Acórdão nº 19/16.0F1EVR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelF
Data da Resolução08 de Março de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Évora 1. RELATÓRIO 1.1.

Nestes autos de processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, n.º 19/16.0F1EVR, do Tribunal Judicial da Comarca de Évora, Juízo de Competência Genérica do Redondo, foi submetido a julgamento o arguido TUC, melhor identificado nos autos, estando acusado da prática, em autoria material e na forma consumada, de dois crimes de exploração ilícita de jogo, sendo, um deles, com referência aos autos principais n.º 19/16.0F1EVR p. e p. pelo artigo 108º, n.ºs 1 e 2, em conjugação cos os artigos 2º, 3º e 4º, todos do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de dezembro e o outro, com referência aos autos apensos, proc. n.º 19/16.0F1EVR-A, p. e p. pelo artigo 108º, n.º 1, em conjugação com os artigos 1º e 3º, n.º 1, todos do referenciado Decreto-Lei n.º 422/89.

1.2. Realizado o julgamento, foi proferida sentença em 27/09/2021, com o seguinte dispositivo: «Face ao exposto, o Tribunal julga a pronúncia totalmente procedente, por provada, e, em consequência, decide:

  1. Condenar o arguido TUC pela prática de dois crimes de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo artigo 108.º, n.º 1, em conjugação com os artigos 1.º, 3.º e 4.º, todos do Decreto – Lei n.º 422/89, de 2 de dezembro, nas penas parcelares de: a) 6 (seis) meses de prisão e de 120 (cento e vinte) dias de multa, à razão diária de € 6,50, o que perfaz o montante de € 780,00, relativamente aos factos ocorridos em 02.06.2016; b) 8 (oito) meses de prisão e de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à razão diária de € 6,50, o que perfaz o montante de € 975,00, relativamente aos factos ocorridos em 14.09.2017; B) Em cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77.º do Código Penal, condenar o arguido na pena única de 11 (onze) meses de prisão e 200 (duzentos) dias de multa, à razão diária de € 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz o montante de € 1.300,00 (mil e trezentos euros); C) Substituir a pena de prisão aplicada ao arguido por 330 (trezentos e trinta) dias de multa, à razão diária de € 6,50, perfazendo o montante total de € 2.145,00 (dois mil cento e quarenta e cinco euros), ao abrigo do disposto no artigo 45.º, n.º 1, do Código Penal.

D) Condenar o arguido no pagamento da taxa de justiça, que se fixa em 3 UC’s (artigo 8.º, n.º 5 do Regulamento das Custas Processuais), e demais encargos com o processo, suportando os honorários devidos ao Ilustre Defensor nomeado, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário; E) Declarar perdidos, a favor do Estado, os objetos constantes do auto de apreensão, ordenando-se a sua oportuna destruição, após o trânsito em julgado da presente decisão, ao abrigo do disposto nos artigos 109.º, n.ºs 1 e 3 do Código Penal e artigo 116.º do Decreto-lei n.º 422/89, de 2 de dezembro, devendo ser junto aos autos o competente auto de destruição; F) Declarar perdidas, a favor do Fundo de Turismo, as quantias constantes do auto de apreensão, ordenando-se a sua oportuna remessa àquela entidade, após o trânsito em julgado da presente decisão, ao abrigo do disposto nos artigos 109.º, n.º 1 do Código Penal e artigo 117.º do Decreto-lei n.º 422/89 de 2 de Dezembro; (…).» 1.3. Inconformado com o assim decidido, o arguido interpôs recurso para esta Relação, extraindo da motivação do recurso apresentada as conclusões que se passam a transcrever: «A. No que se refere à subsunção da conduta que se imputa ao Recorrente em sede de factualidade tida como provada por referência à apreensão de 14 de Setembro de 2017, relativamente à exploração, criminalmente punível, da máquina denominada “promoção de bebidas”, entende modestamente aquele que, ao contrário do decidido na douta Sentença sob recurso, não se poderia haver concluído por preenchidos os elementos constitutivos do tipo legal em causa quanto a uma tal máquina.

B. Desde logo porque, uma qualquer variabilidade dos prémios não é “exclusiva” dos jogos de fortuna ou azar, verificando-se, a título de exemplo, em jogos sociais do estado, nos quais nem sequer existe a “garantia” de que todos os prémios se encontrem em jogo, a cada momento do mesmo.

C. A acrescer, o facto de a máquina ora em causa não pagar directamente prémios em fichas ou moedas, e não desenvolver um qualquer jogo do tipo roleta, sendo que apenas o seu modo de funcionamento eléctrico a “distingue” da máquina objecto de fixação de Jurisprudência pelo STJ, no seu douto Acórdão n.º 4/2010, sendo que também aí os prémios poderão ser convertidos em dinheiro.

D. É de aplicar uma tal jurisprudência, fixada pelo STJ, na medida em que, o que interessa é o espírito e pensamento por trás daquela, bem como da própria lei, sendo certo que não seria a máquina dos autos em que “pensava” o legislador quando decidiu restringir a prática/exploração às zonas de jogo.

