Acórdão nº 1229/11.1BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 03 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelFREDERICO MACEDO BRANCO
Data da Resolução03 de Março de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I Relatório A...., melhor identificado nos autos, intentou Ação Administrativa contra o Estado Português e Ministério da Justiça, peticionando, a final, “a condenação do Ministério da Justiça a decidir, no prazo de trinta dias, o requerimento que dirigiu ao Ministro da Justiça, em 12 de Outubro de 2009, ou, em alternativa, a pagar ao Autor a indemnização requerida através desse requerimento, no montante de 60.000€, e a condenação do Estado Português a pagar ao Autor uma indemnização, por danos não patrimoniais, decorrentes da violação do dever legal de decidir em prazo razoável o procedimento administrativo tendente à concessão da indemnização que requereu ao Ministro da justiça em 12 de Outubro de 2009, no valor total de €250 mensais, a partir de 12 de Outubro de 2009, até à conclusão do procedimento, bem como honorários de mandatário judicial, no montante de €3.500”.

O TAC de Lisboa veio a proferir Sentença em 30 de novembro de 2017, na qual se decidiu julgar “a ação parcialmente procedente” condenando “o Ministério da Justiça a decidir, no prazo de 30 dias, o pedido de concessão da indemnização prevista no n.º 1, do artigo 2.°, do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro, que o Autor dirigiu ao Ministro da Justiça em 12.10.2009, e o Estado Português a pagar ao Autor as despesas com honorários de mandatário judicial na presente ação em montante a liquidar em incidente de liquidação”, Inconformado com a Sentença proferida, veio o Autor, em 18 de janeiro de 2018 a Recorrer da referida Sentença, aí tendo concluído: “A- O A. aceita a douta decisão proferida em 30-11-2017 relativamente ao prazo fixado ao Ministério da Justiça para fixar a indemnização a que tem direito.

B- O A. aceita a douta decisão atrás referida relativamente aos honorários a fixar ao seu mandatário, devendo, pois, ser remetido para o Ministério da Justiça o processo Administrativo junto aos Autos para que seja proferida a decisão administrativa.

C- O A. apenas recorre da decisão relativamente à fixação dos danos não patrimoniais a que tem direito e que apesar de constarem da fundamentação da douta sentença, no sentido da culpa e responsabilidade da Estado, vir o mesmo a ser absolvido, porquê o A. não fez prova Ora se o Tribunal “a quo” entende que o A. não fez prova dos danos não patrimoniais, teria de sim remeter o processo para o incidente de liquidação e não para a absolvição do pedido.

D -Mas, o A. entende que no processo existem provas mais que suficientes para tal - basta analisar o acórdão do Tribunal da Relação de Évora junto aos Autos e a fls.10 e 11 do mesmo constam as mazelas com que ficou no assalto à sua casa e algumas delas irreversíveis - ficou dependente de terceiros e quase cego e há data com menos de sessenta anos.

E- Motivo pelo qual, o Meritíssimo juiz “a quo” ao decidir como decidiu violou o disposto nos artigos 608 n° 2, 609 n° 2, 615 n° 1 alínea c) todos do Código Processo Civil, devendo ser revogada a douta sentença, por uma outra que julgue a ação totalmente procedente, Mas, V. Exas farão a costumada justiça O Ministério da Justiça veio apresentar as suas Contra-alegações de Recurso em 5 de abril de 2018, aí tendo concluído: “

  1. O objeto do recurso não se encontra definido, sendo que a pretensão do Recorrente não se mostra fundamentada; b) Na verdade, o Recorrente aceita a sentença, mas dela recorre; 11 c) Sabe e reconhece nas alegações que a Administração não pode executar a sentença porque não dispõe do processo administrativo (PA); mas, d) Também sabe que o PA encontra-se no Tribunal e aí ficará até que seja devolvido à Administração; e) Não tendo a Administração o PA, não pode decidir, o que configura causa legítima de inexecução; f) Isto apesar de a Administração ter manifestado a intenção de cumprir espontaneamente a sentença; g) Pelo que a motivação de recurso e as alegações são contraditórias; h) Por outro lado, o Recorrente diz recorrer da não condenação dos Réus no ressarcimento do Autor por danos não patrimoniais; mas, i) Sabe que não fez prova na primeira instância da existência desses danos; j) Pelo que a sentença só poderia considera-los como não provados; k) A sentença encontra-se estruturada e não contém qualquer vício; l) Aliás, o recorrente não identifica qual será o vício do qual a sentença padecerá; m) O que também configura obscuridade na motivação ad recursum e falta de fundamentação das alegações e das conclusões; n) Sendo que a primeira instância pronunciou-se sobre todas as questões que devia ter conhecimento e não deixou nenhuma controvérsia por decidir; o) A decisão impugnada não é portadora de qualquer vício e encontra-se corretamente fundamentada, bem como o iter decisório.

