Acórdão nº 55/21.4GAMNC-E.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 07 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelPAULO SERAFIM
Data da Resolução07 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – RELATÓRIO: ▪ No âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) nº 55/21.4GAMNC, do Tribunal Judicial da Comarca de Viana de Castelo – Juízo de Competência Genérica de Monção, em 20.12.2021, pela Mma. Juíza de Direito foi proferido despacho com o seguinte teor (referência 46991496): “Compulsados os autos, verifica-se que: No dia 05-04-2021, em sede de 1.º interrogatório judicial de arguido detido, foram aplicadas ao arguido S. L. as seguintes medidas de coação: - Obrigação permanência na habitação com vigilância eletrónica, com obrigação a submeter-se a tratamento às dependências de que é vitima.

- Porém, até que o arguido apresente em juízo uma morada, diferente da ofendida, onde possa residir, acompanhada do consentimento daqueles que residam naquela habitação e de um estudo, feito pelas entidades próprias, da viabilidade de aplicação de tal medida, foi aplicada a medida de coação de prisão preventiva, ao abrigo do disposto das disposições conjugadas dos artigos 191.º a 196.º, 201.º e 204.º al. b), do Código de Processo Penal (CPP), a qual se encontra em vigor.

Por despacho de 25-05-2021 foram mantidas as referidas medidas de coação.

A 31-05-2021, foi deduzida acusação pelo Ministério Público contra o arguido S. L., imputando-lhe a prática dos crimes de: - desobediência, previsto pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, com referência ao artigo 152.º, n.º 3, do Código da Estrada e com a pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor, nos termos do disposto no artigo 69.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal; - violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, nºs. 1, alínea a), 2, alínea a), 4 e 5, do Código Penal.

Nessa sequência, por despacho de 11-06-2021, procedeu-se ao reexame das medidas de coação aplicadas, tendo sido decidido “manter as medidas de coação aplicadas ao arguido: - obrigação de permanência na habitação com sujeição a vigilância eletrónica. Tal medida, porém, está dependente da apresentação em juízo de uma morada, diferente da ofendida, onde o arguido possa residir, do consentimento daqueles que residam naquela habitação e de um estudo, feito pelas entidades próprias, da viabilidade de aplicação de tal medida.

- Até à obtenção destes elementos o tribunal considera que a única medida adequada é medida de coação de prisão preventiva, que se aplica ao abrigo do disposto das disposições conjugadas dos art.º(s) 191º a 196º, 201º e 204º al. b), do CPP.

- Obrigação de submissão a tratamento às dependências de que é vítima.

- Além destas medidas, o arguido ficará proibido de se ausentar para o estrangeiro, devendo entregar os passaportes que possuir (caso pretenda cumprir a medida de obrigação de permanência na habitação, pois até lá continuará em prisão preventiva), - Mais se determina a comunicação às autoridades competentes que não concedam nem renovem qualquer passaporte e ao respetivo controlo de fronteiras, tudo nos termos dos artigos 200.º, n.º 1, alínea b), e 3, do Código de Processo Penal.” (sic).

O arguido interpôs recurso dessa decisão, o qual foi julgado improcedente.

Por despacho de 06-07-2021, que recebeu a acusação pública, foi realizado reexame das medidas de coação, tendo sido decidido mantê-las nos seus precisos e exatos termos anteriormente determinados.

Por despacho com a ref. n.º 47518744, datado de 4.10.2021, decidiu-se manter o estatuto coativo aplicado ao arguido, nos seus exatos termos: “Assim, ao abrigo do disposto nas disposições supra indicadas determino que o arguido S. L. continue a aguardar os ulteriores termos processuais sujeito às medidas de coação a que vem de aludir-se, aplicadas através do despacho com a ref.ª 47060146 e mantidas pelo despacho com a ref. n.º 47204521.

Entretanto, no dia 13.10.2021 iniciou-se a audiência de discussão e julgamento.

A audiência de discussão e julgamento prossegue, nesta data, atenta a necessidade de produção de prova pericial suplementar ou complementar (esclarecimentos da Sr.ª Perita médica) – art. 328.º, n.º 6 e 7 do Código de Processo Penal, conforme determinado na última sessão da respetiva audiência.

*** De acordo com o artigo 213.º, n.º 1, al. a), do CPP: “O juiz procede oficiosamente ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva ou da obrigação de permanência na habitação, decidindo se elas são de manter ou devem ser substituídas ou revogadas: No prazo máximo de três meses, a contar da data da sua aplicação ou do último reexame; (…)” Estando-se na iminência de serem atingidos os três meses desde o último reexame (data limite – 4.1.2022), impõe-se analisar e decidir.

Não se mostra necessário, face aos elementos dos autos e ao que infra será exposto, proceder à audição do arguido (art. 213º, nº 3 do C. P. P.).

Por força do artigo 215.º, n.º 1, al. c) e n.º 2, 218.º, n.º 2 e n.º 3 por referência ao artigo 1.º, al. j), ambos do CPP, não se encontra ultrapassado o prazo máximo previsto para as medidas de coação aplicadas.

Por outro lado, não se verificam as circunstâncias previstas no artigo 214.º do CPP e que justificam a extinção das medidas de coação.

Dão-se por integralmente reproduzidos para todos os legais efeitos os fundamentos do despacho com a ref. n.º 47204521 e ref.ª 47060146 e ref. n.º 47518744, que respetivamente, aplicaram e, de seguida, mantiveram o estatuto coativo atualmente em vigor nestes autos.

Consideramos que nenhuma circunstância significativa se alterou desde a sujeição do arguido às medidas de coação e última revisão do estatuto coativo em vigor, que justifique a sua alteração.

Na esteira da doutrina e da jurisprudência correntes, as medidas de coação estão sujeitas à condição rebus sic standibus, sempre temperada pela imutabilidade da decisão enquanto não sobrevierem circunstâncias fundamentais ou significativas que justifiquem uma reformatio in pejus.

Ou seja, a decisão judicial “é intocável e imodificável enquanto não sobrevierem motivos que justificam legalmente nova tomada de posição” (vide Ac. RP de 16.10.1991, Proc. Nº 9120589).

Como tem sido decidido pela jurisprudência, de forma uniforme, a medida de coação, designadamente a prisão preventiva, deve manter-se enquanto se mantiverem inalterados os pressupostos de facto e de direito que a motivaram (Acs. da RC de 97/1/8, RMJ, 463/652 e RL de 97/5/21, BMJ 467/620; RE de 6.6.00, BMJ 498/291, RP de 15/3/00).

Enquanto não ocorrerem alterações significativas da situação existente à data em que foi decidido aplicar a prisão preventiva, não pode o Tribunal reformar essa decisão sob pena de, fazendo-o, provocar instabilidade jurídica decorrentes de julgados contraditórios com inevitáveis reflexos negativos no prestígio dos Tribunais e nos valores da certeza ou da segurança jurídica que constituem os verdadeiros fundamentos do caso julgado (Ac. Relação do Porto de 3/2/93, in CJ XVIII, tomo I, pág. 248 e 249).

Vejamos com ulterior recorte.

Em rigor, entendemos que se mantém atual o perigo de continuação da atividade criminosa, quer seja pelo tipo de crime em causa nos autos – o crime de violência doméstica – que se materializa, na maioria das vezes, na reiteração dos maus tratos em relação à(s) vítima(s), quer seja pela personalidade demonstrada pelo arguido e, designadamente, pelo facto de nem três meses após o trânsito em julgado da sentença que o condenou pela prática de um crime de violência doméstica, ter praticado, conforme se encontra fortemente indiciado (vide despacho que aplicou as medidas de coação e despacho de acusação), novos factos enquadráveis nesse tipo de ilícito, inclusivamente sobre a mesma vítima.

Acresce o historial de consumo de estupefacientes e bebidas alcoólicas pelo arguido (desde os 15 anos) que aumentam a perigosidade das suas condutas, conforme fortemente indiciado nos autos – sendo certo que o perigo de uma recaída em consumos excessivos se mantém atual e premente, na medida em que o relatório social constante de ref. n.º 3263854 (elaborado nos termos do art. 370.º do Código de Processo Penal, em 20.8.2021) veio aludir a que o arguido “continua a manifestar uma ténue consciência para a necessidade de tratamento de desabituação relativamente à sua problemática, e que pode resultar do momento de abstinência que vivencia.” Se, por um lado, o arguido veio afirmar em juízo, no decurso da ADJ, que pretende fazer um tratamento à sua problemática aditiva, consentindo no seu internamento em comunidade terapêutica, por outro, é certo que o relatório pericial realizado, subscrito pela perita médica a 2.11.2021, concluiu que o examinando padece de uma perturbação de personalidade de tipo antissocial, em comorbilidade com dependência de múltiplas substâncias (álcool e drogas).

Esse diagnóstico implicou a constatação, pelo Sr. Perito médico-legal de um “padrão invasivo de desrespeito e violação dos direitos dos outros indicados por: fracasso em conformar-se às normas sociais com relação a comportamentos legais (…); impulsividade ou fracasso em fazer planos para o futuro; irritabilidade ou agressividade; desrespeito irresponsável pela segurança própria ou alheia; repetido fracasso em manter um comportamento laboral consistente.” Mais se concluiu nesse relatório que o examinando tem uma propensão muito elevada para reincidência de ilícitos futuros, tendo uma elevada perigosidade (devido à diagnosticada perturbação de personalidade de tipo antissocial, em comorbilidade com dependência de múltiplas substâncias (álcool e drogas).

Estas conclusões viriam a ser corroboradas pelos esclarecimentos prestados pela Sr. Perita, em juízo, e basearam-se nos elementos do processo judicial e no exame direto ao requerido. A solicitação da elaboração de um relatório complementar prende-se apenas com a necessidade da Sr. Perita analisar, igualmente, o historial clínico nas unidades locais de saúde, tal como havia sido requerido pelo arguido.

Nessa senda, importa relembrar que o arguido reconheceu, em 1.º interrogatório...

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