Acórdão nº 161/22 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução17 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 161/2022

Processo n.º 448/21

3.ª Secção

Relatora: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em que é recorrente A. e recorrido o Conselho Superior da Magistratura, o primeiro interpôs recurso ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), dos acórdãos proferidos por aquele Supremo Tribunal em 24 de novembro de 2020, que indeferiu reclamação contra despacho do relator no STJ datado de 29 de julho de 2020, que indeferira o requerimento apresentado pelo ora recorrente quanto à prescrição do processo disciplinar n.º 155/2015-PD – e, ainda, em 25 de março de 2021 – que indeferiu a arguição de nulidades e inconstitucionalidades deduzidas contra o acórdão de 24 de novembro de 2020.

2. Na Decisão Sumária n.º 489/2021 (fls. 1257-1278), ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, considerou-se manifestamente infundada uma das questões colocadas pelo recorrente no seu recurso constitucionalidade e decidiu-se não conhecer, no mais, o objeto desse recurso. Foi a seguinte a fundamentação apresentada:

«(...)

8. Quanto ao recurso de constitucionalidade interposto refira-se que, mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do Tribunal a quo, com fundamento no n.º 1 do artigo 76.º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal.

Cabendo aos recorrentes delinear o objeto do recurso (norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretendem ver apreciada), a aferição do preenchimento dos requisitos de que depende a admissibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional e, bem assim, a delimitação do objeto do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade devem ter por base o invocado no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional e reportar-se à decisão recorrida (ou decisões recorridas), tal como identificada(s) pelo recorrente no requerimento de interposição de recurso e que fixam o respetivo objeto – in casu, os Acórdãos do STJ de 24/11/2020 e de 25/3/2021 (supra, I, 1. e respetiva transcrição em 2.1 e 2.2).

Pretende o recorrente ver apreciada sete questões de constitucionalidade assim enunciadas (cf. requerimento, I, 3., n.ºs 45, 48, 50, 52, 60-62, 66 e 67):

45°

Uma dessas questões prende-se com a seguinte norma: a norma extraída dos artigos 90.°, n.º 2,95.°, n.º 1,107.°, 118.°, n.º 1, e 123.°-Ado EMJ, na redação deste anterior à introduzida pela Lei n.º 67/2019, de 27 de agosto, com o sentido de que a pena disciplinar de demissão aplicada a um magistrado judicial cujo paradeiro seja conhecido começa a produzir os seus efeitos no dia seguinte ao da notificação da correspondente deliberação ao arguido através do correio, sob registo, com a imediata perda pelo mesmo do estatuto de magistrado e de todos os correspondentes direitos".

48º

Outra dessas questões prende-se com a seguinte interpretação normativa: a interpretação normativa que possibilite que um magistrado judicial possa estar durante mais de 4 (quatro) anos a aguardar por uma decisão definitiva da impugnação que apresentou de um ato administrativo que lhe aplicou uma pena disciplinar expulsiva.

50º

Outra dessas questões prende-se com a seguinte norma: a norma extraída dos artigos 85.°, 90.°, n.º 2, 95.°, n.º 1,107.° e 123.°-A do EMJ segundo a qual, mesmo antes de haver uma decisão judicial final transitada em julgado a propósito da impugnação de uma deliberação punitiva aprovada no âmbito de um processo disciplinar, o magistrado judiciais arguido nesse processo disciplinar ficará logo no dia seguinte ao da notificação da deliberação de aplicação da pena de demissão sem qualquer dos direitos inerentes à condição de magistrado judicial, nomeadamente sem direito a auferir qualquer quantia a título de vencimento e sem direito a continuar a beneficiar da ADSE quando era beneficiário da mesma.

52º

Outra das referidas questões prende-se com a norma constante do artigo 15.°-A do Decreto- Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditada pelo Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de maio.

60º

Outra das referidas questões prende-se com as interpretações normativas dos artigos 613.°, n.º 1, e 619.° a 621.° do Código de Processo Civil tal como aplicadas pelo STJ nos seus doutos Acórdãos de 24 de novembro de 2020 e 25 de março de 2021.

