Acórdão nº 112/22 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução03 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 112/2022

Processo n.º 920/2021

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (seguidamente, «LTC»), dos acórdãos proferidos por aquele Tribunal, em 28 de abril de 2021 e 7 de julho de 2021.

2. Através da Decisão Sumária n.º 704/2021, decidiu-se, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso.

Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«6. Interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, o presente recurso incide sobre: (i) o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 28 de abril de 2021, que conheceu do mérito do recurso interposto da sentença proferida em primeira instância; e (ii) o acórdão proferido pelo mesmo Tribunal, em 7 de julho de 2021, que desatendeu a nulidade imputada àquele primeiro aresto.

Constitui pressuposto de admissibilidade dos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC a decisão recorrida haja feito aplicação, como sua ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada pelo recorrente.

Tal pressuposto decorre do caráter instrumental dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade: não visando tais recursos dirimir questões meramente teóricas ou académicas, um eventual juízo de inconstitucionalidade, formulado nos termos reivindicados pela recorrente, deverá poder «influir utilmente na decisão da questão de fundo» (cf. Acórdão n.º 169/1992), o que apenas sucederá se o critério normativo cuja validade constitucional se questiona corresponder à interpretação feita pelo tribunal a quo dos preceitos legais indicados pelo recorrente, isto é, ao modo como o comando destes extraído foi efetivamente perspetivado e aplicado na composição do litígio. Por essa razão, quando seja requerida a apreciação da constitucionalidade de uma norma segundo uma certa interpretação, esta deverá coincidir, em termos efetivos e estreitos, com o fundamento jurídico do julgado.

Tal pressuposto não pode dar-se por verificado no presente caso.

7. Conforme delimitado pelo recorrente, o objeto do recurso é integrado pela «interpretação e dimensão normativa da norma vertida no n.º 2 do artigo 381.º do Código de Processo Penal, de acordo com a redação introduzida pela Lei n.º 1/2016, segundo a qual pode ser julgada em processo sumário a prática pelo mesmo arguido de plúrimos crimes que, em concurso, comportem uma pena unitária máxima, abstratamente aplicável, superior a cinco anos de prisão».

Sucede que, para julgar improcedente o recurso interposto da sentença proferida em primeira instância, o Tribunal recorrido aplicou o n.º 2 do artigo 381.º do Código de Processo Penal não no sentido impugnado pelo recorrente, mas no sentido, mais exigente e estrito, que resulta da consideração do pressuposto cumulativo fixado no respetivo segmento final: isto é, no sentido de que «pode ser julgada em processo sumário a prática pelo mesmo arguido de plúrimos crimes que, em concurso, comportem uma pena unitária máxima, abstratamente aplicável, superior a cinco anos de prisão», «quando [como se entendeu ter ocorrido nos autos] o Ministério Público, na acusação, entender que não deve ser aplicada, em concreto, pena de prisão superior a 5 anos».

É o que decorre claramente da seguinte passagem do Acórdão proferido em 28 de abril de 2021: «[n]o caso em apreço, o Ministério Público, ao deduzir acusação em processo sumário justificou a razão pela qual entendeu não ser aplicável, em concreto uma pena de prisão superior a cinco anos de prisão, mostrando-se assim preenchidos os requisitos para a opção pelo julgamento em processo sumário nos termos do artigo 381.º, n.º 2, do C.P.Penal». E, a propósito das garantias associadas ao exercício de tal faculdade, ainda do trecho seguinte: «se por acaso, o réu se convencer de que a atuação do Ministério Público não se pautou por tais critérios [de estrita legalidade e objetividade], então continua a ter ao seu dispor a faculdade de recorrer da decisão, que é ainda uma das faces mais relevantes do direito de defesa dos arguidos em processo criminal».

Ao omitir tal pressuposto — que é, conforme se viu, integrante e indissociável da norma extraída pelo Tribunal a quo do n.º 2 do artigo 381.º do Código de Processo Penal e efetivamente aplicada no acórdão recorrido —, a interpretação impugnada afasta-se irremediavelmente da ratio decidendi subjacente ao juízo que conduziu à validação do emprego da forma de processo sumário no caso sub judice, fazendo improceder «este fundamento do recurso» interposto da sentença proferida em primeira instância.

Por força da supressão de tal elemento — a cuja verificação foi condicionada a possibilidade do emprego daquela forma de processo —, a interpretação impugnada pelo recorrente não encontra no critério decisório aplicado no acórdão de 28 de abril de 2021 a correspondência pressuposta pela possibilidade de conhecimento do objeto dos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.