E. Até porque, reportando-se a norma proibitiva e punitiva da conduta imputada aos Recorrentes ao ano de 1989, e atendendo ao preâmbulo do diploma em causa (D.L. n.º 422/89, de 02/12), o qual é o “espelho” do pensamento e vontade do legislador, sempre teremos que concluir que o “tipo e o modo de jogo” desenvolvido pela máquina ora em causa se encontra fora do âmbito de aplicabilidade daquele aludido art. 108º.

F. Sem descurar que, toda e qualquer norma penal, jamais, e em momento algum, poderá ser alvo de qualquer interpretação extensiva relativamente aos elementos do tipo e às concretas situações de facto a que se reporta, o que deverá ser relevado com o facto de à data da publicação do diploma legal em causa ser totalmente imprevisível ao legislador a existência de máquinas como a ora em causa nos autos, não se subsumindo o seu funcionamento, por isso, a uma tal previsão legal e consequente punibilidade penal.

G. Não se afigura possível uma qualquer viciação num jogo tão rudimentar, sem toda a envolvência dos denominados jogos de casino, sendo que os próprios valores despendidos são de pouca relevância, não influindo o valor de cada jogada, porque sempre igual, num qualquer prémio, além do que, não se trata de um qualquer tema próprio pois que não existe uma qualquer aposta concreta e não são possíveis apostas múltiplas ou dobra de apostas.

H. A possibilidade de uso de uns quaisquer pontos ganhos, a que se alude na factualidade provada, sempre estaria limitada à utilização de 1 (um) ponto de cada vez, sendo por isso impossível de gastar todos os pontos de uma vez, do “tudo ganhar” ou “tudo perder”, sendo certo que o valor pago não mais é do que o “preço” da jogada e não uma aposta.

I. O valor pago não é uma qualquer aposta, mas apenas o “preço” da jogada, sem possibilidade de ela mesmo multiplicar-se, e o prémio a obter é fixo e pré-determinado (Cfr. neste sentido, Acórdãos do Venerando Tribunal da Relação do Porto, de 14.07.1999, proferido no Proc. 9910385 e acessível in www.dgsi.pt, e deste Venerando Tribunal da Relação de Évora, de 06.11.1990, disponível in CJ., XV, T.V, pg. 277).

J. Tendo por base o supra referido Acórdão do STJ questiona-se de quais as diferenças existentes entre o jogo ora em causa e aquele outro para além do já referido funcionamento eléctrico, tanto que, fundando-se também em tal douto Aresto, tem sido diversa a Jurisprudência que vem entendendo máquinas como a dos autos como não consubstanciando um jogo de fortuna ou azar, K. Designadamente, os, doutos, Acórdãos da Veneranda Relação de Coimbra, de 02.02.2011, 25.06.2014 e 18.03.2015, Acórdãos desta Veneranda Relação de Évora, de 31.05.2011 e 10.05.2016, Acórdão da Veneranda Relação de Lisboa, de 01.06.2011, bem como, Acórdãos da Veneranda Relação do Porto, de 11.12.2013, 12.02.2014, 02.07.2014, 17.09.2014, 24.09.2014, 04.02.2015 e 22.04.2015.

L. Ademais, sendo o tipo legal em causa (exploração ilícita de jogo) dotado de uma certa rigidez, que o constitui como tipo de garantia, sendo essa precisamente uma das manifestações do princípio da legalidade, claramente será de excluir o jogo dos autos das previsões de punição penal decorrentes do preceituado nos arts. 1º, 3º, 4º e 108º da “Lei do Jogo”, M. Pois que, não obstante exemplificativa, a especificação dos jogos de fortuna ou azar constante da lei, sempre tal especificação é tendencialmente completa e comporta uma certa rigidez, como é próprio de um tipo legal de crime, que é um tipo de garantia, concluindo-se que os diversos tipos de jogos considerados como de fortuna ou azar e que são autorizados nos casinos são os que estão especificados na lei, e não outros.

N. A máquina ora em causa nos autos não pagava directamente prémios em fichas ou moedas, encontrando-se, por isso, afastada a aplicabilidade da al. f) do n.º 1 daquele art. 4º, sendo que a possibilidade de conversão dos pontos em numerário também não é “suficiente” para se concluir pela integração num tipo de jogo, na medida em que, nas próprias modalidades afins tal conversão se apresenta como possível, “apresentando-se” ela própria como uma contra-ordenação.

O. Porque no mesmo se aborda uma tal matéria por referência a uma máquina com funcionamento/jogo similar às dos presentes autos, sendo uma tal “abordagem” efectuada por referência àquilo que resulta e se “defende” no douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 4/2010 do STJ, será de referir o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18-03-2015 (proferido no âmbito do Proc. 27/10.4EASTR.C1, e disponível in www.dgsi.pt), P. No qual se conclui «constituir critério diferenciador, fundamental, das modalidades afins, a predeterminação do prémio e a pequena dimensão daquilo que o jogador arrisca, pelo pequeno valor da aposta e pela certeza, pré-definida, dos prémios», com base no que, a final, se decide pela «irrelevância criminal de parte da matéria valorada pela decisão recorrida como constitutiva do crime (jogo “colorama”).» (negrito e sublinhado nossos) Q.

Por fim, e porque igualmente no sentido da aplicabilidade da Jurisprudência fixada pelo STJ ao caso presente, de referir o recente douto Acórdão deste Venerando Tribunal da Relação...

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