Acórdão nº 1335/09.2BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 03 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelCATARINA VASCONCELOS
Data da Resolução03 de Março de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul I – Relatório: C…e R…intentaram, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a presente ação administrativa comum contra o Estado Português pedindo que fosse este condenado a pagar-lhes, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e morais sofridos, a quantia global de €11 010,00 (à 1.ª A) e de €35 000,00 (à 2.ª A) acrescida de juros de mora a contar da citação até efetivo e integral pagamento.

Por sentença de 11 de abril de 2018 foi a ação julgada improcedente.

As AA., inconformadas, recorreram de tal decisão, tendo formulado as seguintes conclusões: A. O presente recurso vem interposto da douta Sentença que entendeu que não existir nexo de causalidade entre o facto ilícito, consistente na delonga indevida na conclusão do inquérito e esses danos”, que mesmo que existisse tal causa “tinha de ser excluída nos termos do n.º 1, do art.º 570º, do Código Civil”, e, finalmente, que “ As Autoras alegam, ainda, que o facto de terem esperado mais de 5 anos pela conclusão do inquérito provocou-lhes sofrimento, nomeadamente angústia e ansiedade, o que não ficou demonstrado”.

B. Ora, é facto que, situando-se a questão a decidir no âmbito da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito de pessoa colectiva pública, a mesma está dependente da verificação cumulativa dos pressupostos atinentes com a ilicitude, a culpa, o dano e nexo de causalidade, e que a responsabilidade civil extracontratual do Estado e pessoas colectivas por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes assenta nos pressupostos da idêntica responsabilidade prevista na lei civil.

C. Começando por este último fundamento, da não demonstração dos danos provocados pelo atraso na justiça, tal conclusão está desde logo em manifesta contradição com a matéria de facto dada como provada nos pontos 122 e 123, referentes à matéria do desgosto e frustração que ambas as Autoras sofreram e sofrem com o facto de o processo crime ter prescrito sem que os denunciados chegassem a responder penal e civilmente pelas agressões sofridas.

D. Acresce que, efetivamente, a prova produzida, por declarações de parte e testemunhal foi bem contundente e consistente relativamente a esta matéria, do choque derivado da falta de justiça em que se consubstanciou a delonga do inquérito e consequente não submissão dos três Denunciados a julgamento.

E. Assim, há uma manifesta contradição entre a matéria de facto dada como provada e a prova produzida globalmente considerada, nomeadamente os depoimentos e mesmo a prova documental dada aos autos, e a decisão quanto a este aspecto, um aspecto crucial que faz com que a sentença enferme de um vício lógico insanável, pois é evidente que a matéria de facto provada jamais poderia conduzir ao alegado resultado de falta de demonstração dos danos causados pela actuação do Réu.

F. Como tal, a referida conclusão não pode ser considerada inteligível nem coerente e está inquinada de um vício no raciocínio lógico dedutivo, ou seja o caminho trilhado na fundamentação não pode conduzir nem lógica nem coerentemente àquele resultado plasmado na sentença.

G. Pelo que a apreciação crítica e ponderada da prova testemunhal e documental produzida quanto a este ponto deveria ter dado azo a concluir no sentido da verificação dos danos morais invocados derivados da denegação da Justiça por força da extinção daquele processo crime por motivos de indesculpável morosidade, os quais, atenta a sua gravidade, são de molde a ser ressarcidos pela atribuição de indemnização bastante aos lesados, nos termos do disposto no art.º 496º do C. Civil.

H. No que concerne ao requisito do nexo de causalidade entre a conduta do Réu e os danos vivenciados, também é evidente que: I. Face à factualidade dada como provada é claro que foi a morosidade da condução do inquérito que determinou que o processo terminasse por prescrição, sem que os denunciados fossem levados a julgamento, e que, não sendo o Estado culpado dos danos sofridos com as agressões, o é naturalmente em relação ao facto de o processo crime ter andado tão lentamente que terminou por prescrição, fazendo assim com que os agressores não tenham sido julgados nem as Recorrentes ressarcidas dos danos que sofreram.

J. Assim, ao verem cair o inquérito por prescrição, as Recorrentes perderam a expectativa de ganho que tinham naquele processo crime (teoria da perda de chance), independentemente das vicissitudes processuais que pudessem vir a suceder nesse âmbito, o que, por si só, representa um dano ou prejuízo autónomo.

K. Aliás, a questão coloca-se quanto ao dano psicológico e moral comum que sofrem todas as pessoas que se dirigem aos tribunais e não vêm as suas pretensões resolvidas por um ato final do processo, e a existência deste dano é um facto da vida, conhecido de todos (facto notório nos termos do art. 514.º do CPC, que nem sequer carece de prova ou alegação).