61º

Por um lado, à luz de tais interpretações, esgota-se o poder jurisdicional do tribunal e tem lugar o trânsito em julgado de uma decisão judicial que apreciou a impugnação de um ato administrativo através do qual foi aplicada uma pena disciplinar expulsiva a um magistrado judicial sem que tenha chegado a ser apreciada judicialmente a eventual prescrição total do processo disciplinar ocorrida após a apresentação daquela impugnação, invocada pelo sujeito punido já na pendência da ação administrativa.

62º

E, por outro, esse trânsito em julgado assim alcançado obsta a que seja posteriormente ao mesmo (isto é, a este mesmo trânsito) analisado ainda nesses mesmos autos de ação administrativa o eventual decurso do prazo máximo constitucional e legalmente admissível para a pendência dessa ação administrativa de impugnação de um ato administrativo de aplicação de uma pena disciplinar expulsiva.

66º

Consequentemente, o ora Recorrente considera ser também inconstitucional a interpretação do artigo 114.°, n.°s 2, alínea c), e 4, do CPA que terá sido implicitamente perfilhada pelo STJ, segundo a qual o reconhecimento jurisdicional da existência de omissão na indicação do meio de impugnação administrativa a utilizar contra o ato notificado não poderá ser requerido, já após a prolação da respetiva decisão final, na própria ação administrativa em que tenha sido negada a anulação do ato administrativo notificado.

67º

Por fim, o ora Recorrente entende também ser inconstitucional a interpretação do artigo 371.°- A do Código de Processo Penal (aplicável subsidiariamente por força do Estatuto dos Magistrados Judiciais, tanto na redação anterior como na posterior à entrada em vigor da Lei n.° 67/2019, de 27 de agosto) segundo a qual o magistrado judicial condenado numa pena disciplinar de demissão a cuja aplicação sobreveio um regime sancionatório mais favorável não poderá obter a reabertura da audiência com vista à aplicação deste mesmo regime.».

9. Assim identificados o objeto e o fundamento do presente recurso de constitucionalidade, e, bem assim, identificadas as decisões recorridas para este Tribunal, cumpre de seguida apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos, cumulativos, de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 70.º e 72.º da LTC, já que, reitere-se, mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do Tribunal a quo, com fundamento no artigo 76.º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, como decorre do seu n.º 3. Com efeito, se o Relator verificar que algum dos pressupostos de admissibilidade, ou alguns deles, não se encontram preenchidos, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.

Segundo jurisprudência constante do Tribunal Constitucional a admissibilidade do recurso apresentado nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos: ter havido previamente lugar ao esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa; a questão de inconstitucionalidade normativa haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC); e a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente (vide, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 618/98 e 710/04, ou mais recentemente, os Acórdãos n.ºs 344/2018, 640/2018, 652/2018, 658/2018 e 671/2018, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

Faltando um destes requisitos, o Tribunal não pode conhecer do recurso.

10. Da análise dos autos verifica-se, desde logo, que falta a verificação de vários pressupostos, essenciais e cumulativos, de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, como in casu – o pressuposto relativo à ratio decidendi e ao objeto normativo – quanto a várias das questões enunciadas pelo recorrente.

Além disso, verifica-se ainda que uma das questões do recorrente se afigura manifestamente infundada.

Vejamos.

10.1 Quanto às questões de constitucionalidade indicadas nos artigos 45.º, 50.º, 66.º e 67.º, não se mostra verificado o pressuposto relativo à ratio decidendi.

O Tribunal Constitucional apenas pode conhecer da constitucionalidade de normas que tenham sido efetivamente aplicadas, enquanto razão determinante das decisões recorridas (artigo 79º-C da LTC). Cabe, portanto, aos recorrentes delinear o objeto do recurso de modo que a norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretendem ver apreciada corresponda, integral e fidedignamente, à que foi efetivamente aplicada pela decisão alvo de recurso. Sucede, porém, que, nos presentes autos, as alegadas normas (ou interpretações normativas) que o recorrente fixou como objeto do recurso não correspondem, precisamente, às adotadas pelas decisões recorridas.

Vejamos.

Quanto às questões enunciadas nos artigos 45.º e 50.º do requerimento de interposição de recurso – seja «a norma extraída dos artigos 90.°, n.º 2, 95.°, n.º 1, 107.°, 118.°, n.º 1, e 123.°-A do EMJ, na redação deste anterior à introduzida pela Lei n.º 67/2019, de 27 de agosto, com o sentido de que a pena...

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