ofício nº 3.117, de 28/04/2009, e as correcções do ano de 2005, pelo oficio nº 23, de 04/01/2010.

    Destas correcções foi igualmente notificado o seu mandatário (Dr. M……), através dos ofícios n°s 3.048, de 13/03/2006, 3.118, de 28/04/2009, para os anos 2002 a 2004, e pessoalmente, em 29/12/2009, para o ano de 2005." k. Na sequência das respetivas correções foi emitida uma nova liquidação relativa ao ano de 2007, junta aos autos de Reclamação Graciosa pelo ora impugnante (doc. nº 1 pág. 9 da RG), a qual incorpora a respetiva nota demonstrativa da liquidação de imposto assim como os meios de defesa ao dispor do contribuinte.

  9. Pelo supra exposto e tendo em consideração os elementos de suporte da decisão em causa somos de parecer que a fundamentação neles contida é clara e congruente permitindo desde logo ao sujeito passivo a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela Administração fiscal.

  10. A CRP impõe no n° 3 do art° 268°, a exigência de uma fundamentação expressa e acessível, implicando em matéria tributária, a possibilidade de um contribuinte normal, colocado na posição do concreto contribuinte, poder aferir dos motivos de facto que conduziram à prática do ato.

  11. O impugnante tomou conhecimento da fundamentação suficiente ao controlo do ato, colocando-o na posse dos elementos subjacentes à emissão da liquidação, e estando consciente dos valores por si declarados, facilmente lhes era apreensível o “itinerário cognoscitivo e valorativo” seguido pela Administração Tributária.

  12. A decisão da Administração Tributária não só se encontra sobejamente fundamentada, como foi tomada de acordo com as disposições legais citadas e aplicáveis ao caso, pelo que se deve manter na ordem jurídica a liquidação adicional efetuada.

  13. Assim, resulta dos autos que o ato em crise se encontra devidamente fundamentado, não se verificando qualquer obscuridade, contradição ou insuficiência dos critérios utilizados, pois nele se expressam as razões, do conhecimento dos contribuintes a partir das suas próprias declarações, por que se tributou, sendo claros os motivos e os factos concretos ou de direito em que se fundou para decidir no sentido em que o fez, e ali se especificam os elementos determinantes dos critérios utilizados na quantificação do resultado fiscal relativo á liquidação adicional impugnada.

  14. Mas mais, visto que a liquidação resultou dos elementos apresentados pelos próprios contribuintes, é forçoso concluir que qualquer destinatário normal ficaria esclarecido sobre as razões que motivaram o ato de liquidação adicional.

  15. Assim, a fundamentação formal existe e é manifestamente suficiente e clara, pelo que não ocorre a violação do disposto nos artigos 268°, n° 3, da Constituição da República, dos artºs. 124º, nº 1, a) e b) 125º e 133º, nº 1 e nº 2 , al. d), todos do Código do Procedimento Administrativo.

  16. Concluindo, a liquidação adicional em apreço mostra-se fundamentada de forma bastante e suficiente, pelo que enferma do erro de julgamento a sentença recorrida.

    Nos termos supra expostos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, concedendo-se provimento ao recurso, revogando a douta sentença recorrida sendo a mesma substituída por acórdão que decida pela improcedência da Impugnação Judicial, PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.”.

    * * O Recorrido apresentou contra-alegações tendo formulado conclusões nos seguintes termos: “

  17. A douta sentença recorrida procedeu a uma correta interpretação e aplicação do direito aplicável.

  18. A decisão recorrida está em linha com a jurisprudência nacional que é pacifica no sentido de que os atos de liquidação devem ser fundamentados e que tal fundamentação deve ser contemporânea do ato e não pode ser substituída por fundamentação sucessiva ou à posteriori, quer a mesma seja efetivada em sede de reclamação graciosa, recurso hierárquico ou no decurso de processo de impugnação.

  19. No caso concreto não existiu qualquer fundamentação contemporânea do ato.

  20. A Recorrente confirma tal inexistência de fundamentação, invocando no seu recurso, como fundamentação do ato, a constante da informação referida na decisão que indeferiu a reclamação graciosa portanto, uma fundamentação sucessiva ou à posteriori.

  21. Como já se referiu esta fundamentação sucessiva ou à posteriori não é válida conforme reiteradamente e de modo unânime a jurisprudência o tem clara e exaustivamente assinalado.

  22. Pelo que a douta sentença só poderia ter decidido como decidiu, não sendo merecedora de qualquer censura.

  23. Censura que só pode ser apontada à AT que não só não fundamentou o ato como, inclusivamente, violou o direito de audição do recorrido, não o notificando para se pronunciar antes da liquidação, como resulta do art. 60º da LGT, sem que se estivesse em presença de qualquer situação em que a audição pudesse...

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