Acórdão nº 153/22 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Afonso Patrão
Data da Resolução17 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 153/2022

Processo n.º 259/2021

3ª Secção

Relator: Conselheiro Afonso Patrão

Acordam na 3.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. O Ministério Público interpôs recurso, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante LTC), do acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 28 de janeiro de 2021, que recusou a aplicação da norma contida no n.º 2 do artigo 26.º-A do Regulamento das Custas Processuais, aditada pela Lei n.º 27/2019, de 28 de março, e, em consequência, isentou a Autora de depositar a quantia de €894 336 (oitocentos e noventa e quatro mil trezentos e trinta e seis euros) como condição para reclamar das 13 notas justificativas das custas de parte apresentadas pelos 14 réus.

2. Através do recurso interposto, pretende-se que este Tribunal aprecie a questão que decorre do excerto da decisão recorrida que seguidamente se transcreve:

«Na ótica da Recorrente, o art.º 26.º-A/2 do RCP é inconstitucional, mesmo tendo em conta o recente acórdão n.º 370/2020 do Tribunal Constitucional: a consideração dos termos concretos da presente ação evidenciam que, ao impor-se o depósito de cerca de novecentos mil euros (ou mais de um milhão de euros, somando as notas de custas de parte apresentadas nos presentes autos e as apresentadas no apenso B, relativo à apelação) para poder impugnar as notas de custas de parte, a Reclamante está sujeita ao puro arbítrio dos apresentantes das notas, ficando coartada no seu direito de discutir o teor das notas apresentadas.

Ora vejamos.

É certo que o recente acórdão do Tribunal Constitucional, o Ac. n.º 370/2020, de 10/07, não julgou inconstitucional a norma constante do n.º 2 do artigo 26.º-A do RCP, aditada pela Lei n.º 27/2019, de 28 de março, nos termos da qual a reclamação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota. Tal decisão seguiu de perto a jurisprudência exarada no acórdão do TC n.º 678/2014, que apreciou a constitucionalidade do n.º 2 do artigo 33.º da Portaria n.º 419- A/2009, de 17 de abril, na redação dada pela Portaria n.º 82/2012, de 29 de março, nos termos do qual a reclamação da nota justificativa está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota, ali se «considerando que mantém total pertinência a fundamentação expendida em tal aresto.»

O Ac. do TC n.º 678/2014, por sua vez, acolhe a jurisprudência emanada do Ac. do TC n.º 347/2009, que considerou que a norma do artigo 33.º-A, n.º 4, «quando aplicada a processos de execução e enquanto faz depender a admissibilidade da reclamação e do recurso da nota discriminativa e justificativa das custas de parte do depósito prévio do montante nela fixado», não lesava, por violação do princípio da proibição do excesso, o direito consagrado no artigo 20.° da Constituição. Estava então em causa a aplicação da referida norma a execuções em que a nota discriminativa e justificativa das custas de parte excedia, acentuadamente, o montante da própria dívida exequenda inicial (sendo a quantia exequenda inicial de €44.600,73€ e a nota de despesas objeto de reclamação de €64.750,63)

No caso versado no Ac. TC n.º 678/2014, o valor da ação correspondia a €6.856.365,27, o Reclamante não invocou em concreto dificuldades ou insuficiência de meios económicos para depositar o valor da nota de custas de parte, cujo valor ascendia a €62.190,11.

Desconhece-se, por dele não constar, o valor da ação e o valor da nota justificativa no caso a que se reporta o Ac. TC n.º 370/2020.

Colhe-se da fundamentação exarada no Ac. TC n.º 678/2014 e acolhida no Ac. TC n.º 370/2020, designadamente, o seguinte:

— o regime decorrente de tal normativo legal visa assegurar os valores da moderação e da racionalização das reclamações;

— a solução legal quanto à elaboração da nota discriminativa e justificativa das custas de parte, prosseguindo um fim legítimo, permite à instância judicial controlar minimamente o equilíbrio entre o montante peticionado a título de custas de parte e as circunstâncias concretas, relativas à lide e à complexidade da respetiva tramitação, e à própria parte, prevenindo hipóteses de, por lapsos inadvertidos mas grosseiros ou manipulações malévolas, impor custos indevidos e imprevisíveis à parte vencida;

— a nota discriminativa e justificativa das custas de parte contempla taxa de justiça, encargos e honorários e despesas de mandatário ou agente de execução, sendo que o valor de duas delas é, desde logo, indicado pela secretaria do tribunal e o valor da terceira encontra-se perfeitamente balizado;

— a margem para lapsos ou manipulações quantitativas não verificáveis antes de qualquer reclamação é objetivamente muito limitada; ademais, o custo máximo imputável a custas de parte é, em larga medida, antecipável a partir do cálculo da taxa de justiça aplicável e do tipo de processo;

— a possibilidade de reforma oficiosa encontra-se prevista como uma consequência da sujeição da conta ao princípio da legalidade;

— a predeterminação normativa do valor máximo admissível das custas de parte num dado processo e a necessidade de dar conhecimento simultâneo ao tribunal e à parte vencida da nota discriminativa e justificativa das custas de parte, abrindo a possibilidade de uma reforma oficiosa da nota apresentada, constituem um controlo mínimo suficiente para assegurar que a sujeição da reclamação daquela nota ao depósito prévio do respetivo valor não rompe o equilíbrio interno do regime de custas.

Saliente-se, desde já, que a doutrina e a jurisprudência apontam no sentido de não haver lugar a intervenção oficiosa na apreciação da tempestividade da apresentação e da regularidade do conteúdo das notas justificativas. Nas palavras de Salvador da Costa, não tem apoio legal o entendimento, com base no normativo ora em análise, no sentido de que a nota de custas de parte é suscetível de correção ou de reforma oficiosa, além do mais, porque aquele normativo remissivo não se reporta ao da reforma oficiosa da conta que consta do n.º 2 do art.º 31 deste diploma. Por outro lado, o fundamento da remessa da nota discriminativa e justificativa das custas de parte também ao tribunal, prende-se, apenas, com o estabelecido nos art.ºs 540.º do CPC e 29.º/n.º 2 da Portaria 419.°-A/2009, de 17/04.

Por outro lado, e como pertinentemente vem apontado no Ac. TRL de 02/07/2020, a norma que determinava que a secretaria do Tribunal remetesse às partes a indicação das quantias efetivamente pagas a título de taxa de justiça e a título de dos encargos, constante do n.º 2 do art.º 30.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, foi revogada pela Portaria n.º 82/2012, de 29 de março.

Ora, nos termos do disposto no art. 20.º/l da CRP, a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.

Conforme exarado no Ac. TC n.º 189/2016, que apreciou a constitucionalidade orgânica e formal deste preceito, “importa sublinhar que a específica imposição de condições à possibilidade de reclamação de questões atinentes a custas Judiciais, como é o caso das custas de parte, afeta, sem dúvida, o direito fundamental de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.°, n.º 1, da CRP, tendo sido configurada como uma restrição por este Tribunal nos acima referidos Acórdãos n.º 347/2009 e n.º 678/2014.” A interpretação que deste art. 20.º vem sendo feita pelo Tribunal Constitucional pode condensar-se na seguinte doutrina: não há uma imperatividade constitucional de se assegurar a gratuitidade da justiça e ao direito subjetivo de acesso aos tribunais corresponde um dever correlativo do Estado de garantir condições para assegurar a efetividade da tutela jurisdicional. Daqui decorre que a liberdade do legislador, na disciplina do regime das custas, goza de uma relativa margem, sendo limitada porém pela demonstração de que os custos por ele fixados para a utilização da máquina judiciária não sejam de tal modo onerosos ou excessivos que funcionem como um travão ou inibição, por parte do cidadão comum, no acesso ao tribunal. Só quando tal demonstração for feita é que se pode afirmar que o regime fixado pelo legislador é desproporcional e quebra o "equilíbrio interno ao sistema" que é reclamado pelo citado princípio constitucional de tutela jurisdicional efetiva.

Donde, a apreciação da questão de saber se a aplicação do regime inserto no art. 26.º/2 do RCP viola o referido normativo constitucional não prescinde da consideração dos contornos do caso concreto: importa apurar se o montante que a Reclamante tem que depositar, a título de custas de parte, se pode considerar excessivamente oneroso, ou arbitrário e absolutamente injustificado, por forma a que se possa concluir que implica denegação do acesso à justiça por insuficiência de meios económicos.

Ora, à presente ação foi atribuído o valor de €2.474.219,00 (dois milhões quatrocentos e setenta e quatro mil duzentos e dezanove euros). Por decisão transitada em julgado, a ação foi julgada improcedente. As custas do processo foram imputadas na totalidade à A, cabendo-lhe o pagamento, atenta a conta de custas, de €133 824. Foi deferido o pagamento dessa quantia em 12 prestações mensais. As 13 notas justificativas apresentadas pelos 14 RR implicam no montante de €894 336 (oitocentos e noventa e quatro mil trezentos e trinta e seis euros).

A questão que se coloca, neste caso concreto, é a de saber se a obrigatoriedade de proceder ao depósito de €894 336 para poder suscitar a apreciação da desarmonia das notas justificativas com as disposições legais consubstancia um obstáculo ao exercício desse direito processual.

É exigível,...

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