Acórdão nº 577/14.3TBALR-E.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelLUIS ESPÍRITO SANTO
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo nº 577/14.3TBALR-E.E1.S1.

Acordam, em Conferência, os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Sessão).

Apresentado o presente recurso de revista ao relator para apreciação liminar, foi por este proferida decisão singular nos seguintes termos: “Veio AA propor acção de restituição e separação de bens e de verificação ulterior de créditos, nos termos do disposto no artº 146º do CIRE, contra: 1) Massa Insolvente de BB; 2) Massa Patrimonial que constitui a herança do insolvente CC representada pelo senhor Administrador de insolvência, DD; 3) BB, 4) Herança Jacente de CC; 5) Os credores da Massa Insolvente de BB e, da Massa Patrimonial que constitui a herança do insolvente CC; e 6) EE.

Alegou essencialmente: Adquiriu o imóvel (que identifica), verbalmente, em 1978, vivendo no mesmo como sua proprietária desde então.

Em 1999 fez escritura de justificação notarial invocando a usucapião como forma de aquisição.

Quando em 10 de Julho de 2000 assinou a escritura pública estava convencida que não perderia o direito de usufruto sobre o imóvel.

Continuou a residir na mesma casa desde então, não tendo recebido qualquer dinheiro pelo contrato de venda nem dos insolventes, nem do Banco Santander Totta, S.A. que registou a hipoteca sobre o mesmo.

Em Janeiro de 2015, apareceu o requerido EE alegando ter adquirido o prédio através duma execução fiscal.

Na providência cautelar que propôs por apenso aos autos foi homologada transação judicial entre a A. e a massa insolvente reconhecendo o direito de uso e habitação vitalício da A. sobre o imóvel.

Em face do exposto, quer por nulidade, por simulação, do negócio subjacente à constituição da hipoteca do Banco Credito Predial Português, atual Banco Santander Totta, S.A., quer por aquisição do direito de propriedade da A. por usucapião sobre o imóvel, não pode o Banco Santander Totta SA adjudicar o imóvel no âmbito da liquidação, com cancelamento do registo do ónus do direito reconhecido à A. em transação judicial no Processo n.º577/14.....

Conclui pedindo: 1) a título principal que se declare a nulidade ou mesmo inexistência do negócio celebrado pela escritura realizada na Agência de ... do Crédito Predial Português SA, em 10/07/2000, de folhas 90 verso a folhas 91 do livro de notas para escrituras diversas no ... Cartório Notarial de ... nº ..., por cautela, pelo menos na parte referente à venda do Usufruto do imóvel e, consequentemente, a nulidade da hipoteca constituída pelos insolventes a favor do credor Banco Santander Totta SA– sucessor do Crédito Predial Português SA; e 2) a título subsidiário, se declare a sua aquisição do respetivo direito de propriedade por via da usucapião que retroage a 1978, sendo, em consequência, proferida sentença que declare que a A. adquiriu por usucapião o imóvel ou pelo menos do direito vitalício do seu usufruto e, a declaração de nulidade do negócio celebrado posteriormente pela escritura supramencionada; e em consequência, 3) seja ordenado o cancelamento do registo de apreensão a favor da Massa Insolvente e da Massa Patrimonial atrás mencionadas e todos os outros registos que conflituem como seu direito, e, bem assim, ordenada a restituição a favor da A.

Citados os RR, apenas o Banco Santander Totta, S.A. veio contestar os termos da acção.

Alegou essencialmente: A A. ouviu a leitura dos termos da escritura pública celebrada com os insolventes, pelo que conhece que vendeu a plena propriedade do imóvel aos mesmos e que assumiu que recebeu o preço.

Por conseguinte, não pode opor a nulidade decorrente da simulação que invoca a terceiros de boa fé como é o caso de todos os credores da massa insolvente.

Tendo passado a mera detentora do imóvel após a venda, a posse que possa ter do mesmo desde então é de má fé e sem registo, pelo que ainda não decorreu o prazo para a aquisição do mesmo por usucapião.

Por fim, não tendo o Banco Santander Totta, S.A. sido parte no procedimento cautelar, não são os termos da transação aí homologada oponíveis.

A A. veio responder à defesa por exceção, sustentando os pedidos que formulou na p.i..

Aquando do saneamento dos autos proferido saneador-sentença nos seguintes termos: “(…) Compulsados os autos, constata o Tribunal que: 1. Em 10-12-2014 foi proferida sentença de insolvência, no processo principal, de BB e esposo CC, entretanto falecido; 2. Em 28-1-2015 a A. AA instaurou, contra os insolventes e EE, providência cautelar comum de manutenção da posse do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial ..., ..., sob o nº ..., alegando para o efeito ser proprietária, de forma ininterrupta, desde 1978 do prédio em causa, tendo sempre habitado no mesmo na qualidade de sua proprietária, sendo nula, por simulação, a escritura de compra e venda que em 2002 celebrou com os insolventes declarando que lhes vendia o imóvel em causa.

