Acórdão nº 1000/20.0T8VCT-A.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução27 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães *1 –RELATÓRIO J. M.

instaurou recurso de revisão (1) contra A. M.

e o MP, peticionando que seja revogada in totum a sentença de 26-11-1982 e substituída por outra que declare não ser ele o progenitor de A. M., com as consequentes alterações no registo civil.

Para tanto, invoca a alínea c) do art. 696° CPC, alegando que o progresso cientifico alcançado após a data da decisão permite determinar com rigor a paternidade e que no processo censurado não foram efectuados exames, sendo estes então, falíveis e inidóneos para apuramento da verdade. Em Agosto de 2019, o A. e a R. A. M. submeteram-se a testes de ADN com resultado de probabilidade zero de geração por banda do A. E em Dezembro desse ano repetiram, também por iniciativa própria, os exames no INML, sobrevindo relatório datado de 27-01-2020, com o resultado de exclusão do A. da paternidade da R. O caso julgado deve ceder perante o pessoalíssimo direito fundamental à verdade biológica.

Recebido liminarmente o recurso, foram os recorridos notificados nos termos do nº 2 do art. 699º do CPC.

O recorrido MP respondeu, entendendo ser o recurso tempestivo [art. 697º/2, c) do CPC] e enquadrar-se na previsão do art. 696º, c) do mesmo diploma legal, devendo os autos prosseguir nos termos regulados no art. 700º do CPC.

Na sua resposta, a recorrida A. M.

informou que não pretendia oferecer qualquer resposta, renunciando ao prazo que para o efeito lhe havia sido concedido.

Posteriormente foram ouvidos o recorrente e a recorrida, bem como as testemunhas por aquele arroladas, D. M. e M. A., seus irmãos, que tiveram conhecimento do processo em 1982 e da ligação sentimental.

No final, foi proferida sentença, que decidiu indeferir o recurso de revisão e que, para melhor elucidação, se passa a transcrever: § I J. M. instaurou recurso de revisão contra A. M. e contra o Estado, concluindo com a seguinte pretensão: Seja revogada in totum a sentença de 26/11/82 e substituída por outra que declare não ser ele o progenitor de A. M., com as consequentes alterações no registo civil.

Sustenta-se o A na alínea c) do artigo 696° CPC: apresentação de documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não pudesse ter feito uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida.

O progresso cientifico alcançado após a data da decisão permite determinar com rigor a paternidade. No processo censurado não foram efectuados exames, sendo estes então, falíveis e inidóneos para apuramento da verdade.

Em Agosto de 2019, A e R submeteram-se a testes de ADN com resultado de probabilidade zero de geração por banda do A. E em Dezembro desse ano repetiram, também por iniciativa própria, os exames no IML, sobrevindo relatório datado de 27/1/2020, com o resultado de exclusão do A da paternidade da R.

O caso julgado deve ceder perante o pessoalíssimo direito fundamental à verdade biológica.

Respondeu o MP.

A. M. informou pretender não oferecer resposta.

Foi ouvida e também J. M.. E as testemunhas por este arroladas, D. M. e M. A., seus irmãos, que tiveram conhecimento do processo em 1982 e da ligação sentimental.

§ II Como fundamento para ser dado provimento ao recurso, J. M. traz a exposição que se repete - no mais relevante - de seguida.

  1. Em 17 de Julho de 1981, C. J. deu à luz A. M..

  2. Do assento de nascimento de A. M. não constava a identificação do progenitor.

  3. Em consequência, foi instaurado processo de averiguação oficiosa.

  4. Aí se concluindo estar indiciado ser J. M. o autor da gravidez.

  5. Ouvida C. J., declarou esta: o pai da menor é J. M. ... acedeu a com ele manter relações ... que se repetiram.

  6. Ouvido, em 20/11/1981, João declarou negar terminantemente a paternidade de A. M. ... manteve relações de cópula ... duas ou três vezes ... a mesma estava já grávida de um indivíduo que trabalhava em Espanha.

  7. Contestou a PI da investigação, alegando ser falso o respectivo teor.

  8. Alegou já estar a progenitora desflorada.

  9. Anteriormente andava com diversos homens.

  10. E todos informaram João de que ela era mulher fácil.

  11. Pelo que podia não ser ele o progenitor.

  12. À data, os testes de sangue e de ADN eram altamente falíveis.

  13. O MP não requereu a efectivação de exames de sangue.

  14. Consta da decisão: as respostas positivas ... basearam-se ... nos depoimentos das testemunhas indicadas pelo autor ... por motivo de vizinhança e convivência com a mãe da menor ... o que consta das cartas ... escritas à mãe da menor pelo réu.

  15. A sentença enferma de manifesto erro de julgamento.

  16. E dela consta: uma vez que, durante esse período ... só com o réu manteve relações sexuais de cópula, tem de se concluir que a menor é fruto de tais relações, que é filha do réu.

  17. As testemunhas foram parciais.

  18. Está cientificamente demonstrado que o recorrente não é o progenitor de A. M..

  19. Nunca a reconheceu como filha.

  20. Só em Agosto de 2019 veio a conhecê-la.

  21. E reiterou não ser dela progenitor.

  22. Submeteram-se ambos, em laboratório privado a exame de ADN em Agosto de 2019.

  23. Deste resultando (relatório de 14/08/2019) que J. M. está excluído como pai biológico da criança testada ... a probabilidade é 0% ... o laboratório não assume responsabilidade por informação incorrecta.

  24. E submeteram-se a segundo exame, em Dezembro de 2019, no IML, que forneceu relatório a 27/112020.

  25. E deste constando: J. M. ... é excluído da paternidade de A. M..

  26. Donde resulta - atenta a presente fiabilidade dos exames de ADN - enfermar a decisão recorrida de manifesto erro de julgamento.

    aa. Tendo para este concorrido o MP, então autor, por, podendo (e devendo) não haver requerido a realização de exames de sangue.

    bb. A verdade biológica prevalece sobre a certeza e segurança jurídica.

    cc. A não revogação da decisão infectaria de inconstitucionalidade a decisão do presente recurso.

    dd. Em 1982 os exames de ADN eram altamente falíveis.

    ee. A e R submeteram-se a exames de ADN em Agosto de 2019.

    ff. Daí resultando relatório datado de 14/8/2019, com probabilidade de paternidade igual a zero.

    gg. Efectuaram novos exames em Dezembro de 2019 e o relatório subsequente, datado de 27/1/2020 deu como resultado que o A é excluído da paternidade da R.

    §III Dos autos de investigação extrai-se:

  27. A - de Julho de 1981 nasceu A. M., sendo registada apenas como filha de C. J., de 19 anos de idade.

  28. A acção ordinária foi instaurada a 11 de Fevereiro de 1982, sendo R J. M..

  29. C. J. nasceu em -/12/1961.

  30. J. M. nasceu em -/1/1962.

  31. J. M. constituiu ir mandatário e contestou.

  32. Do teor da contestação: Nunca teve namoro com a mãe de A. M. ... teve relações de sexo, uma só vez e em Janeiro ... C. J. ... andava com diversos homens ... em intimidade ... pode não ser o pai ... deve ... ser julgada improcedente.

  33. Da tréplica: Vários foram os homens que, durante o período legal ... tiveram relações sexuais de cópula com a mãe da menor.

  34. Elaborado o questionário, o MP arrolou 5 testemunhas e J. M. arrolou 5 testemunhas, não propondo qualquer outro meio de prova. Juntaram um e outro, correspondência e uma foto.

  35. As testemunhas arroladas por J. M. foram ouvidas, em Novembro de 1982.

  36. A 17 de Novembro foi lido o acórdão das respostas ao questionário, que não mereceu reclamação, prescindindo as partes de alegações de direito.

  37. Foram considerados os depoimentos das testemunhas arroladas pelo A e as cartas. As arroladas pelo R não foram referidas.

  38. Foi dado como provado: a relação de namoro, a conjugação repetida, em Janeiro e Fevereiro e a exclusividade no período legal.

  39. A decisão data de 26 de Novembro de 1982. Sustentada no trato conjugal entre C. J. e J. M. e com nenhum outro homem, declarou J. M. como progenitor de A. M..

    § IV Foram ponderados o teor da acção de investigação, as declarações de J. M. e de A. M., indicando terem-se conhecido no ano passado e submetido a testes e os depoimentos de D. M. e M. A., irmãos do A e com memória do processo em Ponte de Lima.

    O recurso de revisão deu entrada a 2 de Março de 2020.

    Pretende J. M. ser excluído da condição de progenitor de A. M., atribuindo à decisão da comarca de Ponte de Lima, datada de 26 de Novembro de 1982, erro clamoroso.

    A revisão é facultada nos estritos limites do artigo 696º CPC e não está sujeita ao limite dos cinco anos, art. 697º n.2 CPC. Invoca J. M. a alínea c) do artigo 696° CPC: apresentação de documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não pudesse ter feito uso, no processo em foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida.

    O documento invocado por J. M. é relatório subsequente a exames de ADN. O relatório de 14 de Agosto de 2019 e o relatório de 27 de Janeiro de 2020, o primeiro de entidade privada e o segundo do Instituto de Medicina Legal e que será mais fiável no entender do recorrente, ambos concluindo pela exclusão de J. M. da geração de A. M..

    A decisão enfermará de erro manifesto por ser pouca a fiabilidade dos exames de ADN à data e por o MP não haver requerido a realização de exames de sangue.

    No caso, ainda não foi produzida prova pericial, cabendo às partes propô-la, não se procedendo à respectiva efectivação sem que o tribunal a determine (art. 467º CPC). O relatório de exames efectuados espontaneamente pelas partes não é propriamente meio de prova documental, antes o resultado dos exames privados e estranhos ao processo, independentemente da maior ou menor credibilidade da entidade que os realizou.

    A admitir-se o relatório pericial como documento (ac RP 31/10/2006, CJ XXXI, IV, p.187) estaria esgotado, à data da propositura do recurso de revisão o prazo de 60 dias facultado pelo artigo 697º n.2 c) CPC, atendendo a que os primeiros exames foram efectuados em Agosto de 2019 e o correspondente relatório data de dia 14 desse mês.

    A afirmação de que a alta fiabilidade dos exames de ADN foi alcançada só...

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