Acórdão nº 00588/19.2BEPNF de Tribunal Central Administrativo Norte, 25 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelLu
Data da Resolução25 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: Instituto da Segurança Social, I.P. – Centro Nacional de Pensões interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Penafiel, que julgou procedente acção administrativa intentada por M.

(Rua (…)), que havia visto indeferida pretensão de atribuição de prestações por morte, negando-lhe a qualidade de membro sobrevivo de união de facto por, ao tempo da morte do falecido, se manter com ele casada, apenas separada judicialmente de pessoas e bens.

O recorrente conclui: 1.

A Autora M., requereu as prestações por morte, sendo esse mesmo requerimento objecto de indeferimento por parte do ora recorrente, com fundamento na falta de verificação dos pressupostos constantes do art.º 11º do D.L. 322/90, de 18 de Outubro, ou seja, no facto de o cônjuge separado judicialmente de pessoas e bens e o divorciado só terem direito às prestações se, à data da morte do beneficiário falecido, dele recebessem pensão de alimentos fixada por decisão judicial, ou se esta não lhes tivesse sido atribuída por falta de capacidade económica do falecido judicialmente reconhecida.

  1. Não concordando a Autora veio então, com a presente ação, peticionar a condenação do ora recorrente a praticar ato de deferimento do seu pedido de atribuição de prestações por morte devidas pelo falecimento de B..., dado que, não obstante tal separação, a Autora terá vivido com o mesmo na Rua (…), por mais de 4 anos.

  2. O Tribunal “A quo” entendeu julgar a ação procedente, por provada e, em consequência condenou o Réu, ora recorrente, a praticar ato de deferimento do pedido da Autora de atribuição das prestações por morte devidas pelo falecimento de B....

  3. Com efeito, o Tribunal recorrido entendeu que, nos termos do art.º 2º da Lei n.º 7/2001 de 11/05 a separação judicial de pessoas e bens não é impeditiva da atribuição de direitos ou benefícios fundados na união de facto, pois o que é impeditivo dessa atribuição é o casamento não dissolvido.

  4. Fundamentou a sua decisão por uma questão de segurança jurídica, tendo em conta os Acórdãos do STA, proferidos em 17/12/2019, no âmbito dos processos n.º 01378/17.2BEBRG e 0442/16.0BEBRG, declarando porém o MM.º Juiz “A quo” que não concordava com essa mesma jurisprudência.

  5. Todavia, consideramos, salvo o devido respeito, que a fundamentação de tais Acórdãos não se encontra correta.

  6. Com efeito, a alegada união de facto da Autora com o beneficiário falecido de quem a mesma se encontrava judicialmente separado de pessoas e bens, não poderá ser-lhe reconhecida, já que não pode simultaneamente ser casada mas judicialmente separada de pessoas e bens, e viver em união de facto com a mesma pessoa.

  7. Ora, os Acórdãos em causa não tiveram assim em consideração que «[a] separação […] de pessoas e bens não dissolve o vínculo conjugal» (cf. artigo 1795.º - A do Código Civil), pois a Autora e falecido beneficiário se encontravam-se casados apesar de se encontrarem separados de pessoas e bens.

  8. Além do mais, também não tiveram em conta que impedem a atribuição de direitos ou benefícios, em vida ou por morte, fundados na união de facto o casamento não dissolvido (artigo 2.º, alínea c), 1.ª parte, da Lei da União de Facto, aprovado pela Lei no 7/2001, de 11 de Maio, incluindo última alteração pela Lei nº 23/2010, de 30 de Agosto.

  9. Sendo que a separação de pessoas e bens só cessa com a reconvenção em divórcio ou com a reconciliação dos conjugues (artigo 1795 - B do Código Civil).

  10. Ora, se a Autora e o beneficiário falecido pretendessem «restabelecer a vida em comum e o exercício pleno dos direitos e deveres conjugais» teriam de reconciliar-se (artigo 1795 – C do Código Civil).

  11. No caso concreto resulta que nunca houve reconciliação entre a Autora e o falecido beneficiário. Por outras palavras, para efeitos da Lei a Autora e falecido estavam separados entre si (pessoas) e nunca restabeleceram «a vida em comum e o exercício pleno dos direitos e deveres conjugais» (cf. artigo 1795 – C do Código Civil).

  12. E se estavam separados entre si (separação de pessoas) e nunca restabeleceram a vida em comum como exigia a Lei também não lhes poderia ser reconhecida a união de facto.

