Acórdão nº 1439/16.5T8PTG.E2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução27 de Janeiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. AA e BB intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Caixa Geral de Depósitos S.A.

e CC e mulher, DD, peticionando o seguinte:

  1. Que sejam «anuladas as hipotecas voluntárias realizadas pelas escrituras públicas, juntas como docs. 3 e 4, lavradas entre a Ré Caixa Geral de Depósitos SA e o irmão das Autoras, o aqui Réu, CC e EE no Cartório Notarial ..., respeitantes ao prédio melhor identificado supra, com as devidas e legais consequências e ser determinado o cancelamento, na Conservatória do Registo Predial ..., das inscrições C-1 e C-2 referentes a esse mesmo prédio descrito sob o n.º ...70 – ..., lavradas a favor da Ré Caixa Geral de Depósitos SA.» b) Que seja «anulada a hipoteca voluntária realizada pela escritura pública, junta como doc. 4, pelos factos alegados nos artigos 31.º a 39.º da presente petição inicial, lavrada entre a Ré Caixa Geral de Depósitos SA e o irmão das Autoras, o aqui Réu, CC e EE no Cartório Notarial ..., respeitantes ao prédio melhor identificado supra, com as devidas e legais consequências e ser determinado o cancelamento, na Conservatória do Registo Predial ..., da inscrição C-2 referente a esse mesmo prédio descrito sob o n.º ...70 – Chancelaria, lavrada a favor da Ré Caixa Geral de Depósitos SA.».

    Para tanto alegam as AA. que são irmãs do R. CC e filhas de FF e EE, que foram executados no processo executivo que identificam e no qual a R. Caixa Geral de Depósitos peticiona o pagamento de uma quantia de € 736.942,86.

    No âmbito dessa acção executiva, da qual as AA. tiveram conhecimento através dos editais de venda do prédio denominado Herdade ..., constituem títulos executivos as escrituras de hipoteca que serviram de base ao registo de duas hipotecas voluntárias sobre o referido prédio. As AA. são herdeiras legitimárias dos seus pais, os quais são proprietários do imóvel penhorado referido e que constitui cerca de 90% do seu património.

    As hipotecas serviram de garantia a mútuos de que o 2.º R. foi o único beneficiário. Assim, tal oneração foi efectuado em prejuízo dos restantes filhos, as ora AA..

    O direito dos filhos à herança é um direito próprio, que deriva do nascimento, não dependendo da abertura da herança, pelo que estes têm o direito de fazer garantir a sua legítima, nomeadamente quando os actos em vida dos pais são feitos com intenção de os prejudicar.

    Neste entendimento, trazem à colação o art. 877.º do Código Civil, que, na compra e venda, exige o consentimento dos restantes descendentes em venda a um deles. Assim como o disposto no art. 939.º do mesmo Código que determina a aplicação das normas de compra e venda a outros contratos onerosos pelos quais se alienem bens ouse estabeleçam encargos sobre eles.

    Assim, para a constituição das hipotecas em causa, necessário seria o consentimento das AA., sendo que a R. Caixa Geral de Depósitos tinha perfeito conhecimento da sua existência, tendo exigido a sua intervenção em outros actos.

    Em consequência, entendem que devem ser anuladas as hipotecas voluntárias que identificam.

    Por outro lado, as procurações que o R. CC utilizou para a constituição da primeira hipoteca, em 16/07/2001, foram outorgadas pelos seus pais três dias antes, pelo que, no momento em que aquele constituiu a segunda hipoteca, sete meses depois, já não se encontrava habilitado para a constituir, porque só lhe foram atribuídos poderes para constituir a primeira.

    Não tendo poderes de representação, o seu acto, nos termos do disposto no art. 268.º, n.º 1, do CC, teria de ser ratificado sob pena de ser ineficaz relativamente ao representado.

    Tal negócio não foi ratificado.

    Assim, com este fundamento deve ser anulada a segunda das hipotecas realizadas.

    Em conclusão, pronunciam-se pela procedência da acção, peticionando a anulação das hipotecas que identificam e o cancelamento da sua inscrição.

    1. A R. Caixa Geral de Depósitos apresentou contestação. Por excepção invocou a preterição de litisconsórcio passivo necessário por não intervirem na acção os proprietários do prédio hipotecado. Por impugnação, alega que as hipotecas foram constituídas livremente pelos proprietários do prédio em causa, impugnando a proporção do valor do bem em causa no acervo hereditário, e alegando que o direito a herdar não recai sobre nenhum bem específico, nem existe expectativa jurídica nos moldes expostos pelas AA..

      Da mesma forma conclui pela validade das procurações e pela improcedência da acção.

    2. Respondendo a convite do tribunal para sanação de excepção dilatória de ilegitimidade, foi requerida e deferida, em 29/06/2017, a intervenção principal provocada “como associada dos Réus” de EE, mãe das AA.. Tendo vindos aos autos informação do falecimento de FF, pai das AA., em 06/01/2027.

