Acórdão nº 3152/20.0T8VNG.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelJOSÉ RAINHO
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 3152/20.0T8VNG.P1.S1 Revista Tribunal recorrido: Tribunal da Relação ...

+ Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção): I - RELATÓRIO AA demandou, perante o Juízo de Comércio ... e em autos de ação especial de destituição de órgãos sociais, BB, peticionando que fosse esta suspensa e depois destituída das funções de gerente da sociedade Nossavida – Construções, Lda.

Alegou para o efeito, em apertada síntese, que: - O Autor e a Ré são os únicos sócios da sociedade Nossavida – Construções, Lda., com igual participação social; - São ambos gerentes da sociedade Nossavida – Construções, Lda.; - A Ré utiliza abusivamente instalações e recursos que são pertença da sociedade Nossavida – Construções, Lda. no interesse e em proveito de certas outras sociedades comerciais das quais é sócia e gerente; - A Ré faz funcionar nas instalações da sociedade Nossavida – Construções, Lda. um ginásio, que rentabiliza, sem vantagens para a sociedade; - A Ré fez transferir, mediante contratos de cessão da posição contratual da Nossavida – Construções, Lda., trabalhadores desta sociedade para uma daquelas outras sociedades de que é sócia e gerente; - Uma destas sociedades, que tem a sua sede nas instalações da Nossavida – Construções, Lda., tem o mesmo objeto social desta, exercendo atividade concorrente com a desta e em sem prejuízo; - Autor e Ré são casados um com o outro, mas o casamento encontra-se em rutura.

Foi proferido despacho que, com fundamento em não terem sido alegados factos justificadores do pedido de suspensão da Ré da gerência da sociedade, determinou o prosseguimento dos autos apenas para apreciar o pedido de destituição.

Contestou a Ré, concluindo pela improcedência da ação.

Alegou, em apertada síntese, que: - A sociedade Nossavida – Construções, Lda. foi sempre um projeto profissional da Ré e não do Autor, que, apesar de se ter tornado gerente de direito, nunca geriu a sociedade; - O Autor nunca contribuiu para o património da sociedade e para o desenvolvimento da respetiva atividade, resultando inclusivamente a sua quota de uma liberalidade que lhe foi feita pela Ré; - Foi a Ré quem sempre financiou, em vários milhões de euros, e geriu como entendeu, sem oposição do Autor, a sociedade Nossavida – Construções, Lda.; - Por não aceitar o termo do casamento, resolveu o Autor atacar a Ré por todos os meios ao seu alcance, e é nessa sequência que, contrariamente ao que sempre fez, passou a interferir na vida da sociedade Nossavida – Construções, Lda. e a manifestar as insurgências que fundamentam a presente ação judicial; - Tal como sucede com a Ré, também o Autor permite que outras demais sociedades beneficiem das instalações da sociedade Nossavida – Construções, Lda.; - O Autor exerce de forma abusiva o direito.

O Autor respondeu à contestação, mas a resposta foi mandada desentranhar do processo.

Foram admitidos os meios de prova pessoal indicados nos articulados e foi designado dia para realização da audiência final.

Não tendo as partes e as testemunhas comparecido na audiência final, foi, pelas razões constantes da ata de fls. 337 (ata de audiência final de 25 de janeiro de 2021), determinada a abertura de conclusão para prolação de decisão final.

Na sequência, foi proferida sentença que julgou improcedente o pedido.

Inconformado com o assim decidido, apelou o Autor.

Fê-lo com êxito, pois que a Relação ... determinou a destituição da Ré do cargo de gerente da sociedade Nossavida – Construções, Lda.

+ É agora a vez da Ré, insatisfeita com tal desfecho, pedir revista.

Da respetiva alegação extrai as seguintes conclusões: 1.ª Vem o presente recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação ... de 14.09.2021, que julgou procedente o recurso de apelação e determinou a destituição da ora Recorrente do cargo de gerência da sociedade NOSSAVIDA – CONSTRUÇÕES, LDA.

  1. Apesar de proferida num processo de jurisdição voluntária, a decisão recorrida não se fundou apenas em critérios de conveniência ou oportunidade, mas também em regras de direito, substantivo e processual, pelo que o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça deve ser considerado admissível, nos termos dos artigos 671.º, n.º 1, e 988.º, n.º 2, a contrario, do Código de Processo Civil.

  2. Os fundamentos da revista são (cfr. artigo 674.º, n.º 1, als. a) e b), do Código de Processo Civil): a) a violação de lei substantiva, por errada interpretação das normas dos artigos 334.º e 342.º, n.º 2, do Código Civil e dos artigos 254.º, n.º 5, e 257.º, n.º 6, do Código das Sociedades Comerciais, e b) a violação e errada aplicação da lei de processo, concretamente das normas dos artigos 3.º, n.º 4, 986.º, n.º 1, 293.º, n.º 3, devidamente adaptado, 549.º, n.º 1 e 574.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

  3. Ademais, com a errada aplicação da lei de processo, na fixação dos factos materiais da causa, a decisão recorrida violou a lei expressa, que fixa a força probatória da confissão ficta, pelo que o erro na fixação de tais factos pode ser objeto de recurso de revista, como estabelece o n.º 3 do artigo 674.º do Código de Processo Civil.