  13. Não podemos deixar de transcrever o recente Acórdão, num caso semelhante ao presente, proferido pelo Tribunal Central Administrativo do Norte, sob o n.º 2260/15.3BEPNF da UO 1, que diz o seguinte: 15. “(…) Assumindo, por princípio, que não deve ser concedida a protecção dada por lei à união de facto quando um dos unidos permaneça com vínculo de casamento não dissolvido, salvo se tiver sido decretada a separação de pessoas e bens entre o unido de facto e o seu cônjuge, terceiro à união de facto, abrindo porta a essa protecção. Fenómeno impossível de acontecer…entre duas pessoas casadas entre si (como acontece, já que a separação judicial de pessoas e bens entre a autora e o falecido não dissolveu o vínculo conjugal – art.º 1795-A do CC). No caso em mãos não pode buscar-se solução trazendo à colação discussão assente no que seja excepção de princípio ao aludido impedimento, quando ausente da equação terceiro, suposto na tutela da relação e nessa previsão, advindo de todo o estéril e infrutuoso perscrutar se o impedimento existe ou surte afastado pela separação E antes o que há que reconhecer é uma união pelo vínculo matrimonial, importando uma relação de estado (civil) inconciliável com a adopção concorrencial ou pretensão de beneficiário doutro diferendo estatuto, como é aquele conferido por lei à união de facto (e não se trata aqui de uma sucessão – para tal hipótese, com lógica de paralelismo, simplesmente recordando, lembramo-nos do Ac. da RC, de 07/06/2005, proc. n.º 772/05) À qual, perante o que é de pretensão substantiva da autora, dá resposta o DL n.º 322/90, de 18/10, no seu art.º 11º (situação de separação ou divórcio): “O cônjuge separado judicialmente de pessoas e bens e o divorciado só têm direito às prestações se, à data da morte do beneficiário, dele recebessem pensão de alimentos decretada ou homologada pelo tribunal ou se esta não lhes tivesse sido atribuída por falta de capacidade económica do falecido judicialmente reconhecida”. Pressupostos que não se encontram reunidos 16. Com efeito, a união de facto acontece entre pessoas não unidas, entre si, através do casamento, o que não sucede entre a recorrida e o beneficiário falecido, uma vez que os mesmos eram casados, estando porém, separados de pessoas e bens.

  14. E, constitui impedimento à atribuição de efeitos jurídicos à união de facto a circunstância de haver casamento não dissolvido, já que a separação de pessoas e bens não dissolve o casamento, apenas faz cessar alguns deveres, nomeadamente o dever de coabitação.

  15. Neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08/04/2003, proferido no processo n.º 03ª926, disponível para consulta in www.dgsi.pt/jstj.nsf, do que se transcreve o seguinte texto: “(…) Na separação judicial de pessoas e bens os cônjuges não querem pôr termo ao vínculo conjugal, mas antes pôr termo ao seu dever de coabitar. Nos termos do Artigo 1795º A e 1795º D do Código Civil a separação não elimina os deveres de respeito, de cooperação e de alimentos nem o dever de recíproca fidelidade entre os cônjuges separados de pessoas e bens. Os separados continuam a ser marido e mulher. Pelo que, apesar da união de facto ter passado a ter proteção legal, a situação jurídica existente – casamento – terá que prevalecer”.

  16. Por isso, entendemos que para que a recorrida afastasse os efeitos decorrentes de uma situação consagrada em registo, por ato voluntário devidamente exteriorizado (separação de pessoas e bens) sempre teria que praticar ato de igual força probatória (mediante reconciliação – artigo 1795º C do Código de Processo Civil).

  17. Deste modo, deveria o MM.º Juiz “A quo” ter concluído que a alegada união de facto entre a requerente (Aqui Autora) com o beneficiário de quem a mesma se encontrava judicialmente separada de pessoas e bens, não poderia ser-lhe reconhecida, porquanto não pode simultaneamente ser casada mas judicialmente separada de pessoas e bens, e viver em união de facto com a mesma pessoa.

  18. Não o fazendo violou os artigos 11º do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de outubro; artigo 2º da Lei n.º 7/2001, de 11/05, na redacção dada pela Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto; artigos 1795-A e 1795-B e 1795º-C, todos do Código Civil.

    A recorrida contra-alegou, concluindo: I. O Recorrente interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou a acção administrativa, movida pela Autora/Recorrida, procedente e, em consequência: a) Anulou o despacho impugnado nos autos, que indeferiu a atribuição à autora da pensão de sobrevivência; b) Condenou a entidade demandada a reconhecer a autora como titular do direito à pensão de sobrevivência por morte do beneficiário falecido B... , na qualidade de unida de facto; c) Condenou a entidade demandada a pagar à autora a pensão de sobrevivência desde Setembro de 2018, mês seguinte ao do óbito do beneficiário falecido B....

    1. Como vimos, a única questão suscitada consistia em saber se dois cônjuges juridicamente separados de pessoas e bens podem, ainda assim, unir-se de facto por forma a que um deles beneficie das medidas protectivas dessa união, designadamente no tocante à pensão de sobrevivência.

    2. A douta sentença do Tribunal a quo veio esclarecer, de forma inequívoca, que “à luz do mencionado valor da segurança jurídica cumpre aplicar uniformemente o direito, concedendo (ou retirando) os mesmos direitos a quem se encontre em situação materialmente idêntica à de casos anteriores. É que, note-se, mesmo que os acórdãos não se refiram a uniformização de jurisprudência, não deixamos de notar que foram proferidos por diferentes secções do STA, no mesmo dia, e que não existe nenhum voto de vencido (apenas uma declaração de voto), pelo que não deixa de representar uma posição sólida sobre o assunto.”.

    3. ...

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