Acórdão nº 011/16.4BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Fevereiro de 2022
Magistrado Responsável | ANABELA RUSSO |
Data da Resolução | 16 de Fevereiro de 2022 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
ACÓRDÃO 1. RELATÓRIO 1.1. “A……….. SGPS, S.A.”, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida, após indeferimento da prévia reclamação graciosa, contra a autoliquidação de Imposto Sobre o Rendimento das pessoas Colectivas (IRC) e respectivos juros de mora, do exercício fiscal de 2013, na parte respeitante às tributações autónomas e ao agravamento da respectiva taxa em dez pontos percentuais, interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo.
1.2.
Nas alegações de recurso apresentadas, formulou a Recorrente as seguintes conclusões: «i.
A questão central do diferendo entre a Recorrente e a Recorrida, quanto ao exercício de 2013, resume-se a saber se, relativamente a empresas que se encontrem inseridas num grupo fiscal enquadrado no RETGS, o agravamento das taxas de tributação autónoma tem por referência o resultado agregado do Grupo ou o resultado individual das empresas que o compõem (a quem respeita a tributação autónoma).
ii.
Entende o Tribunal a quo que a expressão "sujeito passivo", ínsita no aludido preceito, pode, pelo seu teor literal, ser interpretada como reportando-se à sociedade dominante do grupo. iii.
Salvo o devido respeito, a ponderação peca pela simplicidade da abordagem ao tema, porquanto a adequação de aplicabilidade da norma foi apenas sindicada com exclusivo apego à qualificação formal da incidência subjectiva, descurando em absoluto a determinante incidência objectiva material da norma e o seu confessado propósito - o qual aponta decisivamente no sentido de que a lei pretendeu ter por referência, ab initio, os prejuízos fiscais de cada empresa que suporta encargos sujeitos a tributação autónoma.
iv.
Desde logo, cumpre notar que a lei não estabelece, quanto o RETGS, um regime especial de "determinação do IRC" ou da "tributação das empresas", mas apenas de " determinação da matéria colectável" - o que, desde logo, afasta literalmente a tributação autónoma, dado que a tributação autónoma de determinadas e concretas despesas nada tem que ver com a operação de lançamento em que se concretiza, na técnica tributária, a determinação da matéria colectável do grupo - inerente ao RETGS.
v.
Em lugares paralelos da lei, mormente no que tange a formas de tributação autónomas do IRC, o legislador não deixou de estabelecer, expressamente, regras específicas aplicáveis às empresas enquadradas no RETGS - como a Derrama ou os Pagamentos Adicionais por Conta - considerando a esfera individual das empresas que integram o grupo.
vi.
Face à necessária unidade e coerência do sistema fiscal, não se descortina qualquer fundamento material susceptível de justificar, em sentido oposto, que o agravamento das taxas de tributação autónoma seja efectuado por outro referencial senão, como naquelas realidades, a esfera jurídica tributária de cada uma das empresas que efectuam as despesas sujeitas a tributação autónoma. vii.
Mais do que isso, a correcta e rigorosa sindicância sobre o sentido e extensão da norma de incidência que agrava a tributação autónoma não pode (não deve) ser feita através da mera invocação, simplista, de que a sociedade dominante é um "sujeito passivo" de IRC, porquanto tal qualificação, embora incontroversa, é absolutamente estranha à questão jurídica central. viii.
Está em causa, outrossim, determinar o sujeito passivo da tributação autónoma que a lei veio a agravar - dado que tal qualificação não pode apartar-se ou contrariar o objecto, natureza e mecânica inerente a tal tributação da despesa. ix.
Estando em causa um critério de agravamento da taxa de tributação autónoma, os pressupostos de tal agravamento ter-se-ão por verificados, como se afigura evidente, na esfera jurídica tributária do efectivo sujeito passivo - sobre o qual é efectuado o concreto lançamento e liquidação (autónoma).
x.
O legislador criou as taxas de tributação autónoma com o intuito de dissuadir as sociedades a apresentar determinado tipo de despesas com regularidade e de elevado montante, de forma a evitar, igualmente, que os sujeitos passivos de IRC utilizassem determinadas despesas para proceder à distribuição camuflada de lucros, bem como para evitar a fraude e a evasão fiscal.
xi.
No caso concreto, consta do Relatório da LOE2011, que introduziu o referido n.° 14 no artigo 88.° do CIRC, o seguinte: «determina-se, com caráter de generalidade, que as taxas de tributação autónoma sofram uma elevação de 10 pontos percentuais sempre que os sujeitos passivos apresentem prejuízos fiscais, com o que se pretende dar um sinal claro de moralização na gestão das empresas no tocante a gastos como ajudas de custo ou despesas de representação».
xii.
O legislador pretendeu fazer uso de uma forma de tributação que assume autonomia face ao IRC, com vista a controlar, penalizar e dissuadir determinados gastos propícios a gerar a distribuição oculta de lucros na esfera das entidades que incorrem naqueles gastos. xiii.
Este Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se sobre a natureza da Tributação Autónoma³⁵, no sentido de que «nada tem que ver com a tributação do rendimento, mas sim com a tributação de certas despesas, que o legislador entendeu, pelas razões atrás apontadas fazê- lo de forma autónoma" e que "cada despesa é havida como constituindo facto tributário autónomo sujeito a taxas diferentes das de IRC", e que "a matéria colectável sujeita à incidência das taxas de tributação autónoma é o mero somatório das diversas parcelas de despesa.".
xiv.
A Doutrina³⁶, remetendo para a sindicância constitucional³⁷ sobre a retroactividade do agravamento das taxas de tributação autónoma, refere que a natureza da tributação autónoma é uma questão prévia determinante - atenta a sua qualificação como mecanismo de tributação independente e autónoma em face do IRC.
xv.
Da Jurisprudência deste Venerando Tribunal³⁸, resulta também que a tributação autónoma incide sobre despesa e não sobre rendimento; penaliza determinados encargos das empresas; apura-se de forma independente do IRC; sujeita a taxas diferentes do IRC e, não relacionam com a obtenção de um resultado positivo ou negativo³⁹.
³⁵ Ac. 21.03.2012, dado no proc. 0830/11.
³⁶ Cfr. Clotilde Celorico Palma, «As Tributações Autónomas vistas pelo Tribunal Constitucional - Comentário ao Acórdão do Tribunal Constitucional n° 310/2012, de 20 de Junho de 2012», Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal (n.° 2 do Ano V - Dezembro 2012).
³⁷ Cfr. Acórdão n.° 310/2012, de 20 de Junho e, no mesmo sentido, Acórdãos n.° 382/2012, de 12 de Julho, n.° 617/2012, de 19 de Dezembro e, n.° 85/2013, de 5 de Fevereiro.
³⁸ Cfr. Acórdão de 06.07.2011, processo n.° 0281/2011.
³⁹ Cf. Acórdão do STA de 21.03.2012; Sérgio Vasques "Manual de Direito Fiscal", Almedina, Coimbra, 2011, pág. 293, nosso realce e sublinhado.
xvi.
Se a tributação autónoma não está relacionada com a obtenção de resultado positivo por parte da empresa que incorre na despesa - apenas visa o facto tributário em que se esgota a realização dessa despesa - cumpre questionar por que motivo se adopta um critério de interpretação do agravamento da taxa de tributação que não tem por mínima referência a esfera da empresa que incorreu na despesa autonomamente tributada? xvii.
No que respeita à tributação autónoma, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa por uma determinada entidade - é esse o facto tributário instantâneo sujeito a tributação, e, necessariamente, na esfera da entidade que incorreu na despesa.
xviii.
Logo, o referencial do agravamento da taxa da tributação autónoma, considerando a sua natureza dissuasora, disciplinadora ou...
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