Acórdão nº 100/19.3T8MGD.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 24 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I Os expropriados A. J., O. A., X Tratamento Técnico de Pavimentos Lda. e Y Gestão e Investimentos Imobiliários Lda. deduziram, no Juízo de Competência Genérica de ..., ao abrigo do disposto no artigo 42.º n.º 2 b) do Código das Expropriações, o incidente de avocação do processo de constituição e funcionamento da arbitragem que se encontra confiado ao expropriante Município de ....

Alegaram, em síntese, que, a 29 de Junho de 1977, foi proferida declaração de utilidade pública e autorização de posse administrativa da "Parcela com a superfície de 7350 m2, constituída por terra de cultura arvense, a destacar do prédio rústico pertencente a N. M. e irmãos, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória do registo Predial de ... sob o n.º …, a fls. 167 v.º do livro …, prédio que confronta do norte, nascente e poente com caminho público e do sul com L. P.

".

Na sequência dessa declaração o requerido tomou posse administrativa do imóvel, mas ainda não iniciou "o processo expropriativo litigioso, nem foi liquidada qualquer importância a tal título, pese embora o reconhecimento da obrigação de indemnizar".

O requerido respondeu opondo-se à pretensão dos requerentes alegando, nomeadamente, em sede de "defesa por exceção", que "o imóvel em causa já é propriedade do Município, por ter sido adquirido por este por usucapião" em 1992.

Após a produção de prova foi proferida decisão em que se decidiu: "

  1. Julgar totalmente improcedente, por não provada, a exceção perentória de usucapião, invocada pelo Requerido; b) Julgo verificado o abuso de direito do Requerido ao invocar a supra aludida exceção e ao não cumprir o acordo alcançado extra-judicialmente e que levou a suspensão da instância dos presentes autos em 7 de Julho de 2020 e, em consequência, determino que, os atrasos verificados no procedimento expropriativo apenas são imputáveis ao Requerido e, a indemnização devida, a título de indemnização, aos Requerentes, se deverá fixar, no mínimo e caso a arbitragem venha a determinar valor inferior, no valor do acordo alcançado, ou seja, em € 132.500,00; c) Absolver os Requerentes e Requerido no mais peticionado; (…) Em face dos elementos juntos aos autos, pelas expropriadas, concluímos que o presente processo de expropriação sofreu atrasos superiores a 90 dias, os quais não são imputáveis aos expropriados.

Assim, e ao abrigo do estatuído no artigo 42.º, n.º 4, do Código Expropriativo, determina-se a avocação do processo.

" Inconformado com o "segmento decisório subjacente às decisões de (i) improcedência da Exceção Perentória de Usucapião e, bem assim, de (ii) verificação de Abuso de Direito do Requerido e, consequente, condenação do mesmo em pagamento de indemnização no valor mínimo de € 132.500,00", o requerido interpôs recurso dessas partes da decisão, que foi recebido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo, findando a respetiva motivação, com as seguintes conclusões: A. O presente Recurso Jurisdicional vem interposto da Sentença proferida pelo Tribunal a quo, em 20.06.2021, nos termos da qual se julgou improcedente a Exceção Perentória de Usucapião invocada pelo Recorrente na sua Pronúncia e, bem assim, verificado o Abuso de Direito do Recorrente – atenta a sua inércia relativa ao início do Processo Expropriativo e à não efetivação e consequente cumprimento de Acordo celebrado entre as partes, em 07.07.2020, concernente ao pagamento de indemnização devida pela Expropriação no montante de € 132.500,00 (cento e trinta e dois mil e quinhentos euros) – tendo, em consequência, condenado o Recorrente, no pagamento de uma indemnização no valor mínimo supra referenciado.

  1. A Sentença recorrida padece de Nulidade por violação do Princípio da Proibição das Decisões-Surpresa (cfr. artigo 615, n.º 1, alínea d), do CPC), por violação do Princípio do Acesso ao Direito e à Tutela Jurisdicional Efetiva (cfr. artigo 20.º, da CRP) e por violação do Princípio do Contraditório (cfr. artigo 20.º, da CRP, e artigo 3.º, n.º 3, do CPC), pois que, o douto Tribunal a quo conclui pelo exercício abusivo do Direito do Recorrente concernente à posse e propriedade da parcela de terreno expropriada, sem, todavia, ter conferido ao Recorrente a possibilidade de discutir e/ou valorar da verificação/existência de uma sua conduta abusiva.

  2. A enunciada omissão constitui uma nulidade, nos termos do artigo 195.º, do CPC – nulidade, essa, expressamente invocada para todos os devidos efeitos legais, designadamente, os consagrados no n.º 2, do artigo 195.º, do CPC –, porquanto influencia no exame e decisão da causa, na medida em que não só viola uma norma, como os enunciados Princípios da Proibição das Decisões-Surpresa, do Acesso ao Direito e à Tutela Jurisdicional Efetiva e do Contraditório, que devem ser observados ao longo de todo o Processo.

  3. Conforme resulta da Doutrina e da Jurisprudência mais autorizadas na matéria, o Tribunal a quo deveria ter garantido ao Recorrente a possibilidade de se pronunciar sobre o animus decidendi subjacente à verificação – e consequente – condenação em Abuso de Direito, através, v.g., da apresentação das suas razões de facto e de direito e oferecendo os competentes meios de prova, ainda que se trate de questão de conhecimento oficioso, consubstanciando tal decisão uma verdadeira e própria Decisão-Surpresa.

  4. Demonstrou o Recorrente que a almejada condenação do Recorrente em Abuso de Direito apenas foi trazida aos autos, pelos Recorridos, em sede de Alegações Finais, no decurso da Audiência de Discussão e Julgamento decorrida em 21.05.2021, momento processual que não permitiu ao Recorrente o exercício cabal do seu Contraditório, sem que, por conseguinte, nada fizesse prever o sentido decisório enveredado pelo douto Tribunal a quo no que concerne à sua atuação em Abuso de Direito.

  5. Não se verificando, no caso vertente, uma hipótese típica de "manifesta desnecessidade" de observância do Princípio do Contraditório, atenta a inexistência de uma situação de urgência atendível e imperiosa que imponha uma mitigação do enunciado Princípio, em prol da prossecução e/ou manutenção do efeito útil da atividade/decisão jurisdicional, e, bem assim, uma situação em que se afigure improfícuo e inócuo o exercício do Contraditório por inexistência de uma qualquer consequência desfavorável e/ou antecipada/conhecida para o Recorrente, antes pelo contrário.

  6. Demonstrou, ainda, o Recorrente que a Sentença recorrida padece, ainda, de Nulidade por Condenação do Recorrente em Objeto Diverso do Pedido, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea e), do CPC, pois que, os Recorridos conformam o Incidente de Avocação, tendo em conta os alegados atrasos verificados/denotados, por parte do Recorrente, em sede de Processo Expropriativo (causa de pedir), visando, tão-somente, a transferência para o Juiz das funções de constituição e funcionamento da arbitragem (pedido), vindo o douto Tribunal a quo, ao conhecer e concluir pelo exercício abusivo do Direito do Recorrente sobre a parcela de terreno expropriada, extravasa, ao arrepio do Princípio do Dispositivo, aquele que é o Objeto do Incidente de Avocação em discussão nos presentes autos.

  7. Acresce que, a Sentença recorrida padece, ainda, de nulidade nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 615.º, do CPC, "Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão", atenta a manifesta violação do Dever de Fundamentação de Facto e de Direito pelo Tribunal a quo no que concerne à decisão de verificação Abuso de Direito do Recorrente e no que respeita à consequente condenação do mesmo no pagamento de indemnização aos Recorridos, pela sua alegada verificação, em evidente violação do disposto no artigo 205.º, da CRP e artigos 154.º e 607.º, n.º 2, ambos do CPC.

    I. Em momento algum o Tribunal a quo, logra interpretar e/ou demonstrar que se encontram preenchidos os requisitos e/ou pressupostos dos quais depende a verificação do Instituto do Abuso de Direito, omitindo, por completo, a demonstração que, da norma geral e abstrata que pretende aplicar, em concreto o artigo 334.º, do CC, se extrai a disciplina ajustada ao caso concreto.

  8. Ainda que o Tribunal a quo proceda a um enquadramento geral fáctico, o mesmo não fundamenta – como lhe competia em especial quanto a este segmento, por em causa estarem conceitos indeterminados com vasto alcance e integração –, em que medida é que o direito exercido pelo Recorrente excedeu manifestamente os limites impostos pela boa-fé ou em gritante ofensa da justiça e do fim social do direito em causa, nem tão pouco se revela fundamentada uma qualquer desproporção entre o benefício decorrente desse direito e a desvantagem resultante do correspondente dever dos Recorridos.

  9. A par da ausência de Fundamentação de Facto e de Direito no que concerne ao preenchimento dos requisitos e/ou pressupostos do Abuso de Direito do Recorrente, o Tribunal a quo incorre também em absoluta e total ausência de Fundamentação de Facto e de Direito no que concerne à condenação do Recorrente no pagamento de indemnização aos Recorridos, por verificação daquele primeiro.

    L. Assim, demonstrou o Recorrente que, o Abuso de Direito e o instituto da Responsabilidade Civil em nada se confundem, sendo certo que o primeiro poderá dar lugar ao segundo quando (e apenas) o ato abusivo seja equiparado ao ressarcimento do ato ilícito, sendo que, para o efeito, têm de se revelar verificados os demais requisitos e/ou pressupostos do dever de indemnizar, ínsitos no artigo 483.º, do CC, ou seja, a ilicitude, o dolo ou a mera culpa, o dano e o nexo de causalidade entre a atuação abusiva e o dano (cf. Ac. TRL, em 24.04.2007, Proc. n.º 2889/2008-6).

  10. Com efeito, o Tribunal a quo procede a um juízo de correlação direta entre o Abuso de Direito e a indemnização a suportar pela verificação do mesmo – como se consequência inerente se tratasse –, sem que para isso...

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