Acórdão nº 3495/19.5T8PRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelFERNANDO SAMÕES
Data da Resolução18 de Janeiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 3495/19.5T8PRT.P1.S1[1] * Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção[2]: I. Relatório[3] AA instaurou, em 12/2/2019, acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra A400 − Projetistas e Consultores de Engenharia, Lda., ambos melhor identificados nos autos, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de 124.305,00 € (cento e vinte e quatro mil, trezentos e cinco euros), acrescida de juros de mora, desde a data da citação.

Para tanto, alegou, em resumo, o seguinte: . Em 15/3/2006, o Autor celebrou com a Ré um contrato de gestão, coordenação e fiscalização da obra de construção de uma moradia, tendo esta R. assumido a respectiva responsabilidade por todas as fases do processo: a de projecto, a de consultas e de contratação e a fase da obra.

. Do projecto de licenciamento constava como técnico responsável pela direção técnica da obra o Eng. BB, sócio gerente da Ré.

. Em 31/10/2008, foi lavrado auto de recepção provisória.

. Em 23/01/2009, o Autor deslocou-se à moradia em causa e deparou com uma inundação e com diversas deficiências, tendo solicitado ao Instituto da Soldadura da Qualidade a inspeção ao imóvel, de que resultou relatório descrevendo as diversas deficiências.

. A sociedade empreiteira EDITRAVANCA, encarregada da realização da obra, que a Ré deveria acompanhar, não reparou os aludidos defeitos, o que implicou que o Autor tivesse despendido € 41.091,95 em obras urgentes.

. O A. instaurou acção contra aquela empreiteira, mas esta não pagou a quantia em que ali foi condenada, acabando por ser declarada insolvente e encerrado o processo.

. Por sua vez, a Ré omitiu os deveres de acompanhamento da obra, não analisando os métodos de construção/execução, não verificando o cumprimento dos programas de trabalho da empreitada, não detectando as causas dos defeitos e não conformidades, não assegurando o padrão de qualidade definido nos diversos projectos, não fiscalizando as operações executadas pelo empreiteiro, sendo a R. responsável pelos prejuízos que advieram ao Autor.

A Ré contestou, por excepção e impugnação. Invocou a sua ilegitimidade, o caso julgado, a caducidade do direito do Autor e a aprovação tácita da sua actuação por parte daquele. E alegou, em síntese, que o Autor e a esposa acompanharam o desenvolvimento da gestão e fiscalização por parte da Ré; que a Ré cumpriu a prestação a que estava obrigada; a qualidade da obra é um reflexo das opções estéticas e das escolhas e aplicação dos materiais que o Autor e sua esposa impuseram a par do orçamento mínimo que dispuseram para a obra. Concluiu pela improcedência da acção pedindo a condenação do Autor como litigante de má fé.

O Autor pronunciou-se pela improcedência das excepções deduzidas.

Na fase do saneamento, em 26/6/2019 foram julgadas improcedentes as excepções da ilegitimidade e do caso julgado e, conhecendo do mérito, foi a acção julgada improcedente e a Ré absolvida do pedido, bem como foi o Autor absolvido do pedido de condenação como litigante de má fé.

Inconformado, o Autor interpôs recurso de apelação que o Tribunal da Relação ..., por acórdão de 19/5/2020, aprovado por unanimidade, julgou improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Ainda irresignado, o Autor interpôs recurso de revista excepcional, a qual foi admitida pela Formação, por douto acórdão de 19 de Janeiro de 2021, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 672.º do CPC.

Na sequência da sua admissão, em 23/2/2021, foi proferido acórdão, onde se deliberou: “Por tudo o exposto, acorda-se em conceder a revista, revogar o acórdão recorrido e ordenar o prosseguimento dos autos para que sejam apurados e discriminados os factos provados e seja feito o seu enquadramento jurídico nos termos referidos supra, devendo os autos baixar à Relação para assim se determinar novo julgamento da causa, como se deixou dito.

” O Tribunal da Relação, por despacho de 24/3/2021 do respectivo Desembargador Relator, mandou baixar os autos à 1.ª instância para dar cumprimento ao que fora determinado naquele acórdão.

Já na 1.ª instância, após realização de diligências instrutórias, foi proferida nova sentença, datada de 1/9/2021, com a seguinte “parte decisória”: “Pelo exposto, julgando-se procedente a exceção perentória de caducidade do direito exercido, julga-se a ação improcedente e, em conformidade, absolve-se a ré, A400 − Projetistas e Consultores de Engenharia, L.da, do pedido formulado pelo autor, AA.

Absolve-se o autor do pedido de condenação como litigante de má-fé.

” Não conformado, novamente, o autor interpôs recurso de revista “per saltum” para o STJ e apresentou as correspondentes alegações que terminou com as seguintes conclusões: “I – A decisão recorrida não deve manter-se, pois consubstancia uma solução que não consagra a justa aplicação das normas e princípios jurídicos competentes.

