Acórdão nº 322/13.0TVLSB.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelPEDRO DE LIMA GONÇALVES
Data da Resolução02 de Fevereiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1.

AA propôs a presente ação declarativa, sob a forma ordinária, contra BB, pedindo que seja declarada nula a escritura de partilhas entre ambos celebrada em 20.02.2006 ou, em alternativa, que o réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de €193.485,36 a título de tornas para igualação da partilha.

Alega que: - Autora e Réu foram casados um com o outro, casamento que cessou por divórcio; - Sofreu maus tratos infligidos pelo Réu durante o casamento e que padeceu de perturbação depressiva e consumo excessivo de álcool; - Foi num momento de intensa depressão e demência que assinou os documentos no escritório do advogado, continuando a ser ameaçada para assinar a escritura de partilhas, o que fez; - A Autora ficou prejudicada na partilha dos bens por escritura, sendo atribuídos aos bens valores equiparados, evitando que o Réu ficasse a dever tornas à A., como seria se os valores atribuídos fossem os reais, nos termos alegados, e que no seu entender consubstancia nulidade por ofender os bons costumes e por o Réu ter ficado com valor superior ao dobro do que lhe era devido; - O negócio seria anulável face ao estado de incapacidade em que se encontrava.

  1. O Réu contestou, invocando, por esta ordem, as exceções de litispendência, caducidade do direito de ação, ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir, ilegitimidade por preterição de litisconsórcio necessário passivo e incompetência territorial do tribunal, impugnando a generalidade da matéria de facto alegada pela autora e deduzindo reconvenção fundada em litigância de má-fé por parte da autora e em danos não patrimoniais por esta causados, no montante global de € 10.000.

  2. A Autora replicou, respondendo às exceções e ao pedido reconvencional.

  3. A exceção de incompetência territorial foi julgada procedente, tendo o processo sido remetido para o então Tribunal Judicial da Comarca ....

  4. Realizou-se audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador que, além do mais: - Julgou improcedente a exceção dilatória de ilegitimidade processual por preterição de litisconsórcio necessário passivo; - Julgou parcialmente procedente a exceção dilatória de preterição de caso julgado quanto à causa de pedir e fundamentos jurídicos relativos à anulabilidade da escritura de partilhas celebrada entre Autora e Réu por negócio usurário e violação do artigo 282.º do Código Civil, absolvendo o Réu da instância, e por referência à factualidade alegada nos artigos 3.º a 41.º, 53.º e 56.º a 61.º da petição inicial; - Julgou improcedente a arguição da exceção dilatória de ineptidão da petição inicial; - Julgou parcialmente procedente a exceção de caducidade do direito de ação, absolvendo o réu do pedido de anulabilidade da escritura de partilhas e da conversão de negócio anulável; - Admitiu a reconvenção.

    Procedeu-se à identificação do objeto do litígio e ao enunciado dos temas de prova.

  5. Realizou-se a audiência final, na sequência da qual foi proferida sentença que julgou improcedentes, quer a ação, quer a reconvenção.

  6. Inconformada com esta decisão, a Autora interpôs recurso de apelação.

  7. O Tribunal da Relação ... veio a julgar improcedente o recurso.

  8. Novamente inconformada, a Autora veio interpor recurso de revista (recurso de revista que foi admitido pela formação de Juízes a que alude o n.º 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil), formulando as seguintes (transcritas) conclusões (excluindo-se as conclusões relacionadas com a admissão da revista excecional): 23.ª Para que se obtenha a declaração de nulidade de uma determinada estipulação negocial por violação do artigo 1730º do C.C. não é necessário que concorram outros vícios, nomeadamente falta ou vícios da vontade.

    1. Mesmo no caso de contrato de partilhas de bens comuns do casal livremente, celebrado na forma da Lei, a parte que posteriormente entenda que foi violado o artigo 1730º do C.C. e pretenda que o contrato seja declarado nulo apenas tem de alegar e provar que a participação de cada um dos cônjuges por metade no activo e no passivo não foi respeitada.

    2. Mesmo nos casos em que seja manifesto que existe desproporção entre o que cada um dos ex-cônjuges obtém na partilha deve ser aplicado diretamente o art.1730º do C.C. e declarada a nulidade dessa partilha não havendo qualquer recurso à figura da fraude à lei e ao artigo 280º do C.C.

    3. O princípio da segurança jurídica claudica perante o princípio da Justiça neste caso concreto, para mais quando o que se pede é a conversão do negócio e o pagamento pelo ex-cônjuge de uma quantia a fim de igualar a partilha.

    4. Uma escritura de partilhas de bens comuns do casal em que sejam adjudicados a um dos ex-cônjuges € 288.431,72 e ao outro apenas € 200.000,00 viola indubitavelmente a regra da participação por metade no activo e no passivo da comunhão prevista no artigo 1730º do Cód. Civil.

