Acórdão nº 0328/21.6BEBJA de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida no processo com o n.º 328/21.6BEBJA Recorrente: “A…………, S.A.” Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) 1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade acima identificada, contra quem corre termos pelo Serviço de Finanças de Sines uma execução fiscal instaurada para cobrança coerciva de dívida à Câmara Municipal de Sines, veio interpor recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, que julgou improcedente a reclamação judicial por ela deduzida ao abrigo do disposto no art. 276.º e segs. do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) contra a decisão por que a Directora de Finanças de Setúbal indeferiu o pedido de que fosse «declarada a nulidade de todo o processo de execução fiscal» com fundamento em vício de usurpação de poderes, «uma vez que a Administração tributária, ao instaurar o presente processo de execução fiscal, invadiu a esfera de competências jurisdicionais».

1.2 Apresentou alegações, com conclusões do seguinte teor: «

  1. Como decorre, clara e expressamente, do artigo 155.º, n.º 1, do CPA, a cobrança coerciva de dívida a uma pessoa colectiva pública através de processo de execução fiscal pressupõe, necessariamente, a existência de acto administrativo que determine a obrigação de pagamento de uma determinada prestação pecuniária, o seu valor e o respectivo prazo de pagamento voluntário.

  2. Por outras palavras, a dívida abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 155.º, n.º 1, do CPA, terá sempre de emergir, imediata e directamente, de acto administrativo – que definindo, concretamente, a obrigação de pagamento de uma prestação pecuniária, o seu valor e o respectivo prazo de pagamento voluntário – seja susceptível de ser impugnado em razão do concreto conteúdo assim fixado.

  3. Sucede, porém, que, as dívidas objecto do processo de execução aqui em causa (i.e.

    , dívidas provenientes de letras em circulação e de encargos bancários) não emergem de um acto administrativo que haja fixado a obrigação de pagamento de uma determinada prestação pecuniária, o seu valor e o respectivo prazo de pagamento voluntário.

  4. Com efeito, ainda que as referidas dívidas se encontrem relacionadas, como vem apontado na Sentença recorrida, mediatamente, com o Alvará de Loteamento n.º 1/96 (acto administrativo que, além de aprovar a operação de loteamento, fixou as garantias de cumprimento das obrigações ali assumidas) o certo é que do mesmo não resulta, face à natureza das dívidas aqui em causa (recorde-se, uma vez mais, dívidas provenientes de letras em circulação e de encargos bancários) a fixação da concreta prestação pecuniária devida, o seu valor e o respectivo prazo de pagamento voluntário, não sendo o mesmo, portanto, susceptível de constituir o acto administrativo recortado no artigo 155.º, n.º 1, do CPA.

  5. Por conseguinte, da «pré-existência de alvará de loteamento com o n.º 1/96, aprovado pela Câmara de Sines», não se pode concluir, contrariamente ao que vem defendido na Sentença recorrida, «pela existência de competência por parte da Administração tributária para a instauração e processamento do processo de execução fiscal em apreço».

  6. Para tanto, sempre seria imperioso a emissão, por parte da Câmara Municipal de Sines, de um outro (posterior) acto administrativo que tivesse determinado, em face das circunstâncias entretanto ocorridas, as concretas prestações pecuniárias a pagar pela RECORRENTE, os seus valores e os respectivos prazos de pagamento voluntário (e que, atento tal contexto, fosse susceptível de ser impugnado pela RECORRENTE em face desse específico conteúdo).

  7. Não tendo a Câmara Municipal de Sines praticado tal acto administrativo impõe-se, pois, concluir que não se encontram preenchidos os pressupostos de aplicação do artigo 155.º, n.º 1, do CPA, sendo, por conseguinte, o recurso ao processo de execução fiscal para cobrança coerciva das dívidas provenientes de letras em circulação e de encargos bancários aqui em causa legalmente inadmissível.

  8. Significa o que antecede, por conseguinte, que o Município de Sines se encontrava legalmente impedido de recorrer ao processo de execução fiscal e a Administração tributária legalmente impedida de praticar os actos próprios de execução tendentes à cobrança coerciva daquelas dívidas provenientes de letras em circulação e de encargos bancários.

  9. Noutros termos, a Administração tributária não tinha poderes para instaurar um processo de execução fiscal, nem para a prossecução de actos a ele respeitantes, destinados à cobrança coerciva de dívidas proveniente de letras em circulação e encargos bancários.

  10. Neste contexto, ao ter instaurado o processo de execução fiscal n.º 2259199601007165 para cobrança coerciva de dívidas proveniente de letras em circulação e encargos bancários e, nesse contexto, ao ter praticado actos que competiam aos Tribunais (a começar pela citação da RECORRENTE para o referido processo de execução) verifica-se, então, que a Administração fiscal invadiu a esfera de atribuições dos órgãos jurisdicionais.

  11. Assim, encontrando-se os actos praticados pela Administração tributária no âmbito do processo de execução fiscal n.º 2259199601007165 incluídos nas atribuições dos Tribunais, nenhuma dúvida subsiste que os mesmos padecem do vício usurpação de poderes (mais concretamente do vício da usurpação do poder judicial), determinativo, nos termos do disposto no artigo 133.º, n.º 2, alínea a), do CPA (actual artigo 161.º), da sua nulidade.

  12. Por seu turno, o artigo 134.º do CPA (actual artigo 162.º) prevê que o acto nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade e que, salvo disposição legal em contrário, a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode, também, ser conhecida por qualquer autoridade e declarada pelos tribunais ou pelos órgãos administrativos competentes para a anulação.

  13. Em face de todo o exposto, impõe-se, pois, reconhecer a existência do apontado vício de usurpação de poderes e, nesse contexto, declarar a nulidade dos actos praticados pelo Serviço de Finanças de Sines no âmbito do processo de execução fiscal n.º 2259199601007165, revogando-se, em consequência, a Sentença recorrida na parte em que julgou improcedente esta pretensão Nestes termos e nos mais de direito que Vossas Excelências não deixarão de suprir, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que reconheça a existência do apontado vício de usurpação de poderes e, nesse contexto, declare a nulidade dos actos praticados pelo Serviço de Finanças de Sines no âmbito do processo de execução fiscal n.º 2259199601007165».

    1.3 A Recorrida não contra-alegou.

    1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, deu-se vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso. Isto, após resumir o decidido pela sentença e os termos do recurso, com a seguinte fundamentação: «[…] A questão controvertida consiste em saber se o Município credor se podia socorrer do processo de execução fiscal, para proceder à cobrança coerciva da dívida – proveniente de letras em circulação e encargos bancários –, ou se, como pretende a recorrente, tal configura uma situação de usurpação de poder.

    Diga-se, antes de mais, que à data dos factos se encontrava em vigor o Código de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 154/91, de 23.04 e que, à data a que remonta a instauração do processo de execução fiscal, os Municípios não detinham competência própria para a cobrança coerciva das dívidas, recorrendo à administração fiscal para a respectiva promoção com fundamento em certidão de dívida, representando o respectivo título executivo. Tal regime veio a ser alterado com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26.10 que aprovou o CPPT e que no seu artigo 7.º atribui às autarquias locais poderes próprios para a cobrança coerciva, mas apenas relativamente às dívidas com natureza tributária, ou seja, às dívidas decorrentes das receitas municipais tributárias.

    1 [1 Cfr. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16.09.2020 (P. 0529/11.5BEPRT), disponível, tal como os demais, em www.dgsi.pt e o parecer do Conselho Consultivo da PGR n.º 79/2004, disponível em www.ministeriopublico.pt/pareceres-pgr].

    A recorrente defende que a Administração Tributária não detinha para tal competência, pelo que todos os actos praticados no âmbito do processo de execução fiscal se encontram feridos do vício de usurpação de poder, por ter a AT invadido a esfera de atribuições jurisdicionais dos tribunais.

    Na sua alegação propugna que, nos termos do artigo 155.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo (CPA), a cobrança coerciva de dívida a pessoa colectiva pública, através do processo de execução fiscal pressupõe a existência de um acto administrativo que determine a obrigação de pagamento de uma determinada prestação pecuniária, o seu valor e respectivo prazo de pagamento voluntário.

    Defende que, no caso presente, decorrendo as dívidas de encargos bancários e de letras em circulação, apesar de decorrentes de alvará de loteamento, não podem incluir-se nas prestações pecuniárias susceptíveis de serem cobradas em execução fiscal, nos termos do artigo 233.º do CPT, uma vez que não decorrem de acto administrativo praticado por pessoa colectiva.

    Diga-se, antes de mais, que estando o objecto da presente reclamação de actos do órgão de execução fiscal circunscrito à apreciação da legalidade do despacho que incidiu sobre o requerimento de nulidade do processo de execução fiscal, é também esse o objecto do presente recurso, limitado ao segmento decisório relativo ao invocado vício de usurpação de poder.

    E, como bem refere a douta sentença recorrida, a reclamante confunde a nulidade do processo de...

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