II – O Recorrente requer que o recurso interposto da decisão que pôs termo ao processo – sentença – suba directamente ao Supremo Tribunal de Justiça, na medida em que estão verificados os requisitos previstos no artigo 678º. do CPC, na medida em que:

  1. O valor da causa (124.305,00€) é superior à alçada da Relação; b) O valor da sucumbência (124.305,00€) é superior a metade da alçada da Relação; c) O Recorrente, nas suas alegações, suscita apenas questões de direito; d) O Recorrente não impugna, no presente recurso, quaisquer decisões interlocutórias.

    III – Carece de total e absoluto fundamento a decisão recorrida, a qual decorre de erro na interpretação e aplicação das normas constantes dos artigos 9º., 10º., 309º., 1225º. e 1156º. do Código Civil.

    IV - O prazo de caducidade previsto no artigo 1225º. do Cód. Civil é inaplicável por analogia ao presente caso.

    V - Pode recorrer-se à aplicação analógica no caso em que as situações são similares, quando, “no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei”, o que não se verifica no caso sub judice.

    VI - Com efeito, Recorrente e Recorrida celebraram um contrato de gestão, coordenação e fiscalização da obra de construção de uma moradia, tendo a Recorrida assumido a seu cargo todas as fases do processo: a inicial; a de projecto; a de consultas e de contratação e a fase da obra.

    VII - “A actividade da A400 (aqui Recorrida) terá por objectivo fiscalizar os trabalhos e actividades dos diversos intervenientes na construção e ainda na supervisão e controlo da execução do contrato de empreitada e fornecimentos, em termos de qualidade, prazos e custos” - cfr. cláusula 2.3.0 a) do Contrato.

    VIII - Nos termos da cláusula 1 do Contrato, foram estabelecidas cinco áreas funcionais como sendo as tarefas mais significativas a cargo da Recorrida: a) direcção técnica de empreendimento; b) análise, acompanhamento e coordenação do desenvolvimento dos projectos; c) fiscalização, controle e calendarização da obra; d) controle de qualidade; e) controle das condições de segurança e f) controle administrativo da obra.

    IX - Recaíam sobre a Recorrida prestações intelectuais, sendo o resultado imaterial e incorpóreo.

    X - O Supremo Tribunal de Justiça afasta a aplicação do regime específico de caducidade estabelecido nos artigos 1224.º e 1225.º do CC, quando a prestação essencial se traduz no resultado ou produto de um trabalho intelectual – vd. Acórdão datado de 14/12/2016, publicado in www.dgsi.pt.

    XI - De facto, sendo a empreitada o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço, a regulamentação legal da empreitada mostra-se “fortemente dominada pela ideia de obra corpórea, mormente no que respeita à transmissão da propriedade da obra, à eliminação de defeitos e ao específico regime de caducidade dos direitos daí decorrentes.” XII - In casu, não é possível conciliar a maioria das regras do contrato de empreitada com o resultado (intelectual e incorpóreo) obtido da gestão, coordenação e fiscalização da obra, designadamente no que respeita às regras de transferência da propriedade; ao direito de exigir a eliminação dos defeitos; ao direito de exigir uma nova construção ou a resolução do contrato.

    XIII - Se tivermos em conta o feixe de obrigações que recaíam sobre a Recorrida – supra mencionadas - a denúncia não tem qualquer efeito útil, o mesmo se dizendo quanto à resolução do contrato.

    XIV - Ora, a sentença a quo não atende ao facto de a actuação da Recorrida ser exclusivamente intelectual, pois consistia na direcção técnica de empreendimento; análise, acompanhamento e coordenação do desenvolvimento dos projectos; fiscalização, controle e calendarização da obra; controle de qualidade; controle das condições de segurança e controle administrativo da obra.

    XV - Desse modo, consistindo a relação entre as partes num contrato atípico de prestação de serviço, que se rege pelas disposições sobre o mandato, não lhe são aplicáveis os prazos de caducidade previstos no artigo 1225º. do Cód. Civil, estando, ao invés, sujeita ao prazo geral de prescrição de 20 anos, previsto no artigo 309º. do Cód. Civil, norma que deveria ter sido aplicada pelo Tribunal recorrido.

    XVI - Deve ser revogada a sentença recorrida, ordenando-se o prosseguimento dos autos.

    XVII - A decisão recorrida violou as normas e princípios jurídicos constantes dos artigos 9º., 10º., 309º., 1225º. e 1156º. do Código Civil, porquanto os mesmos não foram interpretados e aplicados com o sentido versado nas considerações anteriores.

    Termos em que o presente recurso deve merecer provimento e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida, ordenando-se o prosseguimento dos autos, com todas as consequências legais.

    Assim se fará, inteira, J U S T I Ç A”.

    A recorrida contra-alegou, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.

    O recurso foi admitido como apelação, por lapso, o qual foi corrigido, acabando por ser admitido como revista, tal como fora interposto, com efeito meramente devolutivo.

    Subidos os autos a este Supremo Tribunal, foram verificados os requisitos...

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