Acórdão nº 11/13.6TCFUN.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório 1. CC, entretanto falecido, ocupando a sua posição processual os herdeiros habilitados AA, BB e CC, instaurou contra Millennium – Banco Comercial Português, S.A., BCP Bank & Trust Company Ltd., e Serot Finance Ltd.

, a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, formulando os seguintes pedidos: “

  1. Declaração de invalidade, nulidade ou anulação e ineficácia em relação ao autor dos seguintes contratos: 1. contrato de abertura de crédito, sob a forma de conta corrente caucionada; 2. termo de Fiança datado de 30 de Setembro de 2008; 3. contrato de penhor de valores mobiliários; 4. contrato de empréstimo de € 5 000 000,00€, contraído no âmbito da conta de abertura de crédito, sob a forma de conta corrente caucionada; 5. contrato de cessão de posição contratual do réu Banco Millennium para o banco BCP Bank & Trust Company Ltd em relação a todas as contas relativas ao património do autor; 6. abertura de conta no BCP – Bank & Trust Company Ltd”, em nome da sociedade “Serot Finance Ltd”; 7. contrato de compra das acções representativas do capital social da ré Serot Finance Ltd pelo BCP Bank & Trust Company Ltd, em nome do autor, como seu gestor de negócios e com o dinheiro deste; b) Condenação do réu Millennium BCP, S. A. a restituir ao autor a importância de € 3 428 332,05, que este mantinha depositada a prazo no “Millennium – Banco Comercial Português, S.A.” e que foi transferida em 22 de Julho de 2005 para a conta da Serot Finance Ltd sem autorização e sem o conhecimento do autor; c) Condenação do réu Millennium BCP a pagar ao autor os juros semestrais do montante de € 53 000,00, que vinha sendo pagos de seis em seis meses, em remuneração do capital depositado a prazo, que deixaram de ser pagos, desde Junho de 2011 (inclusive), no montante já vencido de € 212 000,00 € e nos vincendos até final; d) Condenação dos réus no pagamento solidário ao autor de uma indemnização por danos morais, em montante nunca inferior a € 250 000,00”.

    Subsidiariamente, deduziu ainda os seguintes pedidos: “e) Declaração de que é proprietário de todos os títulos e obrigações e de todas as acções que os bancos réus possuem em nome da ré Serot Finance Ltd em conta aberta no segundo réu; f) Condenação dos réus na entrega ao autor dos títulos e obrigações e acções livres de ónus e encargos, no valor actual de € 1 700 000,00 ou de todos os títulos que, entretanto, compraram para substituição dessas acções; g) Condenação dos réus no pagamento solidário ao autor de uma indemnização global no montante de € 1 978 332,05 correspondente aos restantes danos sofridos, sendo € 1 728 000,05 de danos materiais correspondentes à diferença entre o valor do capital do autor depositado no banco réu (€ 3 428 332,05) e o valor das acções e títulos que sobram em nome da Serot Finance Ltd e comprados com o dinheiro depositado do autor (€ 1 700 000,00) e sendo € 250 000,00 de danos morais, acrescido de juros de mora, a partir da citação, à taxa de 4% sobre o montante total”.

    Alegou, para tanto, e em síntese, o seguinte: - Em Janeiro de 1988 o A. abriu uma conta de depósito a prazo (conta n.º ...08, em nome pessoal, no banco Millennium – Banco Comercial Português, S.A., com o depósito inicial de € 65.841,32; - Em Outubro de 1989 abriu outra conta de depósito a prazo (conta n.º ...94, cujo número mais tarde rectificou em requerimento de 17-03-2015 – fls. 1555 p.p. e seguintes), em nome pessoal, no mesmo banco para onde transferiu as poupanças que possuía como depositante residente nas ...; - Em 28 de Junho de 2005 depositou a prazo no mesmo banco € 500.000,00; - No Millennium BCP, S.A. o A. era atendido pelo funcionário DD, com quem negociava as taxas de juros e de quem recebia os juros remuneratórios do capital; - Em Janeiro de 2011 o saldo global das suas contas bancárias rondava os 3,5 milhões de euros; - Desde 28 de Janeiro de 2005 o A. tem vindo a receber do Banco R., de modo regular, o valor de € 50.000,00 a € 58.000,00, de seis em seis meses, correspondente a juros remuneratórios do capital de 3,5 milhões de euros, com o imposto de capitais retido na fonte, à taxa de 21,5%, depositados na conta n.º ...08; - Para receber tais juros o A. teria de ter na conta a prazo, como acreditava que tinha, 3,5 milhões de euros, incidindo sobre estes a taxa de 4% ou 4,5%, que era a taxa negociada com o funcionário DD; - O A. procedia a levantamentos de dinheiro depositado sem aviso prévio; - Em Maio de 2011 o A. foi convocado para o Banco Millennium BCP, S.A. para uma reunião com o Dr. EE e, nessa data, foi informado que o seu dinheiro depositado a prazo tinha sido transferido para um banco estrangeiro das Ilhas Caimão e que este banco o investira na compra e venda de acções; - A partir dessa data deixou de receber os juros remuneratórios; - O R. Millennium BCP, S.A., por sua iniciativa, abriu conta em nome da sociedade Serot Finance Ltd., com o n.º ...97 no banco BCP Bank & Trust Company Ltd. para onde transferiu todo o património do A., em 22 de Julho de 2005, sem autorização deste e sem o seu conhecimento, onde passou a existir um saldo em títulos, acções e obrigações no valor de € 3.428.332,00; - Atenta a confiança que o falecido CC depositava na liderança do Eng.º FF, aquele sempre apôs o seu nome em documentos sem ler e sem que lhe fossem lidos pelos funcionários do banco pelo que nunca tomou conhecimento do seu conteúdo; - O falecido CC, devido à doença de que padecia (diabetes) estava praticamente cego desde meados do ano de 2006, o que era do conhecimento dos funcionários do banco e os documentos que assinou, sem poder ler, nunca foram confirmados por notário; - O dinheiro do A., transferido para a conta da Serot Finance Ltd. no BCP Bank & Trust Ltd., foi aplicado em acções e títulos com o actual valor de mercado de € 1.700.000,00; - Na conta da Serot Finance Ltd. foi creditado um empréstimo pelo R. Bank & Trust Ltd. no valor de € 5.000.000,00 para financiamento da aquisição de títulos, sendo que as acções compradas foram dadas de penhor àquele banco como caução e garantia do capital mutuado, tudo sem autorização ou conhecimento por parte do A.; - A sociedade Serot Finance Ltd. foi constituída no dia 13 de Julho de 2005 e registada no Belize, pela sociedade designada Belize Incorporation Services, Ltd., o que foi feito sem qualquer intervenção ou solicitação de CC, que nunca comprou acções da Serot Finance Ltd.; - O falecido CC nunca abriu contas no Bank & Trust, Ltd., nem em nome pessoal nem em nome da Serot Finance Ltd.; - O falecido CC não é procurador da Serot Finance Ltd. porque nunca lhe foi entregue tal procuração, nem dela teve conhecimento; - Os RR. bancos utilizaram a sociedade Serot Finance Ltd. para aplicarem o dinheiro do A. no negócio do jogo da bolsa e o detentor de todas as acções desta sociedade e beneficiário é o BCP Bank & Trust Ltd.; - O A. nunca assinou o contrato de abertura de crédito, sob a forma de conta corrente, com data de 27 de Agosto de 2007, que nem se mostra assinado pelo BCP Bank & Trust Ltd., e do qual CC não é parte, pelo que não tem que restituir qualquer dinheiro que o banco não lhe emprestou; - Tal contrato de abertura de crédito contém cláusulas gerais não negociadas com o falecido CC e dele não lhe foi entregue qualquer exemplar; os valores foram apenas contabilisticamente creditados na conta da sociedade Serot Finance Ltd. que não pertence ao A.; - O falecido CC nunca negociou ou assinou o contrato de penhor assinado em 28 de Agosto de 2007, que nem contém a assinatura do BCP Bank & Trust Company Ltd., não o podia ler nem lhe foi lido pelos funcionários, nem lhe foi entregue qualquer exemplar; - Também nunca teve um exemplar de um termo de fiança assinado em 30 de Setembro de 2008, celebrado após o termo do contrato afiançado de abertura de crédito que se venceu em 28 de Agosto de 2008, que nunca leu e nunca lhe foi lido; - O R. Millennium BCP, S.A. beneficiava de informações privilegiadas e, quando sabia que as acções iriam subir de valor, retirava dinheiro dos depósitos dos clientes, sem o consentimento e conhecimento destes e aplicava-o na bolsa de valores; - Os RR. bancos não informaram o A., como consumidor, de forma clara, leal, objectiva e adequada sobre as características e riscos da compra e venda de acções e do empréstimo de € 5.000.000,00; - Quando o valor das acções baixou os bancos não fizeram funcionar a cláusula stop loss e não notificaram o falecido CC para reforço das garantias ou para liquidar o financiamento; - O falecido CC deixou de conseguir dormir e de controlar a diabetes e a pressão arterial em face do desgosto causado pela perda do seu dinheiro.

    1. Os RR. Banco Comercial Português, S.A. e BCP Bank & Trust Company (Cayman) Limited contestaram. Invocaram as excepções de incompetência territorial do tribunal e de prescrição. Pugnaram pela não verificação do dever de restituição da quantia de €3.428.332,06 por nunca ter existido um depósito a prazo com esse montante, nem terem sido pagos juros remuneratórios sobre tal capital e concluíram pela procedência das excepções deduzidas e, quando assim se não entenda, pela improcedência da acção.

    2. Em sede de réplica o A. alterou o pedido nos termos expostos a fls. 1020 a 1033 p.p.

    3. Os RR. deduziram tréplica, suscitando a inadmissibilidade parcial da réplica; mais alegaram que, à data dos factos, o Código dos Valores Mobiliários não exigia a forma escrita para a celebração do contrato de intermediação financeira à luz do qual foram prestados os diversos serviços em causa nos autos e que a validade e eficácia das ordens e instruções transmitidas ao intermediário financeiro não está dependente da observância de qualquer forma especial; o banco não logrou encontrar cópia ou registo fonográfico das ordens e instrução emitidas pelo A., mas tal não impede a prova testemunhal da sua emissão, uma vez que o dever de guarda de tais elementos perdura apenas por cinco anos (artigo 307º-B...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT