Acórdão nº 133/21.0BCLSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 24 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelTÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Sul
  1. RELATÓRIO F..., SA (doravante Impugnante) veio apresentar impugnação da decisão arbitral proferida, pelo Tribunal Arbitral Coletivo constituído no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no processo a que aí foi atribuído o n.º 432/2020-T, ao abrigo dos art.ºs 27.º e 28.º do DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – RJAT).

    Nesse seguimento, a Impugnante apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos: “A. No presente processo vem impugnada a decisão arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral Coletivo (“Tribunal Arbitral”) no processo n.º 432/2020-T (“Decisão Impugnada”); B. Em causa no sobredito processo arbitral esteve a apreciação da legalidade das liquidações de IVA e de juros compensatórios, no valor de € 1.189.428,42, emitidas em janeiro de 2019 por referência ao último trimestre de 2015; C. O que fundamentou as Liquidações Contestadas foi a posição da AT de que a Impugnante tinha a obrigação de regularizar, no ano de 2015, ano em que vendeu a Herdade, a totalidade do IVA incorrido durante 25 anos, por não ter demonstrado a utilização/ocupação dos imóveis em cujas construções/investimentos tal IVA foi incorrido; D. A questão decidenda era pois – e apenas – a de saber se a Impugnante tinha (como defendeu a AT) ou não (como sustentou a Impugnante) a obrigação de regularizar o IVA que devidamente deduziu entre 1990 e 2015 com a aquisição de bens e serviços utilizados em todos os investimentos e construções que realizou na Herdade em tal período; E. Na Decisão Impugnada, o Tribunal a quo decidiu no sentido da improcedência do pedido e, consequentemente, manteve na ordem jurídica as Liquidações Contestadas; F. Além de grosseira e profundamente errada quanto ao mérito, numa violação chocante do princípio da descoberta da verdade material e em atropelo do princípio do inquisitório (que não obstante não se discute nesta sede), a Decisão Impugnada deve ser declarada nula, não podendo manter-se, porque (i) não se pronuncia sobre diversos pontos de facto estruturantes da posição da Impugnante (sem sequer fundamentar tal silêncio, não considerando tais factos provados, nem não provados, nem decidindo que deles não pode conhecer ou que o seu conhecimento está prejudicado, simplesmente nada dizendo), (ii) pronuncia-se indevidamente sobre questões que não integram a fundamentação dos atos; (iii) é violadora do princípio do contraditório e da igualdade das partes; (iv) padece de vício de oposição dos fundamentos com a decisão, por encerrar diversas contradições lógicas entre os seus fundamentos e o julgamento de improcedência que alcança.

