Acórdão nº 1620/21.5T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelCRISTINA D
Data da Resolução10 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Apelação n.º 1620/21.5T8STB.E1 (1.ª Secção) Relator: Cristina Dá Mesquita Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO I.1. (…), réu na ação de impugnação de paternidade que lhe foi movida por (…), interpôs recurso do despacho proferido pelo Juízo de Família e Menores de Setúbal, Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, em 26 de setembro de 2021, no segmento em que foi determinada a realização de exame pericial de ADN ao autor e ao réu. A decisão sob recurso tem o seguinte teor: «[…] Entretanto, e atenta a idade do autor – e porque a questão da invocada caducidade do direito de impugnação da paternidade sempre implicará produção de prova, nunca se podendo, portanto, decidir no despacho saneador –, o Tribunal determina, desde já, também ao abrigo do artigo 6.°/1 do Código de Processo Civil, a realização de exame pericial de ADN ao autor (…) e ao réu (...) com o seguinte quesito: O autor (…) é pai biológico do réu (…)? Notifique e D.N.» I.2. O recorrente formula alegações que culminam com as seguintes conclusões: «1- Vem o Recorrente inconformado com o despacho de 26-09-2021 que, sem saneador e sem qualquer prova produzida em audiência de julgamento e subsequentemente, apenas com a versão nos autos de cada um dos articulados do autor e réu, respetivamente da petição inicial, da contestação e das respostas, ordenou, "ao abrigo do artigo 6.°/1 do Código de Processo Civil a realização de exame pericial de AD N ao autor (…) e ao réu (…) com o seguinte quesito: O autor (…) é pai biológico do réu (…)?". 2- Ora, discordando do despacho de 26-09-2021, salienta-se, desde logo, que o Tribunal a quo proferiu o despacho que determinou a realização de exame pericial às partes sem que tivesse sido aferida da validade da procuração do autor para a ação de investigação da paternidade e/ou realizada qualquer diligência para apuramento da regularidade do mandato e, consequente, validade da causa de pedir e do pedido formulado, a qual não está cristalizada na ação, o que importa na nulidade do decidido, que desde já se invoca para os legais efeitos. 3- Por outro lado também, discordando do decidido, o Tribunal a quo proferiu o aresto ora recorrido determinando a realização de exame pericial de ADN às partes, fazendo-o sem que tenha apreciado as invocadas exceções de caducidade do direito de ação e de ineptição da petição inicial ou de falta de factualidade material concreta alegada para uma ação (anormal e extemporânea) de "investigação da paternidade"; pelo que decidiu, também, sem valorar, ponderar e decidir as questões (exceções) invocadas pelo réu que obstam e impedem o prosseguimento da ação. 4- Mais, o Tribunal a quo, com o despacho recorrido, desvalorizou e não valorou a declaração de parte ou confissão do réu vertida na contestação que, contrariamente ao alegado abstrata e vagamente pelo autor na p.i com fundamento em ouvir dizer, assume, de forma cristalinamente e inequívoca, reconhece e aceita ser filho do autor. 5- Vejamos, os presentes autos limitam-se, nesta fase, a ter meramente as versões trazidas pelo autor e réu nos seus articulados de petição inicial e contestação / reconvenção ou respostas. 6- Na petição inicial, o autor limitou-se a alegar da necessidade de investigação da paternidade com base em pretensa informação de "ouvir dizer" que o réu refere que o autor não é seu pai, o que o réu repudia e refuta, categoricamente na contestação, declarando, de forma clara, cristalinamente e inequívoca, em declarações de parte ou confissão, que o autor é o seu pai. 7 - Neste sentido, como sustentou o recorrente na contestação, o autor limitou-se a alegar nos factos abstratos, genéricos e sem qualquer concretiza da petição inicial para a anormal (e extemporânea) ação de investigação de paternidade contra o filho maior, ora réu, de 57 anos de idade referindo que "é voz corrente na localidade de (…) que o A. não é o progenitor do Réu" e que "o Autor veio agora a ter conhecimento que a sua mulher, terá tido um relacionamento extra conjugal com um tal (…), comerciante em (…) e entretanto falecido", sem que nada alegar sobre a data de tal relacionamento amoroso, se ocorreu no período de gestação e como tomou "agora" tal pretenso conhecimento. 8- Como invocou o réu na contestação sustentando a anormalidade e extemporaneidade da ação de investigação da paternidade a filho maior, de 57 anos de idade, o autor tem 90 anos de idade, tendo a mãe do réu e cônjuge do autor falecido em 01-01-2021, nascendo, vivendo e coabitando as partes até à interposição da presente ação sem que estes nunca tivessem, em vida da mãe e cônjuge (também como testemunha relevante que a mesma podia ser), requerido judicialmente qualquer investigação de paternidade. 9- Mais, como alegou o R./Recorrente na sua contestação, a presente ação é intentada em juízo quando o A/Recorrido passou a viver com uma enteada e sobrinho que passaram a ocupar a habitação deste em julho de 2020 (pois estes sempre residiram em Coimbra até julho de 2020), e o R/Recorrente ter deduzido queixa crime contra a dita enteada e sobrinho do autor por apropriação ilegítima, indevida e não autorizada ou consentida por estes do património conjugal dos pais do réu/recorrido, sendo que o réu é o único filho do autor e, portanto, legitimo herdeiro. 10- Acresce que, em sede de contestação, o réu invocou, especificadamente, a exceção da ineptidão da petição inicial ou de falta de alegação de factualidade para a presente ação de investigação de paternidade, atenta a finalidade deste tipo de ação, dirigida ao "ato gerador" do filho ou ao "período da conceção", cujo circunstancialismo ou enquadramento fáctico concreto, no tempo e local, o autor omite, em absoluto, na presente ação. 11- A falta de alegação de factualidade material concreta na ação e de circunstancialismo ou enquadramento fáctico concreto, no tempo e local, sobre o "ato gerador" do filho ou ao "período da conceção" do filho – que o autor omite, em absoluto, na presente ação – consubstancia exceção dilatória e importa na nulidade da ação – exceção que o Tribunal a quo não valorou previamente ao despacho que ordena a realização de prova, o que importa na nulidade do despacho recorrido. 12- Nos termos dos artigos 5.º, n.º 1 e 552.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e as exceções, sendo, pois, na petição inicial que devem constar os concretos e reais factos que preenchem a previsão da norma jurídica na qual a parte funda o seu direito. 13- A ineptidão da petição inicial é uma exceção dilatória que conduz à abstenção do conhecimento do mérito da causa e à absolvição dos Réus da instância e que tal exceção é de conhecimento oficioso pelo tribunal, conforme os artigos 186.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), e 278.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código de Processo Civil. 14- Ora, como alegou o recorrente na sua contestação, a pretensão da investigação de paternidade fundada em "ouvir dizer" deve ser ponderada e valorada em eventual despacho pré-saneador (ao abrigo do disposto no artigo 590.°, n.ºs 2 a 6, do CPC ou, caso assim não entenda, no despacho saneador, devendo logo ser indeferida e não admitida, por manifesta desnecessidade, inutilidade superveniente da lide ou por não ser relevante atenta a impugnação especifica e as declarações da parte ou confissão do réu na contestação de que tais boatos ou alegação de ouvir dizer é impugnada por falsidade pois, como sustentou, categoricamente, considera e reconhece o autor como seu pai – confissão do réu que o Tribunal a quo não valorou e que importa na inutilidade superveniente da lide (artigo 576.° do Código de Processo Civil). 15- Mais, no caso, não foi apurado, na dita ação de investigação de paternidade, que a mãe do autor manteve relacionamento sexual com terceiro no período legal de conceção do R., nem qualquer relacionamento amoroso outro que não fosse com o pai do réu ou que a mãe do réu, agora com mais de 55 anos, manteve qualquer relacionamento afetivo duradouro com outro homem, o qual viesse a ser ou pudesse ser, designadamente ainda em vida da mãe (falecida em 01.01.2021), reputado, seriamente, como pai do réu/recorrente, a fim deste ser judicialmente excluído da paternidade do autor aos noventa anos deste. 16- Por outro lado, sendo a mãe a única testemunha com conhecimento do relacionamento com tal pretenso terceiro, não havendo outra forma de demonstrar o nexo de causalidade de qualquer relacionamento sexual, é, com manifesto despudor e ofensa para o réu, que o autor se apresenta agora (salienta-se, com noventa anos e após a ação crime ter sido deduzida contra a enteada e o sobrinho com quem este passou a viver em julho de 2021 sobre a apropriação por estes do património dos pais do A.) a requerer uma pretensa "investigação" da paternidade. 17- Acresce que, opondo-se e recusando perentoriamente o réu, filho maior, a sujeição a quaisquer exames, invocando a desnecessidade e a irrelevância dessa prova (atenta a parca alegação do autor na sua petição inicial que pretende obrigar o réu a uma "investigação" de paternidade com mero fundamento em boatos e/ou em ouvir dizer, quando o réu confessa e declara, cristalinamente, na contestação, que é filho do autor) e, ainda, a violação da sua integridade física e da reserva da sua vida privada, entende o Recorrente que tais exames médico-periciais não podem ser determinados, designadamente sem ponderar os interesses opostos em presença, sendo que, no caso, atento o enquadramento fáctico alegado pelas partes, entende o Recorrente não estar demonstrado, nem poder prevalecer, um interesse próprio e/ou real do recorrido em instaurar uma ação para "investigação" da paternidade (salienta-se, aos noventa anos deste, e como se o filho fosse um "boneco")! 18- De facto, como pugna e sustenta o recorrente na sua contestação, também o filho, aqui réu, maior, tem direito à determinação da sua identidade tal como ela foi pelos pais declarada no...

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