  1. Em 29-1-2015 foi apreendida para a massa insolvente o referido imóvel, identificado como verba nº 5.

  2. Em 27-11-2015 foi alcançada transação judicial entre a A. AA e a massa insolvente (única contestante) nos autos de procedimento cautelar, nos seguintes termos: «As partes reconhecem o direito de uso e habitação vitalício à requerente e, nesses termos, acordam que seja mantida a posse do imóvel descrito no artigo 1º do requerimento inicial a favor de AA, enquanto a mesma for viva.» 5. A transação foi objeto de imediato despacho, homologando-a nos seguintes termos «Considerando o objeto dos presentes autos, que se encontra na disponibilidade das partes e apenas no limite do mesmo, homologa-se a presente transação no que à manutenção provisória da posse da Requerente AA, sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ..., ..., sob o n.º ..., diz respeito e, em consequência, julgo extinta a instância, nos termos do disposto nos artigos 283º/2, 284º, 289º/1/a contrario, 299º/1/3 e 277º/d), todos do Código de Processo Civil.».

  3. Em 29-6-2016, foi proferido despacho no apenso C, pacificamente transitado em julgado entre as partes, onde se fez constar que «não existe lugar à necessidade de propositura de qualquer ação principal quando a transação resolva, por acordo, em termos definitivos, a composição do litígio. Pelo exposto, indefere-se a pretensão dos RR de ser levantada a providência cautelar, por caducidade da mesma.», considerando-se que ficou reconhecido entre a aí requerente - AA – e os requeridos – EE e ora insolventes, representados pelo Sr. AI - direito de uso e habitação vitalício da requerente sobre o imóvel apreendido para a massa insolvente como verba nº 5 e, nesses termos, que fosse mantida a posse do imóvel a favor de AA, enquanto a mesma for viva.

    A mesma Autora do procedimento cautelar, AA vem agora requerer, contra os mesmos insolventes e sua massa insolvente, e contra os credores da mesma, relativamente ao mesmo imóvel, o reconhecimento do seu direito de propriedade, ou subsidiariamente um direito de usufruto, resultantes da simulação do negócio de compra e venda do imóvel aos insolventes, ou subsidiariamente da aquisição do mesmo por usucapião (tudo argumentos aduzidos na providência cautelar).

    Conforme já consignámos anteriormente, esta pretensão da A. constitui, salvo melhor entendimento, violação da autoridade de caso julgado.

    Efetivamente segundo Rodrigues Bastos (“Notas ao Código de Processo Civil”, Volume III, páginas 60 e 61.), “... enquanto que a força e autoridade do caso julgado tem por finalidade evitar que a relação jurídica material, já definida por uma decisão com trânsito, possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica, a exceção destina-se a impedir uma nova decisão inútil, com ofensa do princípio da economia processual”.

    A este propósito, tem vindo a ser sustentado maioritariamente, na esteira da doutrina defendida por Vaz Serra (R.L.J. 110º/232), que a força do caso julgado não incide apenas sobre a parte decisória propriamente dita, antes se estende à decisão das questões preliminares que foram antecedente lógico, indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado, tudo isto “... em nome da economia processual, do prestígio das instituições judiciárias e da estabilidade e certeza das relações jurídicas” (Acórdão do S.T.J. de 10/7/97 in C.J. S.T.J., V, II, 165)”.

    O alcance e autoridade do caso julgado não se pode, pois, limitar aos estreitos contornos definidos nos artºs 580º e seguintes para a exceção do caso julgado, antes se estendendo a situações em que, apesar da ausência formal da identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, o fundamento daquela figura jurídica está notoriamente presente.

    O Acórdão da RC de 28.09.2010 distingue deste modo a exceção de caso julgado e a autoridade de caso julgado: “A exceção de caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil (razões de economia processual), o que implica uma não decisão sobre a nova ação, pressupondo a tríplice identidade de sujeitos, objeto e pedido. A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em ação anterior, que se insere, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade, prevista no art.498 do Código de Processo Civil”.

    Escrevem Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto (“Código de Processo Civil anotado”, vol. 2º, 2ª ed., pág. 354.): “a exceção de caso julgado não se confunde com a autoridade de caso julgado; pela exceção, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito (…). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objeto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda ação, como pressuposto...

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