Acórdão nº 3609/17.0T8AVR.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelPEDRO DE LIMA GONÇALVES
Data da Resolução18 de Janeiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1. AA e BB intentaram ação declarativa, com processo comum, contra Construções Mário Gomes – Sociedade Unipessoal, Lda., pedindo que a Ré seja condenada: a) a reconhecer os AA. como donos e legítimos proprietários do prédio identificado no artigo 1.º da petição inicial; b) a reconhecer a existência dos defeitos e anomalias mencionados nos artigos 81.º a 85.º e 111º a 132.º da petição inicial; c) a reconhecer que tais defeitos e anomalias decorrem da sua atuação (por ação e/ou omissão); d) a reconhecer que abandonou definitivamente a obra sem concluir os trabalhos elencados nos artigos 88.º, 89.º, 93.º, 95.º, 97.º, 111.º, 113.º a 116.º, 121.º a 125, e sem efetuar por completo os trabalhos elencados nos artigos 87.º, 94.º, 97.º e 112.º da petição inicial.

e) a devolver aos AA. € 41.470,00 (68.220,00-26.335,00+415,00) pelos mesmos pagos indevidamente por trabalhos que foram faturados pela Ré mas que na realidade não foram pela mesma executados; f) a pagar aos AA., nos termos do disposto no art. 609.º, nº 2, do CPC, as importâncias que se vierem a liquidar em incidente de liquidação, relativamente ao custo que os mesmos vão suportar para corrigir os trabalhos indevidamente realizados; concluir os que se encontrem incompletos e fazer os que estavam orçamentados e ainda não foram executados pela Ré, mencionados nos artigos 74.º a 97.º e 111.º a 132.º da petição inicial, em montante que ultrapasse o valor orçamentado entre AA. e Ré, ou seja, custos superiores a €86.865,99 (113.200,00-26.335,00); g) subsidiariamente, caso se mostre impossível concluir os trabalhos no prazo improrrogável da licença de obras concedida pela Câmara Municipal ... (até ao dia 18/12/2017), pelo facto de a perícia antecipada que se requer não ser realizada em tempo útil, pagar aos AA. as importâncias que se vierem a liquidar em incidente de liquidação e que se venham a revelar necessárias para a boa conclusão da obra, incluindo os custos com novos projetos, novos pedidos de licenciamento e demais encargos administrativos.

h) a pagar aos AA. a quantia de € 10.000,00 (€ 5.000,00 para cada um), a título de danos morais.

Alegam, em síntese, que: - são donos e legítimos possuidores de um prédio urbano constituído por casa destinada a habitação unifamiliar, sita em ...; - quando, em 2013, os AA. decidiram proceder à ampliação da sua moradia, visavam apenas a execução de pilares e laje ao nível do piso 0, permitindo a ampliação da área da garagem, e terraço ao nível do piso 1; foi nesse sentido que os AA. pediram orçamento à R. para conclusão dos trabalhos em falta (colocação de massas grossas e finas, pintar, colocar pavimentos); - a R. acabou por sugerir aos AA. que acrescentassem dois pisos em cima da ampliação já iniciada para evitar futuros problemas de humidades e ofereceu-se para tratar dos novos projetos e licenciamentos através de gabinetes e engenheiros da sua confiança com quem habitualmente trabalhava; - a Ré tratou com “AREADOMUS – Arquitetos e Engenheiros, Lda.”, a realização do projeto de arquitetura e todas as especialidades necessárias ao licenciamento das alterações da moradia e obtenção do alvará de construção; -foi com base no projeto da AREADOMUS que a R. elaborou e apresentou aos AA. O Orçamento n.º 917, datado de 08/01/2016, que o A. assinou, transformando-o em contrato de empreitada, pelo preço de “113.200,00 € com IVA”; - a R. iniciou os trabalhos de continuação da moradia em fins de janeiro/princípios de fevereiro de 2016 e obrigou-se a tê-los terminados até novembro de 2017; - a R. abandonou de vez os trabalhos a 8/07/2017, data em que a obra apresentava os defeitos e anomalias mencionados nos artigos 81.º a 85.º e 111º a 132.º da petição inicial, não tendo sido concluídos os trabalhos elencados nos artigos 88.º, 89.º, 93.º, 95.º, 97.º, 111.º, 113.º a 116.º, 121.º a 125 da petição, não tendo também sido iniciados os trabalhos elencados nos artigos 87.º, 94.º, 97.º e 112.º do mesmo articulado; -os AA. já entregaram à R., por conta da obra em referência, €68.220,00 (IVA incluído), não ultrapassando o valor dos trabalhos realizados pela R. os € 26.750,00.

  1. Citada a Ré, veio contestar, deduzindo pedido reconvencional, alegando que: - os AA. estavam continuamente a exigir alterações ao projeto de arquitetura inicial e às suas especialidades; - por efeito destas alterações foi realizado o Orçamento Adicional n.º …15, no valor de €21.480,00, IVA incluído, que foi entregue, explicado e assinado pelo A.; - o Orçamento Adicional n.º …97, no valor de € 7.000,00 com IVA, para construção dos currais, foi apresentado à R. com base num projeto realizado pelo punho do A., tendo a R. iniciado a obra e colocado ferro armado para as fundações no valor de €1.200,00; - os atrasos na obra deveram-se apenas às constantes alterações ao projeto exigidas pelos AA. e à indecisão destes quanto às alterações pretendidas; - acresce que nunca à R. ou seus colaboradores foi dado conhecimento do projeto de eletricidade, tendo os trabalhos de eletricidade sido realizados segundo a orientação, vontade e fiscalização dos AA.; - já com a obra a decorrer, os AA. apresentaram novas folhas de um projeto que nunca mostraram à R. na totalidade, nem lhe entregaram cópia, de que só agora esta tomou conhecimento; - este projeto constava do processo de licenciamento da Câmara Municipal ... e foi com base nele que a R. realizou o Orçamento nº …15; - foram os AA. que contrataram o gabinete de arquitetura AREADOMUS, que era desconhecido da R.; - foram realizados pela R. os trabalhos extra discriminados no artigo 24.º da contestação; - os AA. recusaram- se a pagar os mesmos, pelo que, a 22/06/2017, a R. remeteu carta registada ao A. a suspender os trabalhos até resolução da situação; - entretanto, a R. foi notificada, a 27/06/2017, pela Divisão de Administração e Território da Câmara Municipal ... para parar os trabalhos por falta de termo de responsabilidade, uma vez que “o Sr. CC deixou de assumir a responsabilidade pela fiscalização e direção técnica da obra”; em virtude de a obra se encontrar parada, sem perspetivas de retoma célere por falta de entendimento entre AA. e Ré, esta, no dia 06/07/2017, apresentou requerimento na Câmara Municipal para levantamento do seu alvará; - a obra ainda não concluída porque os AA., sendo pessoas de postura problemática conhecida do público, têm dificuldade em contratar empreiteiro para as acabar.

    E, em reconvenção, pede a condenação dos AA. a pagarem-lhe: a) o montante de € 11.598,90 constante da fatura nº ...30, de 23/06/2017; b) o valor dos trabalhos extra, que não será inferior a €15.000,00; c) juros, à taxa legal, desde a notificação da reconvenção até integral pagamento.

    Conclui, ainda, pela condenação dos AA. como litigantes de má fé.

  2. Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença, julgando a ação parcialmente procedente, condenando a Ré no pagamento aos Autores da quantia de €2.857,00, absolvendo-a dos demais pedidos; e absolvendo os Autores dos pedidos reconvencionais.

  3. Inconformados com esta decisão, os Autores interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação ..., tendo a Ré requerido a ampliação do âmbito do recurso e, simultaneamente, recorrer subordinadamente.

  4. O Tribunal da Relação ... veio a decidir: “julgando parcialmente procedente a apelação dos AA., em condenar a R. a pagar aos AA., ainda, a quantia necessária à reparação dos defeitos descritos em 32, 32-A e 34 dos factos provados, a liquidar em execução de sentença; - julgar improcedente a apelação da R.; - confirmar, no mais, a sentença recorrida”.

  5. Inconformada com tal decisão, veio a Ré interpor o presente recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões: 1 - Entendeu o Tribunal da Relação ... que apesar de os recorridos terem optado pela resolução do contrato de empreitada, não sendo porém o incumprimento imputável à recorrente, esta é responsável pelo pagamento da indemnização reclamada por aqueles a título de violação do interesse contratual positivo, por enriquecimento sem causa.

    2 - A recorrente não pode aceitar esta decisão, na medida em que viola todas as normas que regulam a responsabilidade contratual.

    3 - Na verdade, tendo os recorridos optado pela resolução do contrato de empreitada, a qual encerra a destruição da relação contratual, colocando as partes na situação que teriam se o contrato não tivesse sido celebrado. Enveredou, pois, pelo regime legal que está previsto nos arts 432 e segs do C.C. Temos, assim, a equiparação quanto aos efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico.

    4 - Como é sabido, “a nulidade impede a produção de efeitos e a anulação faz cessar a produção de efeitos jurídicos”.

    5 - Em caso de resolução contratual, a posição clássica e largamente dominante, é a de que a tutela se resume ao interesse contratual negativo, ou seja, ao prejuízo que o credor não teria se o contrato não tivesse sido celebrado (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 3.ª ed., pág. 58; Antunes Varela, das Obrigações em Geral, vol. II, 7.ª ed., pág.109; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª ed., pág. 1045 e segs; António Pinto Monteiro, Sobre o não cumprimento na venda a prestações, O Direito, Ano 122 (1990), pág. 555 e em Cláusula Penal e Indemnização, pág. 693 e segs; Calvão da Silva, Responsabilidade Civil do Produtor, pág., 248 e em Compra e Venda de Coisas Defeituosas: conformidade e segurança, págs. 26 e 36; Pedro Romano Martinez, Cumprimento defeituoso, em especial na compra e venda e na empreitada, pág. 349 e segs; Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. II, 4º ed., pág. 267-268).

    6 - Tal doutrina tem sido acolhida na jurisprudência, também largamente dominante, do Supremo Tribunal de Justiça, de que são exemplos os Acórdãos de 26-3-98, 19-4-99, 3-9-04, 27-4-05, 12-7-05, 21-3-06, 23-1-07, 17-5-08, 22-1-08, 22-4-08 e 23-10-08, todos disponíveis em www.dgsi.pt), 7 - Essa doutrina e...

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