Acórdão nº 1238/20.OT8PTG.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelROSA TCHING
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2ª SECÇÃO CÍVEL *** I. Relatório 1. AA demandou a ré, Sociedade Agrícola das Algueireiras e Anexos, SA, pedindo que esta seja condenada: «

  1. A ver declarada a resolução do contrato de arrendamento rural (doc. n.° 1), quanto à área de 215,9950 ha pertencentes à A., com fundamento na falta de pagamento de parte da renda devida do 2.° semestre do ano de 2019 (3.000,00 Euros) e pela falta de pagamento da totalidade do valor da renda devida do ano de 2020 (Art° 17 n° l e 2 alínea a) do Dec-Lei 294/2009 de 13/10) com a consequente obrigação para a R. de entrega imediata à A. da área rústica com 215,9950 ha que a esta pertence, representada na planta junta como Doc. n.° 7; b) A pagar à A. o valor das rendas não pagas, pela R., referentes dos anos de 2019 (parte) e 2020 (totalidade), cujo valor ascende à quantia de 13.000,00 Euros, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento; c) A pagar as custas e demais encargos legais com o presente pleito nos termos do Regulamento das Custas Processuais; e subsidiariamente, d) A ver denunciado o contrato de arrendamento rural (Doc. n.° 1) no que respeita à área rústica que pertence à A. com 215,9950 hectares a qual se localiza a parte poente da EN ... tal como melhor resulta da planta cadastral junta aos autos como Doc. n.° 7 e de folhas 18 e 26 do Relatório Pericial que consta da Certidão Judicial junta (Doc. n.° 9) e) A pagar as custas e demais encargos legais com o presente pleito nos termos do Regulamento das Custas Processuais.» Alegou, para tanto e em síntese, que ela e o seu irmão celebraram com a ré, em março de 2006 e pelo prazo de 7 anos, um contrato de arrendamento rural através do qual cederam àquela o prédio rústico denominado A..., com a área aproximada de 400 ha, de que ambos eram comproprietários, para exploração agrícola dessa área, onde se incluem instalações urbanas de apoio à exploração agrícola, mediante renda que vinha sendo paga em partes iguais a si e a seu irmão.

    Por sentença judicial proferida em ação de divisão de coisa comum, transitada em julgado, foi adjudicada à autora a propriedade exclusiva da parte poente do prédio rústico arrendado, com a área de 215,9950 há, pelo que o referido contrato de arrendamento passou a vigorar entre ela e a ré apenas quanto à área que lhe coube em divisão.

    E porque a ré deixou de pagar-lhe pontualmente as rendas devidas desde 31/09/2019, assiste-lhe o direito à resolução do contrato, assim como a ver reconhecida a denúncia, findo o prazo de renovação, à luz do NRAR aprovado pelo DL n.° 294/2009, de 13/10.

    1. A ré contestou, excecionando a ilegitimidade da autora, por preterição de litisconsórcio necessário ativo, nos termos do disposto no art. 1024º, do C. Civil e a caducidade do direito de resolução, atenta a realização do depósito do montante das rendas em falta, acrescido da indemnização de 50%.

      Mais invocou a inoponibilidade da sentença de divisão de coisa comum, sustentando ser abusivo o exercício do direito de denúncia do contrato de arrendamento rural.

      Concluiu pela improcedência da ação e, em sede de reconvenção, deduziu oposição à denúncia do contrato, invocando que o despejo coloca em risco sério a subsistência económica do projeto que vem sendo desenvolvido no prédio de 400 ha.

    2. A autora respondeu, sustentando a improcedência das invocadas exceções e da oposição à denúncia.

    3. Após a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador-sentença que julgou improcedente a invocada exceção de legitimidade e: a) Em consequência do pagamento superveniente efetuado pela Ré, declarou a impossibilidade superveniente da lide quanto ao pedido de resolução contratual, julgando extinta a instância nessa parte, nos termos do artigo 277.º, alínea e) do NCPC.

  2. Em consequência do pagamento superveniente efetuado pela Ré, declarou a inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido de pagamento das rendas vencidas, julgando extinta a instância nessa parte, nos termos do artigo 277.º, alínea e) do NCPC.

  3. Julgou integralmente improcedente, por não provado, o pedido reconvencional deduzido nos autos pela Ré, dele absolvendo a A.

  4. Julgou integralmente procedente, por provado, o pedido subsidiário deduzido nos autos pela A., e em consequência, condenou a Ré a ver cessado o contrato de arrendamento rural, por oposição à renovação por parte da senhoria, com efeitos reportados a 31 de Dezembro de 2021, no que respeita à área rústica que pertence à A., com 215,9950 hectares, a qual se localiza na parte poente da EN ....

    1. Inconformada com esta decisão, dela apelou a ré para o Tribunal da Relação ... que, por acórdão proferido em 25 de novembro de 2021, julgou procedente o recurso, concluindo, ante o art. 1024º do C. Civil, pela ilegitimidade da autora, por preterição de litisconsórcio necessário ativo, mas ao abrigo do disposto no art. 278º, nº 3, do CPC, proferiu decisão de mérito e revogou a decisão recorrida na parte respeitante ao pedido de reconhecimento da denúncia do contrato de arrendamento relativamente à área que pertence à autora, dele absolvendo a ré e mantendo, no mais, a decisão do Tribunal de 1ª instância.

    2. Inconformada com esta decisão, a autora dela interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem: «1 - Os dois pedidos formulados pela A., ora recorrente, de resolução do contrato e, subsidiariamente, de denúncia do contrato para terminar no fim do prazo de renovação, em curso, não se confundem quanto aos seus fundamentos de facto ou de direito.

      2 - Os dois pedidos foram devidamente autonomizados na sua sustentação, de facto e de direito, tendo sido objecto de apreciação totalmente separada na sentença proferida em 1ª instância pelo Tribunal da Comarca ....

      3 - De acordo com os considerandos e apreciação que a A. escreveu, nesta parte do seu articulado de alegações, mais precisamente da análise dos factos provados (mora no pagamento das rendas) e direito que lhe deve ser aplicado (Artº 13 nº 3 e 17 nº 2 alínea a) do Dec. Lei 294/2009 de 13.10) poderá concluir-se que a A. reagiu ao recurso interposto pela Ré com a, simultânea, pretensão de discussão do julgado proferido pela 1ª instância, no que tange ao pedido principal de “resolução do contrato de arrendamento rural”.

      4 - Os considerandos expendidos pela A. a folhas 1 (parte final), 2, 3, 4, 5 e 6, das suas alegações de resposta, permitem-nos concluir que a A., no plano técnico-jurídico, não se limitou a analisar e por em causa simples “fundamento” ou questão “lateral” da decisão proferida em 1ª instancia, antes, nesta parte da sua peça processual de recurso colocou em causa e em crise a decisão proferida pelo Tribunal da Comarca ..., em 1ª instância, quanto ao pedido principal da acção.

      5 – A argumentação, terminologia e pretensão recorrente formulada pela A. traduz e representa a interposição de um autêntico “recurso subordinado”, embora sob a designação incorreta de “ampliação do âmbito do recurso”.

      6 – Nos termos do Artº 5º nº 3 do C. Proc. Civil que “O juiz não está sujeito às alegações das partes não tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”, pelo que este Tribunal Superior deve considerar e determinar que a invocada “ampliação da apreciação do recurso”, requerida pela A., nas suas alegações de resposta ao recurso interposto pela Ré para o Tribunal da Relação ..., corresponde e configura, de facto e de direito, um “recurso subordinado” (Artº 633 nº 2 do C. Proc. Civil) interposto pela A. quanto à decisão proferida pelo Tribunal da Comarca ..., em 1ª instância, na parte que julgou improcedente o pedido principal ali formulado pela A., de “resolução do contrato de arrendamento rural”; 7 – Entendendo este Tribunal Superior que, tal interpretação e faculdade do Tribunal de recurso seria/será correta, deverá proceder-se à apreciação e julgamento do “recurso subordinado interposto pela A., apesar de incorretamente designado como “ampliação da apreciação do recurso” (Artº 636 do C.P.C.) ou entendendo este Tribunal Superior que o mesmo deverá ser apreciado e julgado pelo Tribunal da Relação ..., remeter os autos para sua apreciação e julgamento no Tribunal da 2ª instância, com simultânea revogação pelo S.T.J., nesta parte, do Acórdão proferido pelo T.R. ....

      8 - O Artigo 19, nº 2 do NRAR só pode ser interpretado no sentido que “a oposição à renovação ou a denúncia do contrato de arrendamento inclui obrigatoriamente todo o seu objecto”, enquanto se mantiverem os pressupostos e circunstancialismos da sua celebração, quer quanto ao seu objecto – área arrendada – quer quanto às partes nele intervenientes como senhorio(s) ou arrendatário(s).

      9 - Quando, como na situação “sub judice”, ocorra alteração contratual lícita, quer quanto ao seu objecto quer quanto aos sujeitos nele intervenientes, o contrato terá necessariamente de se adaptar à nova realidade, sem prejuízo dos direitos e deveres que assistem a cada uma das partes na sua condição de senhorio ou arrendatário (Art. 42 nº 1 do NRAR e Artº 1057 do C. Civil).

      10 - Sempre que ocorra modificação, subjectiva ou objectiva, do contrato de arrendamento ou transmissão do prédio arrendado deverão ser respeitados os compromissos assumidos pelas partes iniciais no que respeita aos direitos e obrigações que pela sua natureza devam manter-se e são transmissíveis (renda, data do seu vencimento, actualizações, benfeitorias, duração do prazo inicial e suas renovações, benfeitorias, etc), sempre, “sem prejuízo das regras do registo (Artº 1057 do C, Civil); 11 - A A. concretizou por forma lícita a divisão judicial do prédio arrendado, com recurso ao procedimento judicial de divisão de coisa comum, pondo termo à compropriedade do prédio arrendado que mantinha, ao tempo da celebração do contrato de arrendamento rural, com seu irmão BB, tendo elevado a registo predial (Doc. Nº 3 junto à p.i.) a aquisição a seu favor...

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