    G. No que respeita à omissão de pronúncia, o entendimento da doutrina e da jurisprudência mais reconhecidas na matéria é o de que uma decisão ou sentença deve considerar-se nula por omissão de pronúncia quando o Tribunal se abstenha de apreciar uma questão suscitada pelas partes, seja esta de facto ou de direito, que integre contudo a causa de pedir da parte em causa e seja estruturante desta; H. São fundamento do pedido da ora Impugnante diversas causas de pedir, sendo uma delas a ilegalidade das Liquidações Contestadas por violação do artigo 24.º do CIVA, nomeadamente por não se encontrarem verificados os pressupostos legais de que depende a obrigação de regularização do IVA referente a bens do ativo imobilizado; I. Para saber se tal regularização é ou não é devida (causa de pedir da Impugnante) é necessário, sob pena de nulidade da decisão impugnação por omissão de pronúncia, que o Tribunal aprecie os factos essenciais que constituem tal causa de pedir, estando obrigado a pronunciar-se sobre eles, seja no sentido de os dar como provados seja para os dar como não assentes, naturalmente fundamentando tal decisão; J. Na medida em que o artigo 24.º, n.º 5 do CIVA (único fundamento das Liquidações Contestadas) impõe uma obrigação de regularização de uma só vez, pelo período ainda não decorrido, para determinar os anos relativamente aos quais a obrigação de regularização existe, é facto essencial determinar, desde logo, que investimentos e construções existiam e se houve ocupação/utilização destes; K. A determinação sobre a data de início de utilização/ocupação é ainda determinante para concluir qual era o prazo de regularização aplicável (outra das causas de pedir da Impugnante) e se este havia já decorrido integralmente (também uma causa de pedir da Impugnante); L. Relativamente ao (i) projeto florestal e atividade silvícola e agrícola, (ii) aos novos pavilhões, (iii) à vedação de todo o perímetro da Herdade; (iv) à construção da barragem e das várias charcas, (v) às obras de elevação, transporte de água e sistemas de rega, (vi) à construção e instalação do posto de transformação, e (vii) à caça e criadeiro de perdizes, o Tribunal simplesmente não aprecia, numa omissão total de pronúncia; M. Assim, não dá como provado que existiram, limitando-se a referir-se a todos no seu conjunto de forma indeterminada no ponto 5 da factualidade assente e a elencá-los num momento em que descreve as justificações deduzidas pela Impugnante (cfr. página 29 da Decisão Impugnada) mas sem dar como provado na factualidade assente que existiram; N. E se assim é, muito menos logrou o Tribunal apreciar a questão de saber quando entraram em utilização/ foram ocupados tais construções/investimentos para, assim, poder determinar se a obrigação de regularização, a ser devida, já tinha caducado ou, não tendo, a quantos anos deveria dizer respeito; O. E note-se que, na verdade, o facto controvertido sempre foi a determinação da data de início de utilização/ ocupação de tais realidade, controvérsia a que o Tribunal Arbitral não deu resposta, não apenas numa gritante e manifesta violação do principio da descoberta da verdade material (a que está especialmente adstrito tratando-se de um processo arbitral), como -e sobretudo - em manifesta omissão de pronúncia geradora da nulidade da decisão impugnada que aqui se invoca; P. Em suma, verificamos que o Tribunal não se pronunciou sobre questões sobre as quais estava obrigado a pronunciar-se, nomeadamente quanto aos factos essenciais que compõem a causa de pedir da Impugnante e acima melhor descritos (para aí se remetendo), razão pela qual padece a decisão impugnada de vício de omissão de pronúncia, nos termos do artigo 28.º, n.º 1, alínea c) parte final do RJAT; Q. Acresce que a decisão impugnada versa no essencial sobre o direito à dedução do IVA entre 1990 e 2015 (que de resto faz constar do próprio sumário da decisão como fundamento desta), numa manifesta pronúncia indevida, uma vez que tal direito nunca esteve em causa e não constitui fundamento das Liquidações Contestadas; R. A questão decidenda no presente processo era apenas a de saber se a Impugnante tinha ou não a obrigação de regularizar o IVA devidamente deduzido entre 1990 e 2015; S. Porém, se atendermos ao conteúdo da Decisão Impugnada, fica claro que o Tribunal Arbitral fundou a sua decisão (não unânime e com um voto de vencido extenso e claro proferido por uma referência em IVA no panorama jurídico-tributário português7) de improcedência do pedido não nesse fundamento (a obrigação de regularização), mas na recusa do direito à dedução, que assente (quanto aos fundamentos decisórios) na inexistência (em 2019) de elementos contabilísticos anteriores a 2007 e na conclusão de que os imóveis em causa (embora referindo-se apenas às construções habitacionais e ignorando todos os demais investimentos em que foi incorrido IVA) não estariam afetos a fins empresariais; T. Ao erigir como fundamento novo para os atos a verificação da validade do direito à dedução, concluindo a decisão impugnada que o IVA foi indevidamente deduzido, tal decisão pronuncia-se sobre uma questão de direito que não vem colocada por nenhuma das partes, dando novo fundamento aos atos e pronunciando-se por isso indevidamente; U. Não só este fundamento adiantado pelo Tribunal Arbitral extravasa os seus poderes de apreciação, por não ter sido alegado pelas partes nem constituir uma questão de conhecimento oficioso, como a sua invocação na decisão impugnada é particularmente lesiva do princípio do dispositivo e do princípio fundamental da separação de poderes, previsto nos art.ºs 2.º e 111.º da CRP, porque ao fazê-la, o Tribunal está a substituir-se à AT no seu dever de fundamentação dos seus atos; V. Razões estas pelas quais, nos termos do artigo 28.º n.º 1, alínea c) primeira parte, deve ser a decisão impugnada declarada nula, com todas as consequências legais, por manifesta pronúncia indevida; W. Do que se disse decorre igualmente que a decisão impugnada encerra ainda uma violação do princípio do contraditório e da igualdade das partes; X. De facto, a discussão sobre o direito à dedução, porque é novo fundamento, sempre levaria à possibilidade de pronúncia da Impugnante e da AT sobre essa matéria, o que não ocorreu, numa manifesta violação do princípio do contraditório, também ela geradora da nulidade da decisão impugnada; Y. Tal novo fundamento, tal como consta da decisão arbitral impugnada, conhece ainda a agravante de, a proceder, e ainda que esse fosse o fundamento dos atos (que não é) ser manifesta e gritantemente ilegal, não apenas porque se a Impugnante fosse desde sempre uma entidade sem direito à dedução quanto a tais imóveis, tal significaria que estes não estavam, há décadas, afetos a uma atividade sujeita, pelo que não teria existido qualquer desafetação com a venda que pudesse motivar uma regularização de imposto, como porque, além disso, e se o fundamento das Liquidações Contestadas houvesse sido o que o Tribunal Arbitral adianta e aduz (recusa do direito à dedução), o art.º 24º n.º 5 do CIVA (único invocado pela AT) seria imprestável como base legal para a regularização, além do que os art.ºs 19 e ss do CIVA (que regulam o direito à dedução) permitiriam apenas a correção do imposto indevidamente deduzido (a admitir-se tal tese), nos últimos quatro anos, atento o...

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