Acórdão nº 2158/19.6T8STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelEM
Data da Resolução10 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Proc. n.º 2158/19.6T8STR.E1 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[1]♣Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório “EDP Distribuição – Energia, S.A.” (Autora) intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra … (Ré), solicitando, a final, que a ação seja julgada procedente, por provada, devendo, em consequência, ser a Ré condenada no pagamento à Autora da quantia de € 10.017,97, a título de danos patrimoniais, acrescida da quantia relativa aos juros de mora vincendos até integral e efetivo pagamento.

Para o efeito, alegou, em síntese, que a Ré manteve um contrato de fornecimento de energia elétrica, no período compreendido entre 02-08-2013 e 16-07-2014, celebrado com o comercializador a operar em mercado liberalizado “EDP Comercial – Comercialização de Energia S.A.”, tendo, em 27-05-2014, esse comercializador submetido à Autora o pedido de interrupção do fornecimento de energia elétrica à Ré, pelo que, em 03-06-2014, foi levado a cabo o corte de fornecimento de energia elétrica à instalação da Ré.

Mais alegou que, em 14-06-2014, o referido comercializador solicitou o pedido de denúncia de contrato, o qual determinou que a energia fosse definitivamente desligada naquela instalação, em virtude da cessação do contrato de fornecimento de energia elétrica, tendo, posteriormente, sido celebrado um novo contrato de fornecimento de energia elétrica entre o mesmo comercializador e a Ré, com início em 07-01-2016, pelo que inexistiu, para aquela instalação, contrato de fornecimento de energia elétrica entre 17-07-2014 e 06-01-2016.

Alegou igualmente que, no âmbito de cinco ordens de serviço, emitidas entre 31-07-2015 e 06-01-2016, equipas técnicas da Autora deslocaram-se ao local de consumo da Ré, tendo, em todas essas deslocações, verificado que a instalação se encontrava ligada à rede de distribuição de energia elétrica, sem a existência de um contrato de fornecimento para o efeito, pelo que tal energia elétrica estava a ser consumida ilicitamente, não sendo faturada por qualquer comercializador, consubstanciando, por isso, uma apropriação indevida de eletricidade para o utilizador da instalação, que a consumia sem pagar o respetivo preço.

Alegou também que a Ré, entre 17-07-2014 e 06-01-2016, agiu e pretendeu com a sua conduta a obtenção de um benefício económico ilícito, que se traduziu na apropriação de energia elétrica da rede de distribuição, no valor de € 9.480,07, sem que tivesse procedido ao respetivo pagamento, ao qual acresce o valor da potência indevidamente tomada no valor de € 467,20, a que acresce a quantia de € 70,70 respeitante a encargos administrativos.

Por fim, alegou que, tendo a Ré agido com dolo, os factos referidos integram a prática de um crime de furto, p. e p. pelos artigos 203.º, 204.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, devendo a Autora ser indemnizada nos termos do art. 483.º e seguintes do Código Civil.

…A Ré (…) apresentou contestação, solicitando, a final, a sua absolvição por se verificar a exceção perentória de prescrição ou, caso assim se não entenda, por se julgar improcedente, por não provada, a presente ação.

Para o efeito, alegou, em síntese, que, aplicando-se à presente situação o prazo de 3 anos previsto no artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil, tendo a Autora conhecimento destes factos desde 31-07-2015, mediaram, entre os mesmos e a citação da Ré, mais de 4 anos, pelo que deve ser declarada a exceção perentória da prescrição e a Ré ser absolvida do pedido.

Mais alegou que, dada a atividade da Autora, as quantias reclamadas só o poderiam ser a título de consumos de energia, pelo que o direito a reclamar consumos de serviços públicos prescreve ao fim de seis meses após o respetivo consumo, nos termos do artigo 10.º, nºs. 1 e 4, da Lei n.º 23/96, de 26-06, ou seja, já se mostra prescrito.

Alegou, por fim, que nunca houve interrupção de fornecimento de energia na sua instalação, nunca tendo a Ré pretendido obter um benefício económico ilícito que se traduzisse na apropriação de energia elétrica da rede de distribuição sem efetuar qualquer pagamento, nem nunca deixou de pagar todas as faturas que lhe foram apresentadas pela EDP durante o período em causa, pelo que não é verdade que a Ré tenha praticado qualquer ilícito, não se mostrando, assim, preenchidos os requisitos para a responsabilidade por factos ilícitos.

…A Autora “EDP Distribuição – Energia, S.A.”, em resposta às exceções da prescrição, veio pugnar pela sua improcedência.

Em síntese, alegou que o prazo de prescrição a aplicar é o constante do artigo 498.º, n.º 3, do Código Civil, uma vez que está em causa uma ligação ilícita à rede de distribuição de energia elétrica, sem a existência de um contrato de fornecimento para o efeito, o que causou à Autora prejuízos no montante de € 10.017,97, factualidade essa que preenche os elementos do tipo de crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 204.º, n.º 1, alínea a) e 202.º, ambos do Código Penal, pelo que o prazo de prescrição é de 10 anos.

Concluiu ainda que não é de aplicar o prazo de prescrição previsto no artigo 10.º, nºs. 1 e 4, da Lei n.º 23/96, de 26-07, visto que tal disposição se aplica aos consumidores lícitos, ou seja, que tenham um contrato válido de fornecimento de energia elétrica.

…Realizada a audiência prévia, não foi possível a conciliação das partes, tendo sido proferido despacho saneador, no qual foi fixado o valor da ação em € 10.017,97 e identificados o objeto do litígio e os temas da prova.

…Realizado o julgamento de acordo com as formalidades legais, foi proferida sentença em 05-07-2021, com o seguinte teor: Em face dos fundamentos expostos, julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência, decido: a) Condenar a Ré (…) a pagar à Autora EDP Distribuição Energia, S.A., com a atual designação de E-Redes – Distribuição de Eletricidade, SA, a quantia de € 9.947,27 (nove mil, novecentos e quarenta e sete euros e vinte e sete cêntimos), a que acrescem juros de mora à taxa de 4%, desde a citação, até efetivo e integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado; b) Custas pela Ré (artigo 527.º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

*Fixo o valor da ação em € 10.017,97 (dez mil e dezassete euros e noventa e sete cêntimos), nos termos dos artigos 296.º, n.º 1, 297.º, nºs 1 e 2, 299.º, n.º 1 e 306.º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Registe e notifique.

…Inconformada com a sentença, a Ré (…) interpôs recurso, apresentado as seguintes conclusões: Andou mal o Tribunal a quo na sentença ora em crise, que julgou parcialmente procedente a acção interposta pela Recorrida EDP Distribuição de Energia, SA, com a atual designação de E-REDES – Distribuição de Electricidade, S.A. e, que condenou a ora Recorrente no pagamento da quantia de € 9.947,27 e custas da ação, erradamente com fundamento em responsabilidade civil e errada aplicação do artigo 498.º, n.º 3, do Código Civil Português, números 1 e 4 do artigo 10.º da Lei n.º 23/96, de 26 de julho e Decreto-Lei n.º 328/90, de 22 de outubro.

A Recorrente entende que se verifica a excepção perentória de prescrição, porquanto se aplica o vertido no artigo 498.º do Código Civil Português que dispõe que “o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete” e que in casu mediaram mais de 4 anos entre a data do conhecimento da alegada infracção e a citação para a acção, cuja decisão ora se questiona.

E está convicta de que a reclamação de danos patrimoniais a título de responsabilidade civil, alegadamente extracontratual consubstanciam uma forma dissimulada de reclamar o pagamento de consumos de energia, cujo direito de reclamar prescreve ao fim de seis meses após o respectivo consumo, conforme decorre do artigo 10.º da Lei n.º 23/96, de 26 de julho que cria no ordenamento jurídico alguns mecanismos destinados a proteger o utente de serviços públicos essenciais e que nos presentes autos foi integralmente desconsiderada, tendo também esse prazo...

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