L. Dano esse que - repete-se - é independente e subsiste para além da prova dos danos relativos à situação concreta ( que, sublinhe-se, também foram minimamente sustentados pro toda a prova dada aos autos ), o que é essencial é saber se o dano comum resultante do atraso na administração da justiça assume gravidade tal que justifique a reparação face ao preceito legal do art. 496.º do C. Civ. que determina a indemnização dos «danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito».

M. Como tal, forçoso é concluir que tal morosidade é condição adequada e suficiente do desgosto, revolta, vexame e sofrimento vivenciado pelas Recorrentes quando se aperceberam que o julgamento se tinha tornado legalmente impossível por força da prescrição originada pela delonga processual.

N. Os prejuízos causados pela inércia da administração da justiça, pela “faute de et du service”, foram inquestionavelmente, a dor e o sofrimento suportados pelas Recorrentes, por verem depois de largos anos o processo crime “cair” por prescrição e consequentemente perderem a possibilidade de ver submetidos a julgamento penal os seus agressores, e o sentimento de impotência, injustiça e desprotecção por parte do Estado, resultante desta penosa morosidade e sua consequência de “non liquet” marcou indelevelmente ambas as Recorrentes.

O. E obviamente que, para mesurar esse sofrimento, não é irrelevante o grau e tipo de danos provocados pela agressão de terceiros, no sentido em que pode e deve servir para achar o montante justo do ressarcimento.

P. Ou seja, a questão coloca-se quanto ao dano psicológico e moral comum que sofrem todas as pessoas que se dirigem aos tribunais e não vêm as suas pretensões resolvidas por um ato final do processo, e a existência deste dano é um facto da vida, conhecido de todos (facto notório nos termos do art. 514.º do CPC, que nem sequer carece de prova ou alegação).

Q. Aliás, tal dano é independente e subsiste para além da prova dos danos relativos à situação concreta, o que é essencial é saber se o dano comum resultante do atraso na administração da justiça assume gravidade tal que justifique a reparação face ao preceito legal do art. 496.º do C. Civ. Que determina a indemnização dos «danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito».

R. Finalmente, entende ainda a sentença sob recurso a inexistência de causalidade adequada nos termos do art.º 570º do Código Civil por as Recorrentes se terem tornado co-responsáveis na delonga da conclusão do processo ao não terem requerido a aceleração processual nem terem deduzidos os pedidos de indemnização civil também perante os tribunais civis.

S. Recordemos, a este propósito, que o regime do nexo de causalidade está estabelecido pelo art.º 563º do Código Civil consagra a causalidade adequada na sua formulação negativa: i.é. a condição deixará de ser causa do dano sempre que, segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano.

T. Neste sentido, desde logo há que notar que a teoria não pressupõe a exclusividade da condição como, só por si, determinante do dano, aceitando que na sua produção possam até ter intervindo outros factos concomitantes ou posteriores, não é, pois, necessário uma causalidade directa, basta que aquela causa não seja indiferente ao resultado final.

U. Ora, no caso presente, a conduta ilícita do Réu não foi indiferente à negação do direito das Autoras em verem o processo crime seguir os seus trâmites normais, ao invés de ser abortado sem que os denunciados chegassem a ser acusados e julgados, por razões de prescrição, pelo que tal conduta foi necessariamente causa adequada dos prejuízos que dessa denegação da justiça decorreram para as Autoras.

V. Tal realidade evidente não é “apagada” pelo facto de as Autoras não terem lançado mão do requerimento da aceleração processual ou optado por deduzir o pedido de indemnização civil em separado junto dos tribunais civis, até porque - ao contrário do Estado que tem obrigação de desenvolver normalmente as diligências de inquérito e julgar os crimes que lhe são apresentados apurando as circunstancias em que foram cometidos e os seus culpados - os particulares não podem nem devem ser obrigados a precaver-se contra a delonga ilícita da justiça, na qual confiaram.

W. Aliás, nada resulta da matéria de facto provada quanto a esta alegada falta de diligência das Autoras, mas, inversamente, está provado nos autos que passaram mais de cinco anos sem que a denunciada S… fosse constituída arguida, assim como está provado que passaram mais de cinco anos entre a constituição como arguidos M…G… e J…e a notificação da sua acusação, com consequente extinção do procedimento criminal contra todos eles e consequente decaimento dos pedidos de indemnização civis apresentados! X. Pelo que na prática o que releva é que o acto do Réu impediu as Autoras de aceder à Justiça para os efeitos pretendidos, pela via que escolheram, que foi o processo crime com dedução de pedido de indemnização civil, e nada...

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