Acórdão nº 01789/16.0BELRS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelJOSÉ GOMES CORREIA
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. – Relatório Vem, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), e n.º 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e artigo 125.º do CPPT, deduzida e requerida a arguição de nulidade por COMPANHIA DE SEGUROS …………, S.A.

, melhor sinalizado nos autos, do acórdão de 06/10/2021, que decidiu negar provimento ao recurso.

Irresignada, a recorrente COMPANHIA DE SEGUROS…………, S.A.

formulou a arguição de nulidade, nos termos e pelos seguintes fundamentos: 1.º Os presentes autos têm como objeto a liquidação adicional de Imposto do Selo e respetivas liquidações de juros compensatórios, do ano de 2013, no montante total de € 263.986,64 (cf. doc. n.º 3 da p.i.).

  1. Em concreto, está em causa a apreciação da tributação das comissões pagas pela Requerente ao Banco …………, SA no âmbito da atividade de mediação de seguros.

  2. Salvo devido respeito, entende a Requerente que as aludidas comissões estão isentas à luz do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo.

  3. Efetivamente, com o devido respeito, se o legislador incluiu a referência a “(…) instituições financeiras” na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo foi, precisamente, porque não pretendeu restringir o conceito de operações previstas naquela norma às operações efetuadas por instituições de crédito e por sociedades financeiras no âmbito da atividade bancária e da intermediação financeira.

  4. Neste sentido, não se conformando com a sentença de 22 de janeiro de 2021, proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, a ora Requerente interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos dos artigos 280.º, n.º 1 e 282.º, n.º 1, do CPPT.

  5. Por acórdão deste douto Tribunal proferido em 6 de outubro de 2021, foi negado provimento ao recurso e, consequentemente, confirmada a sentença recorrida que julgou improcedente a impugnação judicial.

  6. Sucede que, com a devida vénia, não pode a ora Requerente conformar-se com tal acórdão proferido por este Venerando Tribunal, porquanto este Tribunal é omisso em relação a uma questão fundamental de direito que lhe cabia apreciar, em concreto, questão de (in)constitucionalidade das normas aplicadas nos presentes autos.

    Vejamos, 8.º A Requerente suscitou a inconstitucionalidade do n.º 7 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, por violação do princípio da retroatividade da lei fiscal consagrado no n.º 3 do artigo 103.º da CRP, na interpretação segundo a qual a alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo não ser aplicável na situação vertente em virtude de a norma de isenção ser de aplicação restrita somente às “(…) garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea”.

  7. Tal inconstitucionalidade constava das conclusões 9.ª a 17.ª das alegações de recurso, destacando-se a conclusão 15.ª segundo a qual “O n.º 3 do artigo 103.º da CRP proíbe a retroatividade da lei fiscal, e que o caráter interpretativo de determinada norma implica a sua aplicação retroativa, pelo que só poderá ser conferido caráter interpretativo à lei fiscal em situações em que era notório e inquestionável que a interpretação a conferir à norma era o entendimento que o legislador apenas expressamente consagrou mais tarde. Caso contrário o princípio da proibição da retroatividade da lei fiscal ínsito no n.º 3 do artigo 103.º da CRP será manifestamente violado, o que desde já se invoca para os devidos efeitos legais na eventualidade de se equacionar a aplicação deste n.º 7 ao caso em apreço”.

  8. Todavia, o douto Tribunal não se pronunciou acerca da referida inconstitucionalidade.

  9. Sucede que tal questão é de importância fundamental para a boa resolução da ilegalidade da liquidação tal como foi sindicada nos presentes autos, uma vez que foi com base na alegada eficácia interpretativa do n.º 7 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, aditada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, que o douto Tribunal determinou a não aplicação da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo na situação sub judice, pelo que impõe-se o conhecimento da inconstitucionalidade suscitada.

  10. Com efeito, o douto Tribunal reconhece a existência de dúvida sobre o sentido e alcance da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo (cf. p. 22 do Acórdão), 13.º limitando-se a afirmar que “Visando arredar tais dúvidas de hermenêutica jurídica, no Orçamento de Estado para o ano de 2016, Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, o legislador ditou o n.º 7 àquele artigo 7º, esclarecendo que o disposto na alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras directamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea, atribuindo natureza interpretativa ao disposto neste novo n.º 7” (cf. p. 22 do Acórdão), 14.º e concluindo que “(…) o regime a aplicar ao caso concreto é o do disposto naquele artigo 7º, n.º 7, mas com o sentido que lhe foi atribuído pela Lei Interpretativa e que é o de que nele não cabem as operações de mediação de seguros efectuadas pelos Bancos e, consequentemente, as mesmas não estão isentas da incidência e pagamento do Imposto de selo nos termos desse mesmo preceito legal” (cf. p. 23 do Acórdão).

  11. Sucede que, tal como decorre das alegações de recurso, salvo melhor opinião, a eficácia interpretativa conferida pelo n.º 7 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo na redação conferida pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, não pode ser admitida porquanto na verdade tal norma encerra uma disposição inovatória! 16.º Para esse efeito, a Requerente colocou à evidência a inexistência de qualquer correspondência da expressão “operações financeiras stricto sensu” na letra da lei, a interpretação perfilhada pelo Tribunal a quo na sentença recorrida não pode ser invocada para sustentar que as comissões pagas pela Recorrente ao Banco …………, SA pertencem àquela espécie de comissões e não se encontram isentas.

  12. Ao que acresce que, conforme amplamente demonstrado, de acordo com o elemento histórico da interpretação da lei, a regra de isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo não impõe quaisquer requisitos adicionais para o tipo de comissões, nomeadamente em função da atividade das entidades envolvidas.

  13. Efetivamente, sem prejuízo de, no passado, o legislador ter incluído um elemento objetivo específico como pressuposto da isenção (através da Lei n.º 30-C/2000, de 29 de setembro), tal elemento foi expressamente excluído com a Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, a partir de 1 de janeiro de 2003, só voltando a ser introduzido pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, a partir de 31 de março de 2016.

  14. O que denuncia o falso caráter interpretativo do n.º 7 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, pelo que se impunha a ponderação e apreciação da sua (in)constitucionalidade por violação do princípio da proibição da retroatividade da lei fiscal, consagrado no n.º 3 do artigo 103.º da CRP, nos termos invocados e com as respetivas consequências.

  15. Em face do exposto, importa ter presente que, de acordo com o n.º 1 do artigo 125.º do CPPT, “Constituem causas de nulidade da sentença (…) a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar (…)”.

  16. A este propósito, escreve JORGE LOPES DE SOUSA que haverá nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando “(…) o tribunal, pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse ter tomado posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento. No entanto, mesmo que entenda não dever conhecer de determinada questão, o tribunal deve indicar as razões por que não conhece dela, pois, tratando-se de uma questão suscitada, haverá omissão de pronúncia se nada disser sobre ela.” (cf. «Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado», Volume II, Áreas Editora, 6.ª edição, 2011, p. 363, sublinhado nosso).

  17. Do mesmo modo, nos termos da primeira parte da alínea d) do artigo 615.º do CPC aplicável ex vi artigo 1.º, e n.º 3 do artigo 140.º do CPTA, uma decisão é nula quando “(…) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)”.

  18. Assim, é evidente a referida omissão de pronúncia deste douto Tribunal, a qual configura uma nulidade da decisão nos termos da referida alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) e artigo 125.º do CPPT.

  19. A propósito de uma situação em tudo semelhante à dos presentes autos, pois foi invocada nulidade por omissão de pronúncia quanto a questões de inconstitucionalidade que não foram conhecidas, vide o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 07.05.2020, proferido no âmbito do processo n.º 141/19.0BCLSB, que decidiu em suma que “É uma verdadeira questão, e não um mero argumento, a alegação de que uma determinada disposição legal, interpretada num determinado sentido é inconstitucional” e que tendo sido suscitada inconstitucionalidade “(…) e não tendo o Tribunal Arbitral - que perfilhou na sua decisão a interpretação do normativo no sentido reputado de inconstitucional - apreciado expressamente essa questão, há que concluir que o acórdão arbitral impugnado padece de nulidade por omissão de pronúncia” (destacado nosso).

  20. Em face de todo o exposto, salvo melhor opinião, resulta, pois, evidente que este douto Tribunal não analisou questão que se lhe impunha, o que consubstancia uma nulidade por omissão de pronúncia nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

  21. Deste modo, evidenciada a omissão de pronúncia no que concerne à apreciação da inconstitucionalidade suscitada – a inconstitucionalidade do n.º 7 do artigo 7.º...

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