Acórdão nº 17697/18.8T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelFERNANDO BAPTISTA
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível.

I – RELATÓRIO Externato O Lar da Criança instaurou acção declarativa comum contra AA, BB e CC.

Pede que os RR sejam condenados a reconhecer a existência do crédito da autora sobre a herança deixada por DD, no valor total de €135.762,63 e a ver satisfeito esse crédito pelos bens da herança.

Alegou, em síntese: - DD era mãe dos réus, - foi sempre gerente da autora desde a sua constituição, - e até 2006 procedia com regularidade a levantamentos e/ou utilização de quantias existentes no caixa da sociedade para seu uso pessoal; - as quantias assim retiradas eram substituídas por “vales de caixa”; - quando decidiu assumir formalmente a dívida, que já era muito elevada, foram para esse efeito formalizados dois empréstimos em reuniões da assembleia geral da autora, um no valor de 112.000 € em 08/11/2004 e outro no valor de 40.000 € em 16/11/2006, - tendo aquela declarado ter recebido da autora esses valores conforme recibos que se juntam como doc. 10 e 11; - apenas foi paga parte da dívida à autora, continuando credora da quantia de 135.762,63 € que deverá ser paga pela herança.

* Apenas contestaram o 1º réu e a 2ª ré, separadamente, pugnando pela improcedência da acção e invocando, em resumo: - a sociedade não emprestou/não entregou qualquer quantia à sua mãe, - sendo falsas as declarações constantes desses documentos 10 e 11; - todo esse expediente foi um meio de regularização contabilística de saídas não justificadas de dinheiro do caixa da sociedade.

* Realizada a audiência final, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo os réus do pedido.

* Inconformada, apelou a autora, vindo a Relação a proferir Acórdão, no qual decidiu julgar procedente a apelação, “revogando-se a sentença recorrida e condenando os apelados a reconhecerem o crédito da apelante sobre a herança no valor de 135.762,63 € e a ser satisfeito pelos bens da herança.”.

Inconformados, recorreram de revista o Réu AA e a Ré BB, apresentando as pertinentes alegações e conclusões.

Em acórdão, este Supremo Tribunal proferiu a seguinte “Decisão: Face ao exposto, determina-se (ut artº 682º, nº 3, fine, do CC) que os autos baixem ao tribunal recorrido a fim de aí serem sanadas as apontadas contradições na decisão sobre a matéria de facto (as quais, a manter-se, inviabilizam a decisão jurídica deste pleito), anulando-se, consequentemente, o acórdão recorrido, por contradição, devendo a Relação proferir nova decisão em que, além de sanar as contradições, (re)aprecie também a matéria de direito.” ** Os autos baixaram à Relação, tendo esta, em Ac. de 08.07.2021, procedido à reanálise da factualidade provada e não provada, tendo, a final, procedido ao realinhamento definitivo dos factos provados e dos não provados.

Notificados deste acórdão proferido em 08/07/2021, interpuseram recurso de revista os RR AA e BB, tendo apresentado, alegações que rematam com as seguintes CONCLUSÕES I.

DO RÉU AA A. O presente processo é a decorrência do processo de Inventário por óbito da Senhora DD, uma vez que, no âmbito daquele processo, estando claro entre as Partes o facto denão terem sido realizados quaisquer fluxos financeiros da Autora a favor da falecida DD em virtudedas deliberações de mútuo das Assembleias Geral de 8 de Novembro de 2004 (ata n.º 20) e de 2 de Novembro de 2006 (ata n.º 26), o 1º e 2ª Réus nunca aceitaram que por detrás das referidas deliberações de 2004 e 2006 tenha ocorrido uma qualquer passagem de dinheiro da Autora para a referida falecida; B. E foi esta discórdia, no seio do processo de Inventário, que deu lugar à presente ação intentadapela Autora com a “protecção” da própria 3ª Ré; C. NULIDADES: Seja como for, o novo Acórdão continua a enfermar de várias nulidades. Vejamos: D. 1ª Nulidade–Excesso de Pronúncia: a Relação no seu anterior Acórdão, por um lado, deu força probatória plena aos recibos que fazem expressa menção às deliberações de concessão de empréstimo, afirmando que “Face ao exposto, as declarações contidas nos recibos são confissões de dívida que fazem prova plena”, dando assim, aparentemente, como provado que o empréstimo foi realizado em favor da de cujus de acordo com as deliberações e recibos de quitação; por outro lado, refere expressamente que as deliberações deconcessão deempréstimo – a que se reportam os“recibos dequitação” –não espelham a realidade, acabando por eliminar “a alínea a) do ponto «IV - Factos não provados» da sentença recorrida”; E. Era esta a grande contradição do anterior Acórdão da Relação; F. Por essa mesma razão, o Supremo Tribunal de Justiça referiu que o enfoque da resolução das contradições era relativamente ao facto a) (e não no facto b) que estava mais que assente como não provado). Veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça: “Há, assim, que clarificar se, afinal, a D.