    3. A A. BB apresentou desistência do pedido.

      Homologada tal desistência, foi a instância declarada extinta nessa parte.

    4. Em 07/11/2017, a R. CGD apresentou articulado superveniente, invocando a improcedência da acção com fundamento na renúncia da A. AA à herança de seu pai (em benefício de sua mãe), FF, por escritura de 06/09/2017.

    5. Por saneador-sentença de 30/01/2018, com fundamento na verificação das excepções inominadas de ilegitimidade activa superveniente e de falta de interesse em agir, foram os RR. absolvidos da instância.

    6. Inconformada, a A. AA interpôs recurso para o Tribunal da Relação ..., o qual, por acórdão de 24/05/2018, foi julgado procedente – com fundamento em que, não obstante ter renunciado à herança do seu pai, a A. mantivera a expectativa jurídica relativamente à legítima na herança da mãe, interveniente principal na presente acção – determinando-se o prosseguimento dos autos.

    7. Remetidos os autos à 1.ª instância, foi efectuado julgamento e proferida sentença, em 09/01/2020, pela qual se decidiu o seguinte: «Pelo exposto julgo parcialmente procedente, por parcialmente provada, a presente acção, e consequentemente, anula-se a hipoteca voluntária constituída por escritura pública outorgada em 26 de Fevereiro de 2002 entre a Caixa Geral de Depósitos, S.A. e CC e EE, no Cartório Notarial ..., a fls. ...27 a ...29, do Livº ..., determinando-se o cancelamento do registo da hipoteca inscrita pela inscrição C-2, AP. ... de 2002/02/20, sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ..., freguesia ..., sob o nº ...70/..., improcedendo o demais peticionado.».

    8. Inconformada, por sua vez, com tal decisão, a R. C.G.D. interpôs recurso de apelação, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito.

      Por acórdão de 11/03/2021 foi proferida a seguinte decisão: «Pelo acima exposto, decide-se:

  2. Na procedência do Recurso Principal, revoga-se a Sentença recorrida, na parte em que decidiu anular “a hipoteca voluntária constituída por escritura pública outorgada em 26 de Fevereiro de 2002 entre a caixa Geral de Depósitos, S.A. e CC e EE, no Cartório Notarial ..., a fls. ...27 a ...29, do Livº ..., determinando-se o cancelamento do registo da hipoteca inscrita pela inscrição C-2, AP. ... de 2002/02/20, sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ..., freguesia ..., sob o nº ...70/...”, absolvendo-se os Réus desse pedido; b) Declarar improcedente o Recurso Subordinado.».

    1. Vem a A. AA interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: «

  3. A Ré/Recorrente CGD recorreu da matéria de facto, pugnando pela alteração da mesma; b) Nomeadamente pugnando pela alteração da matéria de facto dada como provada em 9 e 10; c) Ou seja, pugnando pela alteração da seguinte matéria de facto dada como provada pela 1ª Instância: “9 – Os outorgantes das procurações referidas em 6 quiseram apenas autorizar a constituição de uma hipoteca pelo 2º R., CC.

    10 – Os referidos outorgantes nunca, por qualquer meio, declararam concordar com a realização de uma segunda hipoteca, nem nunca tiveram a intenção de ratificar o acto do R. CC.” d) A Recorrente CGD não cumpriu o ónus previsto no Artigo 640º do CPC para a impugnação da matéria de facto; e) Isso mesmo dá conta o Tribunal da Relação ...; f) A Recorrente CGD não especificou os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, não especificou os concretos meios de prova, constantes do processo e da gravação da prova, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; g) A Recorrente CGD nem sequer especifica a decisão que, no seu entender, devia ser proferida sobre as questões de facto impugnadas; h) Assim como estando os depoimentos das testemunhas e partes gravados, igualmente não indicou com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso; i) Ora nos termos do disposto no nº 1 do Artigo 640 do CPC o recurso é rejeitado quando o recorrente não cumpra a especificação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas; j) Assim como também não indicou com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, o que nos termos do nº 2 do citado preceito tem como consequência a imediata rejeição do recurso na respetiva parte; k) Ao invés do ali previsto expressamente o Tribunal a quo entendeu, ainda assim, conhecer do recurso da matéria de facto da CGD, ao fazê-lo violou o disposto no Artigo 640º do CPC, para além do disposto nos Artigos 13º e 20º da CRP; l) Pelo que, deve o Acórdão recorrido nesta parte ser revogado e o recurso da matéria de facto da CGD ser rejeitado, mantendo-se assim a matéria provada constante de 10 da sentença e que ilegalmente o Tribunal a quo alterou; Mais, m) As hipotecas foram constituídas pelo R CC, com base em duas procurações, uma de cada um dos seus progenitores e que lhe...

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