Acórdão nº 1/18.2T8STS-C.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelBARATEIRO MARTINS
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo: 1/18.2T8STS-C.P1.S1 6.ª Secção ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I – Relatório Por apenso à ação especial de insolvência – em que foi declarada em tal situação “Familiar e Santos – Sociedade de Construções, Lda.” (assim declarada por sentença proferida em 05/01/2018, transitada em julgado em 25/01/2018) – o Exmo. Administrador de Insolvência (AI) apresentou a lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos, nos termos do art. 129º do CIRE.

Após o que foram apresentadas impugnações.

Pela insolvente, requerendo a exclusão de Oitante, S.A., da lista de créditos reconhecidos; Pelos seguintes credores não reconhecidos (cujos créditos reclamados haviam sido, na sua totalidade, não reconhecidos pelo Sr. Administrador de Insolvência): - Jessimo, Sociedade Imobiliária, alegando ser credora do montante de € 450.000,00, decorrente de incumprimento de contrato promessa, celebrado com a insolvente e resolvido por carta de 30/10/2017; - FF, alegando que a Jessimo, Sociedade Imobiliária, Lda. a nomeou para adquirir os direitos e obrigações provenientes do contrato-promessa que esta havia celebrado com a insolvente; contrato-promessa que a impugnante e a insolvente alteraram em 12/12/2014, data desde a qual entrou na posse do imóvel/fração objeto do contrato; contrato-promessa esse que, face ao incumprimento definitivo da insolvente, resolveu por carta datada de 07/12/2017, razão pela qual é credora da quantia de € 275.000,00, gozando tal crédito de direito de retenção.

- AA, BB, CC, DD e EE, alegando ter sido admitidos ao serviço da insolvente, sendo titulares de créditos decorrentes da relação laboral estabelecida.

Notificados o Sr. Administrador da Insolvência, a devedora e o titular do crédito (reconhecido) objeto de impugnação, responderem a Oitante, S.A., e o Sr. Administrador de Insolvência Designado a tentativa de conciliação (a que alude o artigo 136º/1 do CIRE), logrou-se conciliação quanto às impugnações apresentadas pelos credores/trabalhadores, AA, BB, ..., DD e EE e frustrou-se a conciliação quanto aos demais credores.

Em consequência, foram logo julgados verificados os seguintes créditos: - do Credor AA, no valor de € 19.800,00; - do Credor BB, no valor de € 19.800,00; - da Credora CC, no valor de € 6.750,00; - da Credora DD, no valor de € 8.800,00; - da Credora EE, no valor de € 12.600,00.

Prosseguindo nos autos, foi proferido despacho saneador – em que a instância foi declarada totalmente regular, estado em que se mantém – no âmbito do qual: -Foi apreciada a impugnação da insolvente (respeitante à exclusão de Oitante, S.A., da lista de créditos reconhecidos), tendo a mesma sido julgada totalmente improcedente.

- Foram fixados o objeto do litígio e os temas da prova, quanto às impugnações de Jéssimo, Sociedade Imobiliária, Lda. e FF.

Instruído o processo e realizado o julgamento, a Exma. Juíza proferiu sentença que: “Julgou totalmente improcedente a impugnação apresentada por Jéssimo, Sociedade Imobiliária, Lda.”; e que “Julgou parcialmente procedente a impugnação apresentada por FF, reconhecendo a mesmo titular de crédito comum sobre a insolvente no valor de € 275.000,00.

Sentença em que, passando à graduação, concluiu do seguinte modo: “(…) graduam-se os créditos acima discriminados, para serem pagos pela seguinte forma: Pelo produto da venda dos imóveis descritos sob as verbas nº 9, 10 e 11: 1º - Crédito garantido de Oitante, S.A. até ao montante de € 520.266,29; 2º - Crédito privilegiado da fazenda Nacional até ao montante de €2.946,63; 3º - Crédito do Instituto da Segurança Social, I.P. até ao montante de € 17.067,60; 4º - Créditos comuns e remanescente de garantidos e privilegiados, em pé de igualdade e rateadamente.

Pelo produto da venda das demais verbas: 1º - Crédito privilegiado da fazenda Nacional até ao montante de €2.946,63; 2º - Crédito do Instituto da Segurança Social, I.P. até ao montante de € 17.067,60; 3º - Créditos comuns e remanescente de garantidos e privilegiados, em pé de igualdade e rateadamente. (…)” Inconformada, interpôs recurso de apelação a impugnante FF, tendo a Relação ..., por Acórdão de 13/07/2021, julgado improcedente a apelação interposta e confirmado a sentença recorrida.

Ainda inconformada, interpõe a mesma FF, a título de revista excecional, o presente recurso de revista, visando a revogação do acórdão da Relação e a sua substituição por decisão que “(…) na esteira do que foi decidido no douto acórdão-fundamento determine que o crédito reconhecido à recorrente goza do direito de retenção sobre a identificada fração autónoma, devendo ser graduado na respetiva sentença no lugar que legalmente lhe compete. (…)” Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões: 1.ª Ocorre na presente revista o fundamento da sua admissibilidade, como revista excecional, enunciado na alínea c) do n.º 1 do artigo 672.º do C.P.C.

