Acórdão nº 8933/21.4T8SNT-A.L1-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 08 de Março de 2022
Magistrado Responsável | FÁTIMA REIS SILVA |
Data da Resolução | 08 de Março de 2022 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam as Juízas da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa 1. Relatório AP, intentou o presente procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais contra AA, Lda, pedindo, seja suspensa a deliberação tomada na assembleia-geral do dia 12 de maio de 2021, realizada no escritório de advogados FA, sito …, em Lisboa, no respeitante à nomeação para gerente da sociedade AA Lda do sócio HD e, consequentemente, declarar suspensos todos os seus efeitos e todos os atos praticados em resultado daquela deliberação.
Alegou, em síntese, que em março de 2021 os demais dois sócios da sociedade requerida, de que é sócio e gerente desde a constituição, decidiram assumir exclusivamente a gestão da sociedade, tomando, à sua revelia, decisões em nome da mesma quanto a um restaurante que funciona no prédio explorado pela sociedade requerida, e que pertence a uma outra sociedade de que são os três sócios, conjuntamente com um terceiro.
Foi convocada para 20 de abril de 2021 assembleia geral da sociedade contendo na ordem de trabalhos a nomeação do sócio HD como gerente, simultaneamente agindo de forma a esvaziar as funções de gerente do requerente de conteúdo, não tendo tal deliberação vindo a ser aprovada nessa assembleia geral. Foi entretanto convocada nova assembleia geral, com a mesma ordem de trabalhos, convocada e realizada no dia 12 de maio de 2021, no escritório dos advogados dos outros dois sócios, com o exclusivo propósito de dificultar ou obstruir a participação do requerente nos trabalhos. A convocatória da assembleia geral de 12 de maio de 2021 para um local diverso da sede viola o art.º 377.º, n.º 6, al. a), ex vi do n.º 1 do art.º 248.º, ambos do CSC, considerando que a sociedade Requerida possui instalações apropriadas. A deliberação foi lavrada num documento avulso inidóneo (pois o livro de actas encontra-se na sede da sociedade), com o teor inverídico quanto à regularidade da convocatória, omitindo deliberadamente as razões da ausência do Requerente, e destinou-se a instruir o pedido de registo, no Registo Comercial, de designação de gerente do sócio HD, pelo que, os sócios RV e HD praticaram um acto material determinante para o preenchimento no documento de um facto falso juridicamente relevante, o que constitui indício da prática do crime descrito no art.º 256.º, n.º 1, al. d), do Código Penal.
A nomeação do sócio HD para a gerência, é de modo a permitir que, em conjunto com o gerente RV, se estabeleça a maioria de 2 gerentes necessária para obrigar a AA, Lda em todos os atos e contratos, incluindo movimentação de contas bancárias, sendo expectável que se verifique o prejuízo direto e imediato da sociedade com a demora normal da ação de anulação da deliberação social, considerando o conluio entre os dois sócios na prossecução de interesses pessoais e a total ausência de competências e de experiência profissional em funções de gestão, por parte do sócio HD, engenheiro florestal de formação, que possam justificar a sua nomeação para gerente. Os demais dois sócios pretendem o encerramento do restaurante, prejudicando a requerida, que investiu o montante das quotas dos sócios naquela outra sociedade e ainda o outro sócio.
Citada a requerida veio esta deduzir oposição, excecionando a existência de erro na forma do processo dado que a deliberação que se visa suspender envolve um terceiro, o gerente nomeado, e este não é parte neste procedimento cautelar. Arguiu igualmente a existência de conflito de interesses do mandatário que patrocina o requerente, dado ser também mandatário da sociedade requerida noutro processo, o que, defende, configura prática de ato que a lei não admite e que pode influir na decisão da causa, o que, consequentemente, constitui uma nulidade, nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
No mais alega que a deliberação tomada não padece de qualquer ilegalidade, tendo a convocatória cumprido os requisitos legais e sendo o local escolhido diferente da sede dadas as dificuldades criadas pelo requerente no acesso à mesma, que qualifica de local imaginário. A ata não padece de qualquer vício, que nunca se confundiria com as deliberações em si. Impugna a matéria relativa ao afastamento do requerente da gerência da sociedade e ao objetivo de encerramento do restaurante o qual não pertence nem à sociedade requerida nem aos sócios desta, mas sim à sociedade BB, Lda, inexistindo assim dano apreciável.
Após exercido o contraditório foi proferido despacho saneador, no qual foram julgadas improcedentes as exceções deduzidas, de erro na forma de processo e de nulidade por conflito de interesses no patrocínio judiciário, bem como a exceção de ilegitimidade passiva que se considerou arguida.
Realizou-se audiência final vindo a ser proferida, em 10/10/2021, decisão final nos seguintes termos: “Pelo exposto, o Tribunal julga o presente procedimento improcedente por não provado e, consequentemente, não suspende a execução da deliberação tomada na assembleia geral extraordinária da sociedade AA, Lda., no respeitante à nomeação para gerente do sócio HD, realizada no dia 12 de maio de 2021.
Custas pelo requerente (art.º 539.º n.º 1, do Código de Processo Civil).
* Registe e notifique.
* Após trânsito, comunique esta decisão à Conservatória do Registo Comercial competente (art.º 15.º, n.ºs 5 e 8, e art.º 9., al. h) do Código do Registo Comercial).” Inconformado, apelou o requerente pedindo seja dado provimento ao recurso, revogando-se a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância e substituindo-se por outra que ordene a providência cautelar requerida, formulando as seguintes conclusões: “DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO A. Quanto à decisão de facto, observado que se mostra na alegação/motivação do Recorrente o cumprimento do exigido pelos n.ºs 1 e 2 do art.º 640.º do CPC - e que aqui se dá por reproduzido - conclui-se que o Tribunal "a quo" fez errada apreciação e valoração dos depoimentos prestados pelas testemunhas em audiência de julgamento, cujos excertos mais significativos se transcreveram, bem como desvalorizou a prova documental junta pelo Recorrente aos autos, designadamente o e-mail dos sócios RV e HD de 29.03.2021 e o teor dos contratos de subarrendamento e de utilização do jardim que lhe foram anexados.
(o Recorrente seguiu o entendimento do Ac. do STJ de 01.10.2015, www.dgsi.pt, de que “Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.”) B. Pelo que, reapreciada a prova, de acordo com o teor constante da motivação do Recorrente, caberá a este Tribunal de recurso alterar as respostas à matéria de facto da seguinte forma: DOS FACTOS PROVADOS C. O ponto 4 dos factos provados deve ser alterado, passando a apresentar a seguinte redação: Desde a constituição da sociedade foram nomeados como dois únicos gerentes, o Requerente e sócio AP (gestor) e o sócio RV (arquiteto), sendo que o espaço onde era (é) exercida a atividade é constituído por um prédio arrendado pela Requerida, parcialmente livre de pessoas e bens, incluindo um espaço de logradouro destinado a jardim e a parque de estacionamento, sito no bairro histórico da …, em Lisboa, concretamente na Rua …, n.ºs 124 a 128.
-
O ponto 30 dos factos provados deve ser dado por “não provado” (PROVA: depoimento da testemunha Dra. CC) E. Relativamente ao ponto 31 dos factos provados, deve passar a constar, apenas que: “O Requerente não facultou o acesso e consulta do livro de actas e dos documentos relativos à situação jurídico-financeira da sociedade Requerida, elementos que não constavam da ordem de trabalhos e que lhe foram solicitados pela Dra. CC apenas no final da assembleia geral. “ F. O ponto 32. dos factos provados deve ser eliminado da matéria dada por provada, considerando ainda que essa matéria já consta do ponto 21. dos factos provados.
-
Pelas mesmas razões, deverá ser eliminado o ponto 33. dos factos provados.
-
O ponto 35. dos factos provados é manifestamente conclusivo, pelo que deve, pura e simplesmente, ser eliminado dos factos provados.
I. Com efeito, as circunstâncias que levaram à realização da assembleia geral extraordinária de 12 de maio de 2021 no escritório dos advogados FA integram, precisamente, o thema decidendum dos presentes autos, pelo que o julgador da matéria de facto está impedido de pronunciar-se sobre essas circunstâncias.
-
O ponto 38. dos factos provados deve ser dado por não provado.
DOS FACTOS NÃO PROVADOS K. Os factos indicados nas alíneas c) e k) deveriam ser dados como provados, considerando toda a prova produzida nos autos, designadamente: a comunicação por e-mail enviada pelos sócios RV e HD em 29 de março de 2021 (doc. junto ao r.i.), o teor dos contratos de subarrendamento e de utilização do jardim, anexos à referida comunicação, que impunham inaceitáveis condições, como: uma renda imediata no montante de € 3.250,00, uma caução no montante de € 3.750,00, restrições à utilização do jardim, que só podia ser utilizado para jantares, e por um prazo improrrogável de 6 meses; as demonstrações financeiras relativas à faturação do restaurante no mesmo período, que revelam que a faturação média mensal se cifrou em € 5.272,76 para pagar todos os custos (doc. junto ao r.i.); o depoimento da testemunha VA.
DO ERRO DE JULGAMENTO L. Efetuada a alteração da matéria de facto no sentido acabado de propor, outro terá de ser, como é evidente, o enquadramento jurídico dessa nova factualidade.
-
Na sentença sob recurso, decidiu-se, mal, com o devido respeito, no sentido de que se considerou justificada a realização da assembleia geral em local diverso da sede, sendo que o concreto local diverso foi o escritório dos advogados que representavam apenas dois dos três sócios da Requerida.
-
Ora, dispõe o art.º 377.º, n.º 6, al. a) do Código...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO