Acórdão nº 0194/15.0BEAVR de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelANABELA RUSSO
Data da Resolução16 de Fevereiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACÓRDÃO 1. RELATÓRIO 1.1.

A Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida por «B…………… II, SGPS, S.A.» contra a autoliquidação de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), do exercício fiscal de 2008, no valor total de € 245.916,00, interpôs para este Supremo Tribunal Administrativo recurso jurisdicional.

1.2.

Após admissão do recurso, a Recorrente apresentou a sua alegação, em que concluiu nos seguintes termos: «I.

Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença proferida nos autos em epígrafe, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por B………….. II, SGPS, S.A. contra a liquidação de IRC do exercício de 2008.

II.

O Tribunal a quo entendeu anular a liquidação em causa, “na parte em que a mesma se encontra influenciada pela correcção da «menos-valia» referida na causa de pedir”, por ter considerado que essa menos-valia, gerada na esfera da impugnante por força da liquidação e partilha de uma das suas participadas, concorre integralmente para a formação do lucro tributável, e não apenas em 50% do seu montante, como pretende a AT.

III.

Não podendo a recorrente manifestar concordância com o assim decidido, entende que a questão decidenda a submeter ao julgamento do Tribunal ad quem consiste em saber se o Tribunal recorrido laborou em erro de julgamento de direito, por incorrecta interpretação e aplicação do preceituado nos (então) artigos 42.º n.º 3 e 75.º, ambos do Código do IRC.

IV.

O regime de apuramento de mais-valias e de menos-valias encontrava-se previsto nos artigos 43.º e seguintes do Código do IRC, aplicável quando estivessem em causa ganhos obtidos ou perdas sofridas relativamente a elementos do activo imobilizado mediante transmissão onerosa, qualquer que fosse o título por que se operassem e, bem assim, os derivados de sinistros ou os resultantes de afectação permanente daqueles elementos a fins alheios à actividade exercida.

V.

Quando estivesse em causa a partilha pelos sócios dos bens patrimoniais, em caso de liquidação de sociedades, ocorrendo a extinção da sociedade e não a sua transmissão onerosa, era aplicável o regime previsto no (então) artigo 75.º do Código do IRC.

VI.

Com a Lei n.º 60-A/2005, de 30/12, foi alterado o n.º 3 do artigo 42.º do Código do IRC, passando a considerar-se que a diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorria para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.

VII.

Tendo em consideração que esta norma refere, expressamente, «outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio», o legislador pretendeu abarcar todas as outras situações relativas a partes de capital que não decorressem unicamente de transmissões onerosas.

VIII.

O n.º 3 daquele artigo 42.º do Código do IRC é uma norma geral, encontrando-se nela incluídas todas as perdas relativas a partes de capital, cabendo no seu âmbito de aplicação as menos-valias apuradas numa situação de liquidação e partilha.

IX.

Se o legislador pretendesse excluir do âmbito desta norma as perdas resultantes da liquidação e partilha, tê-lo-ia feito expressamente, o que não sucedeu.

X.

Por conseguinte, as menos-valias apuradas em resultado de operações de liquidação e partilha, a partir do período de 2006, passaram a concorrer para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.

XI.

A tal entendimento, com o devido respeito, não obsta a posição assumida no douto acórdão do STA, datado de 17-02-2016, proferido no processo n.º 01401/14, por sua vez ancorado na decisão proferida pelo CAAD no âmbito do processo n.º 108/2013-T, relativa à interpretação do n.º 3 do artigo 45.º (anterior artigo 42.º) do Código do IRC, porquanto: a) o argumentário vertido em tais decisões, fundado na dicotomia «gastos» e «perdas», parece assentar numa injustificada sobrevalorização da distinção entre esses conceitos; b) é imprescindível realizar uma diferenciação entre normais gerais, normas excepcionais e normas especiais.

XII.

O artigo 75.º do Código do IRC, sendo uma norma especial, integra aspectos específicos não previstos na norma geral do artigo 42.º, assumindo uma natureza complementar em relação a esta.

XIII.

Não obstante o regime consagrado no artigo 75.º do Código do IRC constituir um regime especial, regulando aspectos específicos (como é o caso da liquidação e partilha de sociedades), não contém uma disciplina que colida com o regime geral, registando-se, inclusive, uma plausível justificação para aplicação das medidas anti-abuso previstas na norma geral.

XIV.

Por fim, diga-se que a posição da AT, expressa no parecer do CEF nº 103/96, tem de ser lida e enquadrada em consonância com a redacção do normativo em vigor na altura da sua emissão, não podendo ser transposta, de forma acrítica, para exercícios posteriores em que se verificaram alterações legislativas nesse mesmo normativo.

XV.

Em conclusão, afigura-se-nos, com o devido respeito, que o Tribunal a quo laborou em erro de julgamento de direito, por incorrecta interpretação e aplicação do preceituado nos (então) artigos 42.º n.º 3 e 75.º, ambos do Código do IRC, o que deverá conduzir à revogação da douta sentença aqui recorrida.

1.3.

A Impugnante, doravante Recorrida, notificada da interposição do recurso e da sua admissão, requereu a junção aos autos de contra-alegações, que rematou com quadro conclusivo que infra se transcreve: «1.

A douta Sentença recorrida, cujo teor se dá aqui como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, não é passível de qualquer censura, Com efeito, 2.

Como já foi expendido na petição inicial, cujo teor, por brevidade de exposição, se dá aqui como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, reiterado em sede de alegações pré-sentenciais e confirmado na douta Sentença recorrida, estribada em Jurisprudência uniforme deste Venerando STA sobre a matéria, 3.

estamos perante um custo fiscal dedutível na totalidade, porque não se trata in casu de menos-valias, mas sim de uma perda de valor resultante da liquidação e partilha, por falência, da sociedade participada, sendo aplicável outrossim o art.° 75.° n° 2 b) do Código do IRC.

  1. A própria AT/Recorrente reconhece que não estão em causa menos-valias resultantes da alienação onerosa de parte de capital. 5.

    De facto, de acordo com o CSC, a liquidação de uma sociedade é a fase ou situação jurídica em que se encontra uma sociedade em consequência da sua dissolução (artigo 146° do CSC), 6.

    no âmbito da qual, após eliminação do passivo social - ou seja, depois de satisfeitos ou acautelados os direitos dos eventuais credores societários se procede à partilha do remanescente (activo restante), se o houver, pelos sócios (artigo 156° do CSC).

  2. Com a liquidação e a integração dos activos no património dos sócios, extinguem-se todas as participações sociais correspondentes à sociedade liquidada, assim como, logicamente, todos os efeitos contabilísticos que lhes andavam ligados.

  3. Em traços gerais, o activo restante tem por destino primaz o “reembolso” do montante das entradas efectivamente realizadas, o qual, por regra, equivale à fracção de capital correspondente a cada sócio (n° 2 do artigo 156° do CSC).

  4. Uma vez realizado o reembolso integral, se registar ainda um saldo (positivo), este é repartido pelos sócios na proporção estabelecida quanto à distribuição dos lucros (n° 4 do artigo 156° do CSC).

  5. Se o activo restante se revelar insuficiente para reembolsar os sócios do montante das entradas efectivamente realizadas, é o mesmo distribuído pelos sócios para que a diferença para menos recaia em cada um deles na proporção da parte que lhes competir nas perdas da sociedade (n° 3 do artigo 156° do CSC).

  6. Na interpretação das normas fiscais devem ser tidos em conta os outros ramos de Direito, sempre que daquelas constem termos jurídicos comuns a outros ramos da lei, conforme dispõe o artigo 11° n° 2 da LGT.

  7. Ora, conforme resulta do acima aludido, nos casos de dissolução e liquidação de uma sociedade participada, não há qualquer transmissão das partes de capital detidas na sociedade participada (dissolvida e liquidada - ou seja, extinta) - essas partes de capitai, outrossim, extinguem-se.

  8. E só mediante a transmissão de partes de capital é que é possível a realização de mais ou menos valias - cfr. o conceito de mais e menos valias constante do artigo 46° do CIRC, dele não constando os casos de dissolução e liquidação de sociedades.

  9. Sendo que, nos termos do artigo 9º n° 1 do CC, por remissão do artigo 11° n° 1 da LGT, a unidade do sistema jurídico é precisamente um dos critérios interpretativos da lei.

  10. Por sua vez, o regime jurídico-fiscal da dissolução e liquidação de sociedades encontrava-se previsto, em especial, nos artigos 73° a 76° do CIRC (redacção à data dos factos), numa subsecção específica (subsecção V), com a epígrafe “liquidação de sociedades e outras entidades”.

  11. Conforme decorre dos artigos 74° e 75° do CIRC (sempre a redacção de 2008), o legislador fiscal determinou, portanto, que o valor de realização dos bens patrimoniais distribuídos pelos sócios equivale ao seu valor de mercado, e que este, abatido do preço de aquisição das correspondentes partes sociais, é objecto de englobamento (n° 1 do artigo 75° do CIRC).

  12. De seguida, o legislador dispôs que, quando o preço pelo qual as partes sociais foram adquiridas se mostrar superior ao valor do património que aflui ao sócio em resultado da partilha, estamos perante uma perda, 18.

    a qual é dedutível sempre que a quota ou as acções que lhe deram origem tenham...

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