  1. Com efeito e desde logo, no douto acórdão recorrido, sem qualquer fundamentação visível, foi decidido que é aplicável ao caso concreto em apreço a jurisprudência fixada pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2014, de 20-03-2014, publicado no Diário da República n.º 95/2014, Série I de 2014-05-19, e pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2019, publicado no Diário da República n.º 141/2019, Série I de 2019-07-25.

  2. Tal decisão mostra-se em oposição com a decisão e entendimento acolhido no, igualmente douto, acórdão-fundamento, deste Colendo Supremo Tribunal de Justiça, datado de 27-04-2017, proferido no processo nº 44/14.5T8VIS-B.C1.S1 da 6ª secção e relatado pelo ilustre Conselheiro, Senhor Dr. Pinto de Almeida, onde se deliberou que, tendo sido operada a resolução do contrato-promessa em data anterior à da declaração de insolvência, não tem de ser observada a jurisprudência fixada no AUJ nº 4/2014, que pressupõe que o negócio não tenha sido ainda cumprido e que não venha a ser cumprido pelo administrador da insolvência.

  3. Ambos os referidos arestos – o recorrido e o fundamento – foram proferidos no domínio da mesma legislação e versaram sobre a mesma questão fundamental de direito, achando-se o acórdão fundamento transitado em julgado.

  4. Em ambos os arestos decide-se a mesma questão fundamental de direito, porquanto o núcleo da situação de facto, à luz da norma aplicável, é manifestamente idêntico.

    1. DA FUNDAMENTAÇÃO DO RECURSO: 6.ª Temos por reproduzida a factualidade supra descrita e constante dos autos, donde avulta que o contrato promessa evidenciado no processo foi valido e justificadamente resolvido pela recorrente, em data anterior àquela da entrada em juízo e autuação do processo de insolvência.

  5. Aplicando os citados ensinamentos retirados do douto acórdão fundamento, temos por certo que à situação sub judice não é aplicável a jurisprudência dos Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2014, de 20-03-2014, publicado no Diário da República n.º 95/2014, Série I de 2014-05-19, e do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2019, publicado no Diário da República n.º 141/2019, Série I de 2019-07-25.

  6. Neste mesmo sentido e para além do douto acórdão fundamento, milita abundante e maioritária jurisprudência firmada nos nossos distintos Tribunais Superiores, citando-se, a titulo de mero exemplo, o douto Acórdão S.T.J. de 11-09-2018 (processo nº25261/11.6T2SNT-D.L1.S2), o douto Acórdão S.T.J. de 10-11-2020 (processo nº17264/15.8T8SNT-C.L2.S1), e o douto Acórdão Relação do Porto de 15-1-2019, (processo nº 744/15.2T8OAZ-H.P1), todos disponíveis em www.dgsi.pt;.

  7. Celebrado o contrato promessa em apreço nos autos, verificada a tradição efetiva da fração prometida para a recorrente, ela tem direito de retenção para garantia do crédito que lhe foi reconhecido e proveniente de válida e justificada resolução operada antes da entrada em juízo do processo de insolvência.

  8. O direito de retenção acabado de enunciar na precedente conclusão advém à recorrente do disposto na alínea f) do nº 1 do artigo 755º do C.C., para o que ela não carece de provar qualidade de consumidora.

  9. O crédito da recorrente, garantido pelo direito de retenção da fração sobejamente identificada nos autos - fração autónoma designada pela letra “A”, descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº... – deve, pois, ser verificado e graduado na sentença e no lugar que legalmente lhe competir.

  10. Ao decidir como decidiu, o douto acórdão recorrido violou o disposto na referida alínea f) do nº 1 do artigo 755º do C.C., e os demais preceitos legais em que se estriba, designadamente o disposto no artigo 102º do CIRE.

    A Oitante, SA., respondeu, sustentando, em síntese, que o Acórdão recorrido não violou qualquer norma substantiva, designadamente, as referidas pela recorrente, pelo que deve ser mantido nos seus precisos termos.

    Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões: “ (…) I - A posição vertida nos A.U.J. deve pautar as decisões que versem sobre a mesma questão de direito e por aplicação dos mesmos preceitos legais.

    II - Os A.U.J. visam a unidade da jurisprudência, essencial para acautelar a imprescindível segurança jurídica, pelo que constituem um precedente qualificado que norteia os decisores nas questões em que a letra da lei não tem a desejável clarividência.

    III - Deve assim a questão sub judice ser dirimida à luz do vertido no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2014, de 20-03-2014, publicado no Diário da República n.º 95/2014, Série I de 2014-05-19 e do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2019, publicado no Diário da República n.º 141/2019, Série I de 2019-07-25.

    IV - Assim, da interpretação do disposto art.º 755.º do CC com as soluções introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 236/80 de 18 de julho conclui-se que a noção de consumidor para efeitos de reconhecimento do direito de retenção é entendida de forma restrita.

    V...

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