    5. Tendo ficado provado que na escritura de partilhas impugnada nesta acção o ora recorrido levou a mais € 88.431,72 do que a recorrente existe uma desproporção considerável e atendível.

    6. E há manifesta desproporção entre o que é atribuído a cada ex-cônjuge na partilha se o imóvel que foi adjudicado a um deles foi o único que teve um valor atribuído superior ao valor patrimonial tributário sendo todos os outros bens imóveis adjudicados ao outro ex-cônjuge por valores iguais aos tributários.

    7. Por violação do estatuído no artigo 1730º do C.C. a escritura de partilhas de bens comuns do casal celebrada pelas partes em 20.02.2006 é nula.

    8. Sendo nula a partilha, como pedido pela A., poderá a mesma ser convertida, nos termos do artigo 293º do Cód. Civil, num negócio com conteúdo diferente.

      Com efeito, o fim prosseguido pelas partes, a partilha dos bens do dissolvido casal, permite supor que elas teriam querido alterar o conteúdo do negócio se tivessem previsto a invalidade.

    9. Pode ainda ser considerado que a partilha realizada pelas partes nesta acção apenas é parcialmente inválida sendo de aplicar o artigo 292º do C.C., como fez o acórdão fundamento do S.T.J. relatado pelo Juiz Conselheiro Salazar Casanova.

    10. A forma de respeitar a partilha igualitária dos bens do casal passará pela condenação do Recorrente a entregar à Recorrida metade da verba que levou a mais, ou seja, condenado a pagar a quantia de € 44.215,86 a título de tornas.

    11. Por ter violado o que dispõe o artigo 1730º do C.C. deve o douto acórdão recorrido ser anulado e substituído por um outro que condene o recorrido a pagar à recorrente a quantia de € 44.215,86 (quarenta e quatro mil duzentos e quinze euros e oitenta e seis cêntimos), acrescida de juros legais à taxa legal supletiva desde a data da partilha até pagamento, a título de tornas para igualação da partilha.

  9. O Réu contra-alegou, impugnando a admissibilidade do recurso de revista (quer normal quer excecional) e pugnando pelo infundado da revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões (excluindo-se as relativas à admissibilidade do recurso de revista): 28.ª Vem a recorrente, novamente, peticionar pela nulidade da partilha de bens imóveis por violação do artigo 1730.º, n.º 1, do Código Civil.

    1. Resulta do referido preceito que os cônjuges não podem determinar quais os bens que integram ou não a comunhão, nem podem determinar uma proporção diversa da metade para cada um dos cônjuges.

    2. Podem, no entanto, acordar livremente os bens que lhes são adjudicados e o valor a atribuir aos mesmos.

    3. Ora, no caso concreto as partes, por acordo, livremente e de boa-fé, escolheram quais os bens que lhes seriam adjudicados e qual o valor que seria atribuído a cada um deles.

    4. Não tendo havido tal falta ou vício da vontade, o n.º 1 do artigo 1730.º CC não pode ser interpretado no sentido de legitimar a destruição de um negócio livremente celebrado com fundamento numa reavaliação dos bens partilhados ou prometidos partilhar.

    5. Em momento de conclusões, refere a recorrente: “28- Tendo ficado provado que na escritura de partilhas impugnada nesta acção o ora recorrido levou a mais € 88.431,72 do que a recorrente existe uma desproporção considerável e atendível.” 34.ª Ao contrário do que sustenta nada ficou provado (!) Sendo que, salvo melhor entendimento, a provar a totalidade dos bens comuns do casal é essencial para se aferir se foi ou não violada a regra disposta no 1730.º do Código Civil.

    6. Cabia à Autora fazer prova da totalidade do património, do valor real dos imóveis à data dos factos e, consequentemente, que a escritura de partilha era nula por violação do disposto no art.º 1730.º do CC. O que não fez.

    7. No caso em apreço, o Tribunal não dispunha de elementos de prova suficientes para aferir se os bens ali partilhados eram ou não os únicos bens comuns do casal. Veja-se, de resto, que, como resultou provado – factos 6. e 8 – as partes dispunham de mais património comum do que o referido em escritura de partilha outorgada a 20.02.2016.

    8. Sem necessidade de mais considerações, o recorrido concorda com o doutamente decidido na 1.ª Instância e mantido no Acórdão sob recurso de que inexiste qualquer violação da regra imperativa do art.º 1730.º do CC.

    E conclui: “deve o presente recurso ser julgado improcedente, confirmando-se a sentença recorrida”.

  10. Cumpre apreciar e decidir.

    1. Delimitação do objeto do recurso Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT