Acórdão nº 22031/21.7T8LSB-A.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 10 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelPEDRO MARTINS
Data da Resolução10 de Março de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados: A 24/09/2021, D-SA, veio requerer um procedimento cautelar contra V-SA, pedindo, sem prévia audiência desta, que: A. Se ordene a notificação da requerida para se abster de realizar qualquer trabalho, obra ou outro acto, de construção, demolição ou outra natureza, na empreitada que constitui o objecto do contrato celebrado entre as partes; B. Se ordene a notificação da requerida para se abster de alterar a realidade de facto da empreitada executada pela requerente, por si ou por terceiros, abstendo-se de neles fazer entrar maquinas ou equipamentos ou pessoas, bem como de alterar o seu solo ou sobre ele introduzir qualquer construção, plantação ou inovação; C. Se ordene a notificação da requerida de tudo o que for ordenado, com a cominação de incorrer na prática do crime de desobediência qualificada, no caso de infringir a providência decretada – art. 375 do CPC.

Para tanto alega, em síntese, que: a requerente e a requerida, respectivamente empreiteiro e dona de obra, celebraram entre si um contrato para a execução de uma empreitada; com fundamento em incumprimento contratual, a requerida aplicou multas contratuais, tendo por fundamento, para além do mais, atrasos na obra que foram provocados pela própria requerida; em 11/08/2021, a requerida comunicou à requerente a resolução do contrato por incumprimento e, com fundamento nesse alegado incumprimento, pretende eximir-se a pagar o preço dos trabalhos executados; à data da propositura do presente procedimento, encontram-se executados trabalhos contratuais que a requerida se recusa a medir e/ou pagar no valor de milhares de euros; nesta data, encontram-se já em obra outras empresas a trabalhar directamente para a requerida e a intervir em trabalhos executados inicialmente pela requerente; o contrato celebrado entre as partes prevê a constituição de um tribunal arbitral para dirimir os litígios decorrentes da execução do contrato entre as partes pelo que será este o tribunal competente para decidir da questão da medição e pagamento dos trabalhos executados pela requerente; podendo a requerente em sede arbitral apresentar documentos ou requerer a realização de uma perícia a fim de verificar em obra as quantidades de trabalho executadas, tal só será possível se, no entretanto, a obra se mantiver no exacto estado em que se encontra desde que a requerente foi impedida pela requerida de continuar com a execução da empreitada; uma vez iniciados os trabalhos pelo novo empreiteiro – que tem indicações para iniciar tais trabalhos até final de Setembro de 2021 -, tornar-se-á impossível determinar, com o necessário grau de certeza e segurança, quais foram os trabalhos efectivamente executados pela requerente e aqueles que o serão pelo novo empreiteiro; impossibilitando assim que a requerente consiga, a final, produzir prova bastante para, cumprindo ónus probatório que sob si impende, ver satisfeito o seu crédito; pretende com esta providência conservar inalterada a configuração dos prédios […] obstando a que no decurso da acção principal se introduzam alterações que dificultem ou prejudiquem a produção de prova com vista à determinação, neste caso, dos trabalhos efectivamente executados pela requerente; como se refere no ac. do TRL de Lisboa de 18/01/2007, proc.

9479/2006-2, “o princípio da legalidade das formas processuais – incluídas as formas incidentais – imporá que se não deva requerer providência cautelar não especificada quando se trate de garantir apenas determinados meios de prova irrepetíveis ou insusceptíveis de posterior apresentação ou produção”; Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, III Volume, 2ª ed., Almedina, 2000, pág. 69, ressalva porém, as situações em que a necessária interferência do princípio do contraditório na produção das provas, ainda que antecipada, é susceptível de tornar infrutífera a diligência, permitindo que, de forma ilegítima ou não, se esfumem os vestígios ou as coisas sobre que incide a produção de prova; sustentando tal autor que, em casos que tais, “não deve ser impedido o recurso a uma providência cautelar não especificada, se esta constituir o mecanismo imprescindível à manutenção e posterior aproveitamento das provas.” Veja-se ainda, a este respeito e em situação idêntica, o ac. do TRG de 26/10/2017, proc.

3346/16.2T8GMR-B.G1. No caso em apreço, caso a requerente requeira a antecipação da prova, v. g (perícia ou inspecção ao local) sem anteriormente obter uma ordem judicial que impeça a modificação da realidade actual da obra, corre o risco de tornar infrutífera tal diligência, isto é, há o receio de alterações na obra a muito breve trecho que prejudicarão invariavelmente tal diligência probatória antecipada. Assim e ainda que a requerente, no seguimento da presente providência, vá requerer a produção antecipada de prova nos termos previstos no art. 419 do CPC, o certo é que tal procedimento, tal como previsto na lei, não tem a bondade de impedir a requerida de praticar actos, nomeadamente a continuação da execução da empreitada, que alterem a realidade da obra e, assim, tornem inútil tal antecipação; daí que apenas com o recurso à presente providência é que a requerente conseguirá, em tempo útil, impedir uma lesão grave e irreparável do seu direito a ver serem pagos os trabalhos por si executados para a requerida e que esta última não quer pagar; assim, pelos motivos supra expostos e tendo em atenção o risco que se pretende prevenir, justifica-se que a providência seja decretada sem prévia audiência da requerida, uma vez que a sua audição, poria em risco o fim da providência, na certeza que caso a requerida venha a ser citada para os presentes autos sem que se mostre decretada a providência, a requerida irá diligenciar pela continuação da empreitada por terceiros, perdendo, assim, a providência cautelar todo o efeito útil e desejado, A 27/09/2021, o tribunal considerou que a requerente não tinha alegado factos bastantes que levassem à conclusão de que a audição da parte contrária possa pôr em causa o fim ou a eficácia da presente providência, pelo que ordenou logo a citação da requerida, o que foi logo cumprido pela secção de processos.

A 13/10/2021, a requerida apresentou oposição dizendo, em síntese da mesma, que: (ii) O meio processual adequado à pretensão da requente não é este procedimento cautelar, mas sim o incidente de produção antecipada de prova, não sendo admissível convolação, atento o princípio da legalidade das formas processuais; (iii) este tribunal judicial é absolutamente incompetente para convolar a providência cautelar requerida e conhecer de um eventual incidente de produção antecipada de prova, atenta a convenção de arbitragem celebrada entre as partes, tendo inclusivamente a requerente já instaurado acção arbitral; (iv) é no foro arbitral que eventuais medidas de preservação da prova têm de ser requeridas, nomeadamente em sede de árbitro de emergência, enquanto o tribunal arbitral não estiver constituído; (v) os fundamentos para decretar a providência cautelar não estão preenchidos porquanto (a) a providência cautelar não é necessária (a prova pode ser feita sem necessidade de parar a obra), (b) não há fumus boni iuris e (c) o prejuízo que o decretar da providência cautelar causaria à requerida é manifestamente desproporcional em relação ao prejuízo que a requerente pretende evitar; (vi) verifica-se a inutilidade do procedimento cautelar, porquanto os trabalhos de conclusão da empreitada e demais trabalhos do aldeamento turístico da requerida e que, na tese da requerente, impactariam os trabalhos por si executados foram já (e continuarão a sê-lo) executados; (vii) a narrativa da requerente não corresponde à realidade dos factos.

A 10/11/2021, foi proferida decisão que julgou procedente a excepção de incompetência absoluta deste tribunal, por preterição de tribunal arbitral voluntário e, consequentemente, absolveu a ré da instância.

A requerente veio recorrer desta decisão – para que seja revogada e para que se julgue o tribunal recorrido como competente para decretar a providência requerida -, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, transcritas na parte minimamente útil e com simplificações: B. A providência de produção antecipada de prova não tem a...

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