DD recebeu, ou não, dinheiro da A., quanto e em que circunstâncias, com enfoque para os empréstimos a que se alude na al. a)dos factos dados na sentença como não provados masquea Relação veio a eliminar dos factos não provados (embora sem dizer se estava provado), depois de afirmar o seu contrário” (sublinhado e negrito nosso); G. É que quanto ao facto b) dos factos não provados do anterior Acórdão, o Tribunal a quo foi categórico ao referir que “quanto à alínea b), inexiste confissão, pelo que se decide manter como não provada essa factualidade”, o que acompanhou com a convicção de que tudo era fictício8, pois “evidencia-se a falta de fiabilidade da contabilidade da apelante e que o ROC fez conjecturas para encontrar explicação para as saídas de valores do caixa da sociedade com base no quelhe foi transmitido”.

H. Verificou-se que o Tribunal da Relação ..., com o seu novo Acórdão, não sanou a contradição com enfoque no facto a). Antes alterou a matéria de facto que não carecia de clarificação – e cuja fundamentação não era contraditória – e que estava assente, ou seja, transitou o facto b) – que não se provou e estava claro que não se podia provar – para elenco dos factos provados (agora facto 11.) ao abrigo de uma errada argumentação jurídica sobre a prova; I. Estamos, portanto, perante o excesso de pronúncia, de acordo com a alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, que provoca a nulidade do Acórdão; J. 2ª Nulidade – Oposição entre fundamentos e entre fundamentos e decisão: refere o Tribunal a quo, entre outras coisas, que “que é incontroverso que não foram entregues à sócia gerente as quantias de 112.000 € e 40.000 € em 10/11/2004 e 30/11/2006”; K. No entanto, o mesmo Tribunal também refere que “cada recibo” é “uma confissão de dívida do recebimento do dinheiro por empréstimo” e que “fazem prova plena (…) das suas declarações de que recebeu aquelas quantias por empréstimo da sociedade”; L. Primeira contradição: se assim é, então o mesmo Tribunal a quo não pode afirmar que “que é incontroverso que não foram entregues à sócia gerente as quantias de 112.000 € e 40.000 € em 10/11/2004 e 30/11/2006”, pois os “recibos” reportam-se precisamente às deliberações realizadas naquelas datas; M. Segunda contradição: Se o Tribunal a quo conhece o conteúdo – as declarações neles contidos– dos recibos em causa e até declara e fundamenta que os ditos recibos são quitação por “referência aos empréstimos mencionados nas actas”, então o mesmo Tribunal teria que da rcomo provado o facto a) dos factos não provados, mas este foi dado como não provado…; N. Estamos, portanto, perante várias contradições que, de acordo com a alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, provocam a nulidade do Acórdão; O. 3ª Nulidade–Oposição entre fundamentos: seo Tribunal a quo refere o constante na conclusão K. então o Tribunal da Relação ... não podia dar como provado – com referência à declaração daqueles “recibos” – o facto 11. dos factos provados – pois não é isto que resulta daputativa confissão contidanos “recibos”; P. Estamos, portanto, perante uma contradição que, deacordo com a alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, provoca a nulidadedo Acórdão; Q. 4º Nulidade – Oposição dos fundamentos com a própria decisão: mesmo não existindo uma fundamentação de direito no novo Acórdão, aparentemente o Tribunal da Relação ... terá baseado a sua decisão de condenar os Réus a reconhecerem o crédito da apelante sobre a herança no valor de 135.762,63 € por forçado facto 11. Dos factos dados como provados (anterior facto b)); R. No entanto, o facto 11. refere expressamente as retiradas de dinheiro, não repostas, “que ascenderam a 152.000 €”; S. Não se compreende, portanto, a razão pela qual o Tribunal da Relação ... condenou no reconhecimento de uma dívida de 135.762,63 € quando dá como provado que foram retirados – e não repostos – €152.000,00 (nem mais nem menos um euro); T. Estamos, portanto, perante uma contradição que, de acordo com a alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, provoca a nulidade do Acórdão; U. 5ª Nulidade – Ausência de fundamentação de facto: do trecho do novo Acórdão presente na pgs. 13 e seguintes deste Recurso o Tribunal da Relação ... “dá a entender” que ocorreu uma aceitação da confissão por parte do Réu AA: mas não refere nunca de onde resulta a referida aceitação da invocada confissão judicial da Autora, que, efetivamente, nunca ocorreu; V. Não resulta do Acórdão a própria existência de uma aceitação de confissão, o que determina que o mesmo carece de fundamentação, porque não foi indicado o “facto processual” subjacente a tal putativa aceitação da confissão; W. Estamos, portanto, perante uma ausência de fundamentação de facto que, de acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, provoca a nulidade do Acórdão; X. 6ª Nulidade– Ausência dos fundamentos de direito: Do novo Acórdão, que revogou o anterior, não se encontra a fundamentação de direito que sustente a decisão. A fundamentação de direito, neste caso, é apenas relativa à fundamentação que o Tribunal a quo apresentou para justificar dar como provado o facto 11. (anterior facto b)); Y...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT