Acórdão nº 0291/11.1BEALM de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Março de 2022
Magistrado Responsável | FRANCISCO ROTHES |
Data da Resolução | 09 de Março de 2022 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 291/11.1BEALM Recorrente: “A…………, Lda.” Recorrido: “Instituto da Segurança Social, I.P.” 1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade acima identificada, inconformada com o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 30 de Setembro de 2021 (Disponível em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/-/e4912ca1e806124f80258760004c5036.) – que, concedendo provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública, revogou a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa e julgou improcedente a impugnação judicial –, dele interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, ao artigo do disposto no art. 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), apresentando as alegações de recurso, com conclusões do seguinte teor: «A. O presente recurso de revista tem por objecto o Acórdão proferido pelo TCAS, do qual foi a Recorrente notificada em 01.03.2021 que, negando provimento ao recurso interposto pela Recorrente da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada na parte em que esta julgou improcedente a impugnação judicial deduzida do acto tributário de liquidação adicional de contribuições à Segurança Social relativo ao período de tempo entre Dezembro de 2006 e Abril de 2010, no montante de € 12.328.423.81 (doze milhões, trezentos e vinte e oito mil, quatrocentos e vinte e três euros e oitenta e um cêntimos), confirmou aquela primeira decisão, mantendo o decaimento parcial da Recorrente em € 9.388.977,50 (nove milhões, trezentos e oitenta e oito mil, novecentos e setenta e sete euros e cinquenta cêntimos), quanto à liquidação relativa aos períodos de Dezembro de 2006 a Abril de 2010; B. Os pressupostos de que depende a admissibilidade do recurso de revista, estabelecidos no artigo 285.º, do CPPT, encontram-se reunidos in casu, pelo que deve o mesmo ser admitido; C. Em causa encontram-se questões relacionadas com a (i) determinação do regime de segurança social aplicável a trabalhadores contratados directamente para prestar trabalho noutros Estados-Membros distintos do Estado-Membro da sede da entidade patronal, questão que não impacta apenas os interesses da Recorrente e dos seus trabalhadores, mas de um elevado número de trabalhadores, do sector de actividade da Recorrente (metalomecânica) e de outros em que são comuns situações de trabalho plurilocalizado (de que é exemplo a construção civil) e, ainda, com (ii) a necessidade ou não de uma amostra em que assenta um acto tributário desfavorável praticado pela Segurança Social respeitar as regras de suficiência e representatividade impostas pela Estatística, sendo que a técnica da amostragem é comummente utilizada pela Segurança Social noutras inspecções além daquela de que foi objecto a Recorrente; D. Por isso, estão em causa questões passíveis de se repetir num número indeterminado de casos futuros, o que torna a admissão da revista claramente necessária para a melhor aplicação do direito, nos termos do n.º 1, do artigo 285.º, do CPPT; E. Por outro lado, uma das questões que pretende a Recorrente ver apreciada em sede de revista reveste uma relevância social que lhe imprime a importância fundamental a que se reporta o n.º 1, do artigo 285.º, do CPPT – saber que regime de segurança social se aplica aos trabalhadores directamente contratados para prestar trabalho noutro Estado-Membro distinto do Estado-Membro da sede da entidade patronal é uma questão particularmente sensível em termos de impacto comunitário, que causa alarme social e põe em causa a deslocação dos trabalhadores e, consequentemente, a sustentabilidade das empresas, aspecto especialmente relevante em época de crise mundial como aquela que actualmente se vive em resultado da crise sanitária –, e que se assume como um dos pressupostos que justifica a admissibilidade do recurso de revista; F. Considerando que a Recorrente foi notificada do Acórdão proferido pelo Tribunal a quo em 01.03.2021, o presente recurso de revista afigura-se tempestivo, por ter sido interposto dentro do prazo de 30 dias previsto no n.º 1, do artigo 638.º do CPC, aplicável ex vi artigo 281.º do CPPT; G.
A primeira questão que a Recorrente pretende colocar a este Supremo Tribunal Administrativo é a seguinte: afigura-se admissível, à luz do ordenamento jurídico português, o exercício de poder tributário em matéria de segurança social pelo Estado português quanto a trabalhadores directamente contratados para outros Estado-Membros, quando esse poder é conferido apenas a estes Estados-Membros nos quais é exercida a actividade dos trabalhadores, à luz do disposto no Regulamento (CE) n.º 883/2004 e no Regulamento (CE) n.º 987/2009, directamente vigentes na ordem jurídica interna? H. Entende a Recorrente que a resposta a esta questão é negativa; I. O poder tributário em matéria de Segurança Social, relativamente a trabalhadores directamente contratados para prestar trabalho noutro Estado-Membro, distinto do Estado-Membro da sede da entidade empregadora – como se considerou ser o caso dos trabalhadores da Recorrente nos períodos em causa –, é conferido apenas ao Estado-Membro onde a actividade é efectivamente exercida, nos termos do Regulamento (CE) n.º 883/2004 e no Regulamento (CE) n.º 987/2009, directamente vigentes na ordem jurídica interna; J. Isso significa, no caso dos trabalhadores da Recorrente nos períodos em causa e reiterando que se considerou que os mesmos foram directamente contratados para prestar trabalho noutros Estados-Membros (cfr. pontos 4 e 16 da matéria de facto dada como provada), que o poder tributário em matéria de segurança social não pertence ao Estado Português, mas antes aos Estados-Membros para os quais aqueles trabalhadores foram directamente contratados para prestar trabalho; K. Não pode a Segurança Social, por um lado, considerar inexistir destacamento dos trabalhadores para assim passar a incluir as ajudas de custo na base de incidência das contribuições devidas à Segurança Social e, por outro, pretender que o Estado Português tenha o poder de tributar numa situação (de ausência de destacamento e prestação de trabalho directamente noutro Estado-Membro) em que esse poder é reconhecido apenas ao Estado-Membro em que é prestado o trabalho, nos termos do artigo 11.º do Regulamento CE) n.º 883/2004; L. Entendimento distinto, como aquele que o Acórdão do Tribunal a quo pretendeu manter, conflitua com: a. jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, concretamente com o seu Acórdão de 04.02.2016, processo n.º 0405/15, disponível em www.dgsi.pt; b. o direito de propriedade protegido pelo artigo 1.º, 1.º parágrafo do Protocolo Adicional CEDH, uma vez que o Estado estará a restringir aquele direito fora as situações em que legalmente pode fazê-lo; M. Manter na ordem jurídica entendimento que responda positivamente àquela questão será manter na ordem jurídica um entendimento materialmente inconstitucional, por: i. violação de legislação comunitária que vigora directamente na ordem jurídica interna sem necessidade de transposição, em desrespeito pelo artigo 8.º, n.º 4 da CRP que consagra o princípio do primado do direito da EU sobre o direito nacional; ii. violação da liberdade de circulação de trabalhadores, prevista no artigo 45.º do TFUE e que se pretendeu assegurar com o Regulamento (CEE) n.º 1408/71 do Conselho de 14 de Junho de 1971 relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade; N. Esta é uma questão de complexidade superior ao comum, que convoca normativos de instrumentos jurídicos da União Europeia e, bem assim, nacionais, os quais têm de ser interpretados e aplicados segundo as regras de hierarquia das normas jurídicas, o que, aliado ao facto de em causa estarem interesses que ultrapassam os da Recorrente e que se colocam até num dimensão supra nacional, justifica a admissão do presente recurso de revista, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 285.º, n.º 2 do CPPT; O.
A segunda questão por que se pugna por pronúncia deste Supremo Tribunal Administrativo é a seguinte: afigura-se ou não necessário, à luz do ordenamento jurídico português, que uma amostra que esteja na base da emanação de um acto tributário desfavorável respeite as regras de suficiência e representatividade que são impostas pela área de conhecimento da qual a mesma provém – a Estatística? P. É convicção da Recorrente que se afigura necessário que uma amostra que esteja na base da emanação de um acto tributário desfavorável respeite as regras de suficiência e representatividade que são impostas pela Estatística; Q. A Estatística impõe que uma amostra, para que seja válida e permita que as conclusões extraídas sejam extrapoladas para a população considerada, tem de ser representativa dessa população, sendo recomendação dos manuais de Estatística que uma amostra deve ser composta por, pelo menos, 30 unidades estatísticas; R. Uma amostra que, como aquela utilizada pela Segurança Social (que analisou a situação concreta de 12 num universo de 330 trabalhadores da Recorrente), não respeite as regras de suficiência nem representatividade da população, as quais se impõem à amostragem no contexto da Estatística, não podem ser consideradas suficientes, representativas nem válidas para efeitos de tributação; S. Entendimento distinto deste: a. implica que se aceite que se distorçam as regras de distribuição do ónus da prova, facilitando excessivamente as respectivas regras quando esse ónus recaia sobre a entidade que pratica o acto tributário desfavorável e assim penalizando o destinatário do acto praticado, o que não se pode admitir por já ser suficientemente desigual esta relação; b. afigura-se conflituante com a jurisprudência dos tribunais superiores nesta matéria (cfr. Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, de 26.03.2015, processo n.º...
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