    Nestes termos e nos mais de direito deverá o recurso ser indeferido ou, se assim não se entender, deverá ser considerado improcedente, e confirmada a decisão recorrida.” No mesmo dia, veio igualmente o Estado Português, apresentar as suas contra-alegações de Recurso, tendo concluído: “1. O presente recurso do AUTOR é limitado ao pedido de responsabilidade civil extracontratual por atraso na decisão do processo n.º 100/2009, pendente na COMISSÃO DE PROTECÇÃO ÀS VÍTIMAS DE CRIMES do Ministério da Justiça, pedido que soçobrou na íntegra; 2. Embora reclamando sofrimentos e danos morais que quantificou em 250 EUR mensais, desde a data em que o pedido em causa deveria idealmente estar decidido até à efetiva decisão, a verdade é que não provou o AUTOR quaisquer danos ou sofrimentos morais; 3 A não prova pelo AUTOR do seu sofrimento decorrente do atraso do processo 100/2009 da Comissão determina necessariamente a falência do instituto da responsabilidade civil extracontratual, por aplicação das regras da prova e da responsabilidade civil em Portugal - artigos 342.º, n.º 1; 483.º, n.º 1; 494.º; 496.º, n.º 1; 562.º e 563.º do Código Civil; artigo 7.º, n.º l da Lei 67/2007, de 31 de dezembro; 4 Em função dos factos provados e não provados, e das regras legais a aplicar, outra não poderia ter sido a decisão do Tribunal recorrido, que conheceu todas as questões para as quais tinha competência; / MINISTÉRIO PÚBLICO PORTUGAL Procuradoria da República junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa 5. O atraso processual, ainda que evidente e notório, se bem que seja uma causa em abstrato adequada de sofrimento moral do demandante (portanto de danos não patrimoniais), não se afigura possa ser "de per si" considerado como presunção natural da existência de dano moral concreto (ou dano presumido) carecendo, a nosso ver, mas à semelhança de todos os eventos lesivos, de concretização com factos provados, naturalmente pessoais e referentes à pessoa do demandante; 6. De igual forma, as lesões corporais e psicológicas decorrentes do crime violento de que o AUTOR foi infelizmente vítima não são, por si só, prova de sofrimento por atraso do processo 100/2009 da Comissão.

    Nestes termos e nos melhores de Direito, deve a sentença em crise ser confirmada.” Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

    II - Questões a apreciar As principais questões a apreciar resultam, designadamente, da necessidade de verificar se os suscitados atrasos administrativos do Ministério da Justiça na pronuncia relativamente ao requerido pedido indemnizatório no âmbito do processo pendente na COMISSÃO DE PROTECÇÃO ÀS VÍTIMAS DE CRIMES, poderão ser qualificados como atraso relevante em termos indemnizatórios, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

    III – Fundamentação de Facto O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como provada, a qual aqui se reproduz: “

    1. No dia 11 de fevereiro de 2009, o Autor foi vítima de crimes de ofensa à integridade física qualificada, roubo agravado, sequestro agravado e burla informática (cf. documentos de fls. 15, e seguintes, do processo físico, que aqui se dão por integralmente reproduzidos).

    2. Foram acusados e condenados pela prática dos referidos crimes os arguidos A...., P...., E......, A......e N......, por acórdão de 08 de julho de 2010, proferido no Processo n.º 63/09.3JALRA, do 3o Juízo da Comarca de Abrantes - Círculo Judicial de Abrantes, que se dá por integralmente reproduzido e do qual se extrai o seguinte: «(...) Fundamentação de facto: O Tribunal julga provados os seguintes factos com interesse para a decisão: (...) No dia W de Fevereiro de 2009, a partir da hora de jantar, os arguidos A......, E......, P...... e A...... combinaram entre si que o A…. e o P…. se dirigiriam â casa de habitação da M...... e do A...., sita no Casal da Eira, Casas Novas, Mouriscas, nesta comarca, com a intenção de ali entrarem e de se apoderarem de objetos e valores que ai pudessem encontrar.

      (…) Chegados à casa dos ofendidos, pelas 1:30 horas, o arguido V...... partiu com um soco um vidro da janela da cozinha da habitação, que dista do solo cerca de 1 metro, com estrutura em ferro e vidro, e dessa forma logrou abrir o fecho (trinco) da mesma, que abriu, entrando ambos, de seguida, no interior da habitação. O arguido V...... entrou na aludida habitação empunhando a faca, enquanto o arguido A…. segurava a réplica de revólver de plástico. Logo após, os arguidos foram surpreendidos no interior da habitação por A......, que apontou uma caçadeira e disparou um tiro para o ar, conseguindo inicialmente afugentar o arguido V....... Pouco depois, o A...... foi surpreendido pelo arguido A......, que o segurou por trás, lhe tirou a caçadeira e lhe apontou a réplica de revólver de plástico, após o que um dos arguidos lhe apontou a faca ao pescoço.

      Ato contínuo, o arguido A...... empurrou o A......, atirando-o ao chão, e, de seguida, espancou-o com pontapés...

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