8. Relativamente ao segundo aresto recorrido, o mesmo limitou-se a apreciar matéria respeitante à nulidade imputada ao acórdão acima referido.

A única questão que o Tribunal recorrido ali apreciou respeita à verificação dos pressupostos do vício de omissão de pronúncia previsto no primeiro segmento da alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal, verificação que infirmou através da transcrição de excertos da fundamentação seguida no acórdão anteriormente proferido.

Também deste ponto de vista se justifica, por isso, a prolação da presente decisão sumária, sabido, como é, que o despacho de admissão proferido pelo tribunal recorrido não vincula o Tribunal Constitucional (cf. artigo 76.º, n.º 3, da LTC).»

3. Inconformado com tal decisão, o recorrente reclamou para a Conferência, invocando para o efeito os seguintes fundamentos:

«


I) Considerações gerais

Mediante douta decisão sumária, proferida pela Ex.ma Juiz Conselheira relatora, foi decidido não se tomar conhecimento do objeto do recurso apresentado pela alegada inviabilidade recursória em razão de a interpretação impugnada não encontrar no critério decisório aplicado a correspondência pressuposta.

Ora, tal douta decisão não deixa de ser curiosa e surpreendente (por não precedida de qualquer notificação nesse sentido, a deixar prever tal possibilidade!) na sua fundamentação, ainda que em termos manifestamente claros e perfeitamente inteligíveis.

Todavia, a não se tratar da sindicância de fiscalização preventiva, como poder ver a completa separação face à concreta decisão judicial, quando é a própria norma legal inerente à admissibilidade de recurso (art. 70º nº 1 in fine LTC) a expressamente referir que o recurso é das decisões dos Tribunais?!

II) Da opção pela decisão sumária e (des)proporcionalidade

Primeiramente, e antes de mais, tecer unicamente umas singelas palavras sobre a opção pela decisão sumária, prévia ao oferecimento de alegações ou qualquer contraditório.

Em modesto entender do signatário, trata-se de uma restrição desproporcionada dos direitos do recorrente, presidindo ao recurso apresentado unicamente o sentimento de injustiça e de disformidade face a um Direito penal justo e processualmente conforme.

Houvesse oportunidade de se ter oferecido alegações, como expressamente se manifestou tal intenção no requerimento de recurso, para efeitos de melhor corporalização dos fundamentos e razões inerentes ao mesmo, muito provavelmente teriam sido dissipadas as dúvidas e lapsos em que navega a douta decisão sumária...

Em alternativa ao uso de tal meio desproporcionado sempre deveria/poderia o Tribunal ter feito uso da prerrogativa plasmada no n.º 5 do art. 75º-A da Lei do Venerando Tribunal Constitucional por forma a que o recorrente suprisse qualquer eventual lacuna ou aperfeiçoasse o teor do requerimento.

Ter-se-ia toda a cooperação processual para eliminar qualquer requisito que faltasse pois afigura-se inequívoco para o recorrente que se pretende um efetivo controlo de constitucionalidade com natureza normativa, pois a própria generalização isso mesmo atesta para além de qualquer dúvida razoável.

Na verdade, em matéria de privação de, direitos, esta só é admissível quando se mostrar indispensável, isto é, quando o desiderato que visa prosseguir não puder ser obtido de outra forma menos gravosa (princípio da necessidade ou da exigibilidade), quando se revelar o meio adequado para alcançar os fins ou finalidades que a lei visa com a sua cominação (princípio da adequação ou da idoneidade) e quando se mostrar quantitativamente justa, ou seja não se situe nem aquém nem além do que importa para obtenção do resultado devido (princípio da proporcionalidade, proibição do excesso ou da racionalidade).

Todavia, para que não restem/hajam dúvidas, não se defende em abstrato nenhum direito subjetivo a apresentar alegacões e aceita-se que em certos casos, por questões de celeridade processual, manifesta simplicidade ou ostensiva preterição dos requisitos legalmente fixados para a admissibilidade recursória, deva mesmo ser adotada tal solução decisória após prévia notificação de tal possibilidade e convite ao aperfeiçoamento.

Aquilo que se discute, e discorda, é o facto de no presente caso se não mostrarem verificados tais requisitos para a prolação decisória na forma como a mesma foi feita e que, cumulativamente, radique a mesma numa errada valoração de uma ausência de natureza normativa, ponderação e análise do objeto recursório!

Ademais, mostra-se vertido no nº 2 do art. 78º-A que a decisão sumária...

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