  4. Recorde-se que, nos presentes autos, foi proferida douta sentença que julgou a ação improcedente, sentença da qual o ora Recorrido interpôs recurso de apelação, e que na resposta à alegação da apelação, a ora Recorrente e ali Recorrida veio, subsidiariamente, impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, prevenindo a hipótese de procedência das questões suscitadas pelo ali Recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 636.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

  5. Por via desta feia ação, pretende o Autor afastar da gerência da NOSSAVIDA – CONSTRUÇÕES, LDA., a sua mulher, por pura vindicta, exclusivamente em razão das desavenças do casal, bem espelhadas mormente no processo de divórcio, que foi, na pendência desta causa, decretado, e no processo-crime por violência doméstica contra ela praticada – cfr. Doc. 1 do requerimento de atribuição de efeito suspensivo.

  6. O ora Recorrido invocou na petição inicial, como alegadas causas de destituição de gerente da Ré, a constituição, por ela, de uma sociedade com atividade concorrente, e a utilização gratuita das instalações da NOSSAVIDA – CONSTRUÇÕES, LDA. por outras sociedades por ela detidas, e para fins pessoais.

  7. A ora Recorrente defendeu-se, invocado que a NOSSAVIDA – CONSTRUÇÕES, LDA., pese embora com duas quotas de valor igual, detidas por cada uma das partes, foi sempre um projeto profissional dela, e não do marido; que foi ela quem financiou massivamente a sociedade, com empréstimos no valor de Eur 3.809.950,51; que foi ela quem geriu a sociedade, até que passou a ser atacada pelo marido, em razão do dissídio que envolve o fim do seu casamento; que, em face dos ataques do Autor, não tinha obrigação de manter a atividade da sociedade, financiando-a sozinha, tendo sido por isso forçada a constituir outra sociedade, para se proteger enquanto empresária e aos seus funcionários (que, de outra forma, ficariam desempregados).

  8. Mais alegou a Recorrente, no que respeita à utilização do armazém da NOSSAVIDA – CONSTRUÇÕES, LDA., que ela não causa à sociedade os prejuízos invocados e que também o ora Autor beneficia dessas instalações.

  9. E alegou que o Autor atua com abuso do direito, quer quando invoca o exercício de atividade concorrente pela Ré, quer quando invoca a utilização que esta vem dando ao armazém da NOSSAVIDA – CONSTRUÇÕES, LDA., sendo que a matéria da exceção do abuso do direito não teve resposta, pelo que devia ter-se por confessada, nos termos dos artigos 986.º, n.º 1, 293.º, n.º 3, devidamente adaptado, 549.º, n.º 1 e 574.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

  10. Não obstante a não prova desses factos, o tribunal de primeira instância decidiu, doutamente, pela improcedência da ação, pese embora tenha considerado verificados os factos invocados pelo Autor na petição inicial.

  11. Assim, a sentença de primeira instância considerou que os factos objetivos alegados pelo Autor não são, só por si, num contexto de conflito entre as partes, integrantes de justa causa de destituição de gerente da Ré.

  12. Na verdade, não há nenhum conflito entre a sociedade NOSSAVIDA – CONSTRUÇÕES, LDA. e a sua sócia-gerente – que possibilitaria a verificação de justa causa de destituição -; o que existe é um grave conflito entre os sócios, (ex-)marido e (ex-)mulher, Autor e Ré, realidade que o tribunal de primeira instância muito bem captou e qualificou.

    14.º. Razão pela qual os factos objetivos da constituição de uma sociedade com atividade concorrente e a utilização das instalações da NOSSAVIDA – CONSTRUÇÕES, LDA., não são, só por si, suficientes para integrar o conceito de justa causa de destituição – ao contrário do que veio a ser decidido no acórdão recorrido, em violação do disposto nos artigos 254.º, n.º 5, e 257.º, n.º 6, do Código das Sociedades Comerciais.

    15.º A Ré, prevenindo a hipótese de o entendimento do Tribunal da Relação ... ser outro, isto é, que os factos que foram dados como provados na primeira instância fossem considerados suficientes para – desacompanhados de outros – determinarem a procedência da ação, subsidiariamente impugnou a decisão da matéria de facto, no que respeita aos factos alegados na contestação, tudo nos termos do disposto no artigo 636.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

  13. Trata-se dos factos constantes da contestação que foram dados como não provados e que, no entender da Recorrente, deviam ter sido dados como provados, por integrarem a exceção perentória de abuso do direito e por falta de contestação pelo Autor.

  14. O ónus da provados factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita – artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil – pelo que, invocada a exceção perentória de abuso do direito, compete ao autor impugná-la, sob pena de ser terem por confessados os factos em que assenta.

  15. A confissão, por falta de impugnação, é admissível em processo de...

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