Acórdão nº 0929/17.7BEPRT 01504/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Fevereiro de 2022
Magistrado Responsável | JOSÉ GOMES CORREIA |
Data da Resolução | 23 de Fevereiro de 2022 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1.– Relatório Vem interposto recurso jurisdicional por A……..SGPS, S.A.
, melhor sinalizado nos autos, visando a revogação da sentença de 12-10-2021, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente a reclamação do despacho da Directora de Finanças Adjunta da Direção de Finanças do Porto, proferido em 17-08-2016, que indeferiu a garantia prestada no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1805201601031635, e absolveu a Fazenda Pública do pedido.
Irresignado, nas suas alegações, formulou o recorrente A…….. SGPS, S.A.
, as seguintes conclusões: 1.
Está em causa nos presentes autos sindicar a legalidade de uma decisão do órgão de execução fiscal, no sentido de que a fiança destinada a garantir o pagamento da dívida tributária não é idónea.
2.
Vem o presente recurso interposto da douta Sentença 12.10.2021, com data de prolação de 05.07.2017, segundo a qual o Tribunal a quo julgou improcedente a reclamação judicial apresentada contra o despacho do órgão de execução fiscal que indeferira a prestação de garantia por meio de fiança, com base na sua inidoneidade aferida de acordo com o disposto no artigo 199.º-A do CPPT.
3.
Pese embora os critérios estabelecidos no referido preceito legal não tenham passado incólumes à critica do Tribunal a quo – na senda do reiteradamente decidido por este Venerando Tribunal - a Sentença sob recurso acabou por não espelhar a adequada (e devida) ponderação dos interesses em conflito.
4.
Mas sobretudo, a montante dessa ponderação, e ao decidir pela aplicabilidade do artigo 199.º-A do CPPT à prestação da garantia em causa nos autos, incorreu o Tribunal a quo, salvo o devido respeito, num evidente erro de julgamento – carecido de suporte tanto na fundamentação constante da Sentença recorrida, como na jurisprudência citada a esse respeito.
5.
A Sentença ora recorrida deve, por isso, ser anulada.
6.
Pese embora o objecto do presente recurso se circunscreva à apreciação de matéria de Direito, afigura-se relevante, por razões expositivas, efectuar uma súmula da factualidade essencial - mormente aquela com relevo cronológico: 7.
Em 12.02.2016 foi instaurado contra a Recorrente o processo de execução fiscal n.º 1805201601031635; 8.
Em 10.03.2016 a Recorrente apresentou garantia, por meio de fiança prestada pela “B……….”, destinada a suspender o sobredito processo de execução fiscal; 9.
Em 29.06.2016 foi proferido despacho de indeferimento da garantia, com base na sua inidoneidade – aferida com base nos critérios estabelecidos no artigo 199.º-A do CPPT; 10.
Em 07.09.2015 a AT havia considerado como idónea a garantia prestada pela fiadora “B……..”.
11.
Foi igualmente dado como provado pelo Tribunal a quo: 12.
QUE em 31.12.2015 a fiadora “B………..” tinha um activo de €819.129.439,00 e capitais próprios de €579.911.622,00; e 13.
QUE em 31.12.2015 a Recorrente tinha um activo de €516.999.394,00 e capitais próprios de €327.152.576,00.
14.
Como resulta da Sentença recorrida, o referido artigo 199.º-A do CPPT foi aditado pela Lei n.º 7-A/2016, com início de vigência a 31.10.2016.
15.
Todavia, tendo a garantia sido prestada em 10.03.2016, aquele artigo 199º-A do CPPT, porque entrado em vigor apenas em 31.03.2016 (Cfr. artigo 218.º da LOE 2016.), é inaplicável ao caso.
16.
Consequentemente, é também inaplicável in casu o disposto no artigo 15.º do CIS - para onde remete aquele novo artigo 199º-A do CPPT.
17.
Com efeito, ao invés do decidido pelo Tribunal a quo, não é aceitável a aplicação de uma lei que não estava em vigor na data de apresentação da garantia, e que tampouco estava em vigor dentro do prazo legal de que o órgão de execução fiscal dispunha para proferir uma decisão sobre a mesma.
18.
Desde logo, tendo a garantia em causa sido prestada em 10.03.2016, o órgão de execução fiscal dispunha de 10 dias para proferir uma decisão sobre a mesma – pelo que, quando muito, é este hiato temporal que define o quadro legal aplicável.
19.
De facto, nos termos do artigo 21.º a) do CPTT os despachos devem ser proferidos dentro de 10 dias.
20.
Como ensina a melhor Doutrina, porque a norma se aplica aos actos a praticar no processo judicial, é aplicável ao processo de execução fiscal - uma vez que, nos termos do artigo 103.º n.º 3 da LGT, este tem natureza judicial.
(Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6ª edição, Áreas Editora, volume I, páginas 289 e 290.) 21.
Por outro lado, como é de liminar clareza, estando em causa normas que estabelecem os pressupostos de idoneidade da garantia, o Contribuinte apenas logrará aferir do cumprimento desses mesmos pressupostos no momento em que presta a garantia - solicitando a suspensão da instância executiva.
22.
De igual modo, a partir do momento em que prestou a garantia, o Contribuinte confia, fundadamente, que, dentro do prazo legal de decisão, a idoneidade da garantia vai ser aferida pela AT em função dos pressupostos legais vigentes nesse momento - e não em função de alterações legais supervenientes.
23.
Por conseguinte, o quadro legal aplicável à apreciação da garantia em causa é o vigente à data da prestação da garantia ou, quando muito, o vigente até ao limite do prazo legal de decisão da AT.
24.
De outro modo nem sequer estavam acauteladas os mais básicos direitos e garantias da Recorrente, enquanto contribuinte – na medida em que, quando prestou a garantia, não tinha de ponderar a ulterior entrada em vigor de um normativo que impunha um diferente enquadramento quanto à sua idoneidade/suficiência da garantia prestada.
25.
Aliás, caso a garantia tivesse sido apreciada pela AT dentro do prazo legal, como deveria, ela jamais poderia ter sido indeferida nos termos em que o foi.
26.
Caso assim não fosse, estava encontrada a forma de a AT dilatar no tempo, indefinidamente, a decisão sobre a garantia prestada, para, desse modo, se fazer prevalecer de um expediente dilatório destinado a aplicar à garantia um ulterior normativo que não estava vigente no momento em que o Contribuinte foi colocado na contingência de prestar garantia.
27.
Tal ponderação é tão mais relevante nos presentes autos em face da evidente constatação de que o artigo 199.º-A do CPPT foi aditado precisamente nos ilegais termos pretendidos pela AT - que foram jurisdicionalmente considerados como inadequados.
28.
Certo é que, o Tribunal a quo entendeu que a aplicabilidade do normativo em causa resulta do disposto no artigo 12.º n.º 3 da LGT – atento o facto de estarmos perante uma norma “sobre procedimento e processo”.
29. Salvo o devido respeito, não está em causa a natureza da norma.
30.
Outrossim, está em causa ponderar qual o momento em que se aferem os pressupostos de idoneidade da garantia – o que, claramente, ocorre no momento em que a garantia é prestada, juntamente com o pedido de suspensão da execução.
31.
De igual modo, está em causa ponderar se a aplicação imediata da norma é compatível, nomeadamente, com “as garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos”.
32.
Desde logo, é evidente que os critérios de aferição de idoneidade da garantia são aqueles que se encontram legalmente definidos no momento em que esta é prestada pelo Contribuinte.
33.
Quando a Recorrente foi citada para, querendo, prestar uma garantia idónea no processo executivo e, por maioria de razão, quando prestou essa mesma garantia e formulou à AT o pedido de suspensão da execução, não estava em vigor qualquer norma que obstasse à sua aceitação nos termos que vieram a constar da decisão administrativa impugnada.
34.
Daí que a decisão administrativa de indeferimento que se funde numa ulterior alteração da lei seja ostensivamente violadora das mais básicas “garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes” – como previsto no artigo 12.º n.º 3 da LGT, in fine, obstando, desde logo, à pretendida aplicação imediata da lei nova.
35.
Efectivamente, no momento em que o contribuinte foi colocado na contingência de prestar uma garantia idónea, é claro e indesmentível que a idoneidade de tal garantia não tinha de ser aferida em função do critério constante do artigo 15.º do CIS.
36.
Dito de outro modo: para obstar à tramitação do processo executivo através da prestação de uma garantia idónea, a Recorrente, aquando dessa prestação, jamais poderia aplicar critérios que nem sequer estavam em vigor.
37.
Logo, quando prestou a garantia - mais do que uma clara e fundada expectativa de que essa garantia seria idónea à luz da lei vigente – nasceu na esfera jurídica da Recorrente um direito ao reconhecimento dessa idoneidade.
38.
Concomitantemente, como resulta da Jurisprudência citada (Cfr. Ac. STA de 27.06.2012, dado no proc. n.º 0654/12.), a aferição administrativa dessa idoneidade deve incidir sobre a verificação dos pressupostos legais no momento em que foi solicitada a suspensão da execução mediante prestação da garantia.
39.
Em tal sentido milita a conclusão, já exposta, de que caso a garantia tivesse sido apreciada pela AT dentro do prazo legal ela jamais poderia ter sido indeferida nos termos em que o foi.
40.
Ademais, como resulta do probatório, a Recorrente tinha a legítima expectativa de ver ACEITE a sua garantia, nos mesmos moldes em que havia sido anteriormente aceite pela AT, em 07.09.2015, fiança semelhante.
41.
Por outro lado, e ao invés do decidido pelo Tribunal a quo, a circunstância de se estabelecer a aplicação imediata da norma às garantias aceites até à data de entrada em vigor da lei nova - para determinação da necessidade de reforço/substituição da garantia (Cfr. disposição transitória introduzida pelo n.º 1 do artigo 177.º da Lei n.º 7-A/2016 de 30.03.) – não é passível de suster a decisão recorrida.
42.
A este respeito, refere o Tribunal a quo que: «(…) se o legislador quis aplicar de imediato o novo regime às garantias que tenham sido aceites até à data de